BNDES quer estimular financiamento privado

6 jun 2015

LINO RODRIGUES

THAIS LOBO 

Para ter parcela maior de crédito subsidiado, empresa terá de captar 25% dos recursos no mercado de capitais

 

Ainda sem recursos garantidos para fazer frente à meta de empréstimos estimada para este ano em R$ 170 bilhões, o BNDES anunciou ontem o início das operações do seu modelo de crédito voltado para grupos com faturamento acima de R$ 1 bilhão. Novas concessões do banco ao custo da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente em 6% ao ano, vão ficar atreladas à captação de recursos no mercado de capitais. Atualmente, as grandes empresas que recorrem ao BNDES têm 50% dos recursos corrigidos pela TJLP.

FELIPE RAU/ESTADÃO CONTEÚDOMudanças. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, anunciam em São Paulo as novas diretrizes

A proposta é manter o percentual de 50%, desde que o interessado no financiamento se comprometa a levantar outros 25% do valor pretendido no mercado. Isso seria feito por meio da emissão de títulos de dívida, como debêntures. Se essa emissão não for feita, a parcela do financiamento pela TJLP será automaticamente reduzida para 25%. O valor mínimo por operação passa a ser de R$ 200 milhões, e os setores contemplados são os de agropecuária e agroindústria, indústria extrativa e de transformação, petróleo e gás, comércio e serviços e infraestrutura.

‘AMPLIAR O CRÉDITO DE LONGO PRAZO’

Especialistas consultados pelo GLOBO veem a medida como positiva. Mansueto Almeida, consultor e especialista em contas públicas, avalia que a mudança está na direção correta para fortalecer o mercado de capitais, mas ressalta que o resultado só virá a longo prazo.

— A curto prazo, o BNDES forçar as empresas a lançar debêntures junto ao mercado de capitais é algo positivo. Num contexto mais amplo, o fortalecimento do mercado de capitais depende de o ajuste fiscal avançar, de o país manter o grau de investimento, de um marco regulatório mais claro e da queda da taxa de juros. Isso não acontece em três, quatro meses. É fruto de um processo no qual o governo vai entrar nos próximos quatro anos, bem diferente dos quatro anos anteriores, quando a atuação do BNDES era muito grande — explicou.

Com as alterações, o BNDES espera diminuir sua participação no conjunto dos empréstimos de longo prazo, abrindo espaço para a entrada de recursos privados, cuja fatia passaria dos atuais 20% para 47%. Com isso, a ideia é que o custo da dívida nessas modalidades caia em cerca de 2% ao ano.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que participou do evento no qual o BNDES divulgou as mudanças, disse que os mecanismos antigos de crédito de longo prazo (recursos da poupança e do FGTS) estão no limite, mas que há demanda no mercado de emissões privadas para projetos de longa duração. Segundo ele, fundos de investimentos e de pensão já querem comprar papéis de prazo maior, e essa procura deve crescer com um cenário econômico melhor.

— Enfrentando a questão fiscal e a confiança voltando, as pessoas vão querer investir. Temos que explorar e ampliar a oferta de crédito de longo prazo. O Brasil amadureceu, tem novos desafios, e temos que estar preparados para respondê-los — disse Levy na Anbima, em São Paulo.

Segundo o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, já há no banco 18 operações em análise pelo novo modelo de concessão de crédito, cujo potencial mínimo de emissões é de R$ 3 bilhões. Com relação aos investimentos nos próximos leilões de concessão, ele explicou que estes terão regras específicas.

— Estamos prontos para operar desde já — afirmou Coutinho, acrescentando que o próximo passo é criar formatos que incluam empresas de menor porte.

Para Levy, o descompasso entre despesas e receitas do governo é responsável pelos juros elevados:

— Com o esforço fiscal que estamos fazendo, a política monetária começa a ser mais forte, o que reduz a necessidade de mais altas de juros.

Para Margarida Gutierrez, especialista em contas públicas e professora da Coppead/UFRJ, o principal ingrediente para alavancar os títulos privados é a recuperação da confiança:

— Hoje, o mercado de capitais de longo prazo é muito pequeno, por várias razões, uma delas a incerteza da economia. Para lançar títulos de dez anos você tem que vislumbrar um horizonte. Com um futuro opaco, ninguém vai comprar debêntures. É um processo, e essa medida é um primeiro passo. Para o mercado se desenvolver, depende de outras questões. Depende do ajuste fiscal, da luta contra a inflação, do sucesso do programa de concessão de leilões. Isso tudo vai servir para recuperar a confiança nesse governo, e isso fortalece o mercado de capitais.

Antonio Corrêa de Lacerda, consultor e professor da PUC-SP, diz que a medida é uma tentativa válida de remodelar o BNDES em tempos de restrição fiscal, limitação do repasse de recursos do Tesouro e abertura para o setor privado:

— Hoje não há esse mercado de capitais no Brasil por uma série de limitações. A maior é o fato de a Selic (taxa básica de juros, hoje em 13,75% ao ano) ser a maior do mundo em termos reais. Algum dia o Brasil vai ter juros reais normais. Mas não dá para ficar esperando. É preciso preparar a economia para essa nova realidade.