Mensalão transformou PT e contribui para crise política

6 jun 2015

SÉRGIO ROXO 

Partido ainda vive ‘sob a sombra’ do escândalo, afirma Tarso Genro

O escândalo permitiu que Dilma fosse escolhida para suceder Lula. Com o controle da máquina partidária, Dirceu era o aspirante natural

Há exatamente dez anos, quando o escândalo do mensalão foi detonado pelas revelações do ex- deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) sobre o pagamento de recursos a parlamentares da base em troca de apoio ao governo Lula, o Partido dos Trabalhadores (PT) viveu o que pensava ser a maior crise de sua História. Apesar de não ter interrompido o projeto de poder do partido, que venceria ainda outras três eleições presidenciais, o mensalão deixou marcas profundas, que têm ligação com a situação atual, ainda mais dramática. Uma década depois, dirigentes da sigla e analistas concordam: as agruras do PT em meio à crise política do governo Dilma e à Operação Lava-Jato têm como origem o escândalo do mensalão.

ARQUIVOFim da linha. Mensalão tirou José Dirceu da lista de possíveis sucessores de Lula

O efeito imediato da revelação do mensalão por Jefferson em 6 de junho de 2005 foi a destruição de toda a estrutura de comando partidário arquitetada pelo exministro da Casa Civil José Dirceu, que brecou os conflitos entre as tendências petistas para viabilizar, assim, a chegada de Lula ao Planalto, na eleição de 2002.

— Internamente, foi um desastre. Havia um comando consolidado no PT que foi abatido — lembra um dirigente do grupo majoritário do PT.

Para o ex-governador gaúcho Tarso Genro, da corrente opositora à de Dirceu, Mensagem ao Partido, a legenda ainda vive “sob a sombra do mensalão”. Ele avalia que o escândalo provocou um baque interno ao mostrar que a sigla recorria a métodos que sempre condenou.

— O mensalão produziu um impacto muito forte porque toda a militância do partido, suas direções e quadros intermediários, entenderam que o PT estava sujeito a ter as mesmas práticas dos partidos tradicionais. Sofrer das mesmas deformações da política tradicional, arriscando se tornar um partido comum, que derrota sua própria utopia e assume a governabilidade e o poder como essenciais — diz Tarso Genro, que assumiu a presidência do partido logo após o escândalo vir à tona, em 2005, pregando a refundação da legenda.

O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, avalia que o escândalo, ao abater lideranças petistas como Dirceu, Luiz Gushiken, José Genoino, João Paulo Cunha, Silvio Pereira e Delúbio Soares, prejudicou a condução do PT.

— O partido perdeu quadros importantes, pessoas que tinham experiência e habilidade para manejar a disputa política interna e no Parlamento. Passou a ser dirigido por um segundo time — diz Carlos Melo, para quem o atual presidente da legenda, Rui Falcão, dificilmente estaria hoje no posto sem o escândalo. — Talvez a direção nacional não fosse tão frágil como é.

Líderes petistas entendem que, ao assumir publicamente a defesa de seus dirigentes envolvidos no escândalo, o partido agravou o desgaste diante da população. Num primeiro momento, sob o comando de Tarso, a Executiva chegou a aprovar uma resolução pedindo “desculpas à nação”, mas, em seguida, passou a contestar provas recolhidas e os critérios do Supremo Tribunal Federal (STF) que condenaram os réus, entre eles Dirceu e o ex-deputado José Genoino.

Foi também o mensalão que possibilitou que Dilma Rousseff, hoje em conflito com o PT por causa do ajuste fiscal, fosse escolhida para suceder Lula. Com amplo controle da máquina partidária, Dirceu era o aspirante natural. Mas Lula dava sinais, segundo petistas, de que o seu preferido era o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. De acordo com um dirigente do PT, o presidente mantinha certo “cuidado” na relação com Dirceu, evitando que seu poder crescesse muito. O suposto plano de Lula, porém, cairia por terra no ano seguinte, quando Palocci foi acusado da quebra do sigilo do caseiro Francenildo Costa, que o havia acusado de frequentar uma casa de lobby em Brasília.

— Surgiu mais uma janela de oportunidade para Lula, que passou a poder decidir o que bem entendesse sobre a sua sucessão. Dilma passou a ocupar um espaço como técnica sem expressão política, seja no PT ou na sociedade. Isso dava a Lula a tranquilidade de que poderia controlar Dilma como presidente da República — analisa Carlos Melo.

Tarso Genro entende que a escolha solucionou um conflito interno do partido diante da falta de um nome de consenso:

— O partido estava em crise, em meio a uma disputa entre as correntes. O presidente teve a capacidade de pacificar o partido naquele momento escolhendo a companheira Dilma, porque ela não era vinculada a nenhuma das correntes, portanto, pacificava o conflito.

O ex-governador gaúcho avalia, porém, que as consequências da escolha de um pessoa desvinculada da vida partidária estão sendo vividas hoje pelo PT.

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‘O partido errou? claro. errou demais’

Cumprindo pena em regime aberto, ex- deputado João Paulo Cunha faz reunião em diretório.

Condenado no mensalão e cumprindo pena em regime aberto em Brasília, o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha discursou ontem por quase uma hora para militantes petistas, em ato realizado na sede do PT de Osasco, na Grande São Paulo. Ele fez uma análise de conjuntura e deu orientações a correligionários para as eleições municipais de 2016. Reconheceu erros cometidos pelo PT, mas disse não ser esta a causa principal das críticas à legenda.

“O PT errou? Claro que errou. Errou demais. Errou no mensalão. Errou agora de novo. Mas não é por isso que o PT tem apanhado tanto”, afirmou João Paulo, segundo a “Folha de S. Paulo”, atribuindo ataques a uma elite contrariada com a administração petista.

O encontro foi divulgado de forma discreta por militantes do PT em redes sociais. “Vamos tomar um café e bater um papo em comemoração ao aniversário do nosso amigo”, era a mensagem de divulgação, sem mencionar o nome de João Paulo, que faz aniversário amanhã e foi autorizado pela Vara de Execuções Penais do Distrito Federal a viajar a Osasco para comemorar a data.

O presidente municipal do PT em Osasco, José Pedro da Silva, disse ao GLOBO que o convite foi discreto “porque havia dúvida se ele poderia participar desse tipo de encontro”.

— (Em seu discurso) Ele disse que o partido (PT) não fez nada diferente do que outros faziam — contou o dirigente.

— Era um café para comemorar o aniversário dele. Quando pessoas que gostam de política se encontram, não tem como não falar sobre política — justificou a vereadora petista Professora Mazé.

Em dezembro de 2012, o STF determinou a suspensão dos direitos políticos dos condenados no mensalão. No fim de 2014, o ex-deputado Roberto Jefferson, que cumpre pena em regime domiciliar, foi proibido de falar sobre política com a imprensa pelo ministro Luís Roberto Barroso quando estava no semiaberto. Para o ministro, alguém com direitos políticos cassados “não poderia participar da vida política”. O GLOBO procurou Barroso para saber se a situação de João Paulo é semelhante à de Jefferson. O gabinete do ministro informou que ele estava em viagem ao exterior e não poderia responder.