Democracia sangrenta

6 jun 2015

FELIPE BENJAMIN 

Violência e desencanto com a política marcam campanha eleitoral que já deixou 19 mortos

Às vésperas de irem às urnas para elegerem 500 deputados, nove governadores e mais de mil representantes locais em 17 dos 32 estados do país, os mexicanos se veem frente a uma onda de violência eleitoral. A mais recente vítima — o candidato do PRD a deputado federal Miguel Ángel Luna Munguía — foi morta a tiros em seu escritório de campanha, em Valle de Chalco, na última quarta-feira. Foi o 19º assassinato de uma campanha marcada por mais de 70 ataques a candidatos, líderes partidários, assessores ou militantes.

O caso de Munguía chama a atenção por ter acontecido no centro do país, a cerca de 35 quilômetros de distância da capital. O político, exprefeito da cidade, se definia como “um candidato que escuta e atende sua comunidade”. De acordo com as primeiras versões, ele foi morto por três homens armados, que fugiram sem dificuldade, levantando suspeitas de que eles teriam informações precisas sobre a movimentação do político.

O estado de Guerrero, palco do desaparecimento de 43 estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa, em Iguala, é o principal centro da violência eleitoral. Em março, um grupo de homens armados sequestrou a candidata do Partido da Revolução Democrática (PRD) à prefeitura de Ahuacotzingo, Aidé Nava González. Seu corpo foi encontrado decapitado dias depois. Aidé era viúva do ex-prefeito Francisco Quiñonez, morto a tiros em 2014, e um dos filhos do casal está desparecido desde 2012. Nenhum dos três crimes foi solucionado até agora.

Ulisses Fabián Quiroz, candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI) à prefeitura de Chilapa, foi assassinado com 15 tiros no dia 1º de maio. Três dias após sua morte, quatro militantes do Partido Nova Aliança foram mortos após um encontro em Ixcapuzalco, no Norte do estado.

Entretanto, a violência eleitoral mexicana não se resume a assassinatos. No início da semana, a revolta contra o desaparecimento dos estudantes de Ayotzinapa e as reformas na educação previstas pelo presidente Enrique Peña Nieto também gerou protestos, que resultaram em ataques a sedes do Instituto Nacional Eleitoral (INE) e postos de gasolina em cinco estados. Na quarta-feira, 300 professores ligados à Coordenadoria Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE) tomaram o aeroporto de Oaxaca, pedindo boicote geral às eleições.

— O desencanto está espalhado pela sociedade, e a abstenção deve ser enorme. Há um pessimismo generalizado no México, e os eleitores acreditam que os políticos são todos corruptos — afirmou ao GLOBO o especialista em Segurança da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), Raúl Benitez Manaut. — A consequência disso é uma participação popular cada vez menor na política, e a violência contra as eleições, promovida pelos professores unidos aos movimentos estudantis.

EXPECTATIVA PELOS CANDIDATOS INDEPENDENTES

No entanto, mesmo enfrentando um período de baixa popularidade — motivada pelo aparente fim do “Mexican moment” (nome dado ao crescimento econômico do país após a chegada de Peña Nieto ao poder), pelos escândalos de corrupção e pela tragédia em Guerrero — o oficialista PRI deve sair como grande vencedor das eleições, mantendo a maioria no Parlamento. Seus principais rivais, o PRD e o Partido Ação Nacional (PAN), veem-se enfraquecidos por divisões internas e pouco apelo aos eleitores.

— A vitória do PRI é previsível, mas não será uma vitória completa, será por uma porcentagem baixa, sobre uma minoria. No Congresso, o partido terá a maioria dos parlamentares, mas não será uma maioria qualificada para aprovar as leis automaticamente — diz Manaut. — Peña Nieto está com a popularidade em baixa, mas o PRI é maior que ele.

Ciente dos possíveis resultados, o líder do PAN, Gustavo Madero, diz buscar um avanço moderado, superando os 25% obtidos nas últimas eleições presidenciais, solidificando sua posição como a segunda força política do país, e preparando o terreno para a batalha presidencial de 2018. Já o PRD ainda sente os efeitos da tragédia de Iguala, na qual o exprefeito local, José Luis Abarca, e sua mulher, Maria de los Ángeles Pineda, ambos na época filiados ao partido, teriam atuado juntamente com narcotraficantes para matar os estudantes. Isso dificulta ainda mais a já complicada tarefa de vencer o Movimento de Regeneração Nacional (Morena), partido criado pelo carismático Andrés Manuel López Obrador, ex-candidato do partido nas últimas presidenciais.

— O México precisa de uma oposição alternativa aos grandes partidos — diz o escritor Enrique Serna. — A solução é anular o voto, ou buscar votar no menos pior. Não vejo qualquer sinal positivo ao redor. O sistema está podre.

É neste cenário de desencanto popular com a política que, pela primeira vez, os eleitores poderão votar em cidadãos sem vínculos com legendas partidárias, uma opção atraente para os 42% da população que dizem não se sentir representados por nenhum partido. Entre os destaques da campanha está Jaime Rodríguez Calderón, conhecido como El Bronco, um vaqueiro ex-membro do PRI que agora abomina seu antigo partido e aposta num discurso populista para conquistar o governo de Nuevo León, o segundo estado mais rico do país. Um triunfo de El Bronco poderia significar um forte abalo na estrutura do poder mexicano, e um sinal de que, mesmo com a decadência dos partidos tradicionais, a política não foi totalmente deixada de lado pelo eleitorado.

— Uma vitória de El Bronco abriria a caixa de Pandora e transmitiria a ideia de que é possível competir além dos partidos — diz o historiador Ariel Rodríguez Kuri.

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‘Presidente terá oposição inédita’

6 jun 2015

GENARO LOZANO

Analista do Instituto Tecnológico Autônomo do México prevê que PRI perderá força no Parlamento

Como o senhor vê os próximos anos do governo de Peña Nieto?

As pesquisas mostram que o PRI perderá a maioria qualificada que tem no Parlamento. Os próximos anos serão de uma oposição que não existia antes. Peña Nieto não tem mais a oportunidade de se reeleger e agora suas medidas serão contestadas. Se antes tínhamos acordos, agora teremos tensão e confrontação.

Novos partidos como o Morena, de Andrés Manuel López Obrador, podem ser uma renovação na política mexicana?

Não porque são parte do que os mexicanos chamam de chapulinismo: o ato de deixar um partido para concorrer por outro. Não enxergo movimentos nessas eleições, e sim esforços independentes. Pode ser que “El Bronco” vença e se transforme em uma liderança nacional, mas se isso acontecer, será mais do mesmo. É um experimento inicial e só isso já faz dessas eleições um momento histórico, mas é importante lembrar que a reforma política foi feita pelos grandes partidos, que se preocuparam em proteger seus interesses.

De que maneira o desencanto do eleitorado pode afetar as eleições de domingo?

Pesquisas recentes apontam que 90% dos cidadãos dizem não confiar nos políticos, mas isso não é uma novidade. Já acontece há muito tempo, e os mexicanos se acostumaram com a ideia de que, na política, uma tragédia sucederá outra. Após as eleições é possível que surjam nomes jovens com novas ideias, como aconteceu no caso de Pablo Iglesias, na Espanha.

A campanha tem sido marcada pela violência, especialmente no Sul. Crime e política se tornaram inseparáveis no México?

Não somente no Sul do país. Em todas as regiões do país há os chamados narcocandidatos. O sistema está podre e tem que mudar, mas não há liderança, e a população se costumou a um governo que é corrupto e ligado ao narcotráfico. (F.B.)