Governo já costura ajustes na política de conteúdo local

Valor econômico, v. 16, n. 3748, 05/05/2015. Brasil, p. A3

Rodrigo Polito

 André Ramalho

O governo federal está aberto a flexibilizar as regras de conteúdo local para os próximos leilões da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e já costura internamente alguns ajustes na política de nacionalização. O recado foi transmitido ontem pelo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga. Em encontro com executivos do setor de óleo e gás nos Estados Unidos, Braga disse que o Ministério de Minas e Energia (MME) e a ANP estão elaborando uma proposta, a ser apresentada ao governo entre 30 e 60 dias.

"Estamos trabalhando com profundidade em cima da questão do conteúdo local, que é efetivamente uma política que deu certo, mas que precisa de ajustes, como todas as políticas", disse o ministro, em Houston, onde participa da Offshore Technology Conference (OTC), um dos principais eventos da indústria petrolífera mundial.

Na prática, a ideia, segundo ele, é elevar o grau de conteúdo local de alguns itens e reduzir para outros bens e serviços. "Temos aspectos que foram muito bem sucedidos dentro do conteúdo local. Queremos entender o que fez esses projetos serem tão bem sucedidos, para que possamos replicar este modelo que deu certo para outros produtos que nós temos interesse estratégico", afirmou o ministro.

No domingo, Braga já havia antecipado, no evento, que possíveis mudanças só serão adotadas a partir da 14ª Rodada, por não haver tempo hábil para alterações para a 13ª Rodada, que deverá ocorrer ainda em 2015. De acordo com o ministro, é preciso uma flexibilização "muito bem calibrada".

Valor apurou que executivos de petroleiras se reuniram nas últimas semanas com diretores da ANP para propor e solicitar mudanças de regras. Dados da agência mostram que, desde 2011, as petroleiras já pagaram R$ 412 milhões em multas por desrespeito aos índices de conteúdo local. Só este ano a agência já aplicou 12 multas, com destaque para a BG, que desembolsou R$ 192,8 milhões.

Ainda com base nos dados da ANP, em cerca de 40% dos blocos fiscalizados e arrematados a partir da 5ª Rodada, quando a agência passou a fixar níveis mínimos de conteúdo local, as petroleiras não atingiram os índices comprometidos. Ao todo, Já foram 88 multas.

A flexibilização da política de conteúdo local é uma bandeira que as petroleiras sustentam há anos. Ao tomar posse, no final de março, o novo presidente do Instituto brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), Jorge Camargo, disse que os desdobramentos da operação Lava-Jato colocaram de vez a capacidade de investimentos dos fornecedores em xeque e, por isso mesmo, tornam o momento oportuno para ajustes.

Para David Zylbersztajn, consultor e ex-diretor da ANP, o governo, numa visão equivocada, optou por patamares de nacionalização altos demais ao longo dos últimos anos. "Conteúdo local não é o objetivo final da indústria petrolífera. Hoje quem perde é o país, porque atrasa a produção de óleo, a arrecadação de impostos. É preciso ajustar esses patamares", opinou.

Manuel Fernandes, sócio-líder em Petróleo e Gás na KPMG, defende a revisão da política de conteúdo local para patamares mais realistas. Para ele, contudo, os ajustes não substituem a necessidade de uma política industrial para o país e precisam ser tratados com cautela. "