O globo, n. 29901, 19/06/2015. Economia, p. 20

Contrarreforma

MÍRIAM LEITÃO

Gasto será maior em relação ao modelo atual. A economista que criou a fórmula do fator previdenciário, Solange Vieira, disse que a nova forma de se aposentar, mesmo com a progressividade, representará mais gastos para a Previdência do que a regra atual, do fator, e pode provocar uma onda de cobrança na Justiça. Os ministros mostraram o envelhecimento da população e, ao mesmo tempo, defenderam o modelo que aumenta despesas.

Quem se aposentar hoje com a regra do 85/ 95 não terá a redução do valor do benefício que teria com o fator previdenciário e, segundo Solange, mesmo no final, quando for 90/ 100, em 2022, estará ganhando:

— A situação de hoje é equivalente ao que se terá em 2022. Mas, quando chega lá, a situação demográfica será outra, portanto, mais benéfica ficará. Nos meus embates com a Justiça na questão previdenciária, entendi que os juízes sempre transformam uma regra mais benéfica em regra universal. A tendência é, portanto, estender, a quem se aposentou pelo fator, as regras que vão vigorar a partir de agora.

Durante entrevista coletiva para explicação da MP, os ministros disseram que haverá uma economia de R$ 50 bilhões até 2026, em relação ao texto aprovado no Congresso, e uma diferença de 0,5% do PIB a partir de 2030. Quando perguntado sobre a comparação com as regras atuais, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse que não havia feito a conta porque não era importante. Os cálculos foram apenas na comparação com a proposta do Congresso. É espantoso que o governo não tenha feito esse cálculo, porque a Previdência hoje é deficitária e é preciso saber se o rombo ficará maior ou menor.

A pedido do blog, o economista Fábio Tafner, especialista no tema, foi aos números e chegou à conclusão que a MP é uma contrarreforma. A regra apresentada pelo governo hoje trará mais gastos do que o modelo que vigora desde 2000, elaborado por Solange Vieira. Segundo Tafner, este ano, haverá um crescimento na despesa de cerca de 0,5% em relação ao modelo atual. Essa diferença crescerá nos próximos anos, e a despesa será 7,8% maior, em 2030, e 30%, em 2050.

A fórmula criada pela economista Solange Vieira poupou um grande volume de recursos para os cofres públicos, mas sempre foi vista como prejudicial ao trabalhador, porque quem se aposentava mais cedo tinha uma redução dos proventos. A hipótese da qual se partia naquela época era que o brasileiro aumentaria sua expectativa de vida nos anos seguintes, tornando necessário incentivá- lo a ficar mais tempo na atividade.

A previsão estava correta. Ontem mesmo o ministro Carlos Gabas mostrou um gráfico provando que a expectativa de vida aumentou 4,6 anos de 1998 até agora. Também falou que a quantidade de pessoas em idade ativa, sobre o número de aposentados, era de 11,5 para um, no ano 2000, e já caiu para 9,3 em 2013. A previsão é que seja de apenas 2,3 em 2060. Ou seja, haverá apenas 2,3 pessoas contribuindo para cada um aposentado pelo INSS nessa data.

Difícil é entender o que levou o ministro a apresentar esses dados, mostrando a mudança demográfica brasileira, para, ao mesmo tempo, defender uma fórmula que aumenta o custo atual da Previdência. A MP pode ser melhor do que o texto aprovado pelo Congresso, mas, de qualquer maneira, aumentará mais o gasto com o INSS quando se compara com as regras atuais com o fator previdenciário.

— Toda regra de aposentadoria tem que ser ajustada conforme vai se alterando a situação demográfica, para que haja mais sustentabilidade financeira e atuarial. No mundo inteiro o que está sendo aprovado é o aumento da idade mínima. O Brasil é o único país que tem aposentadoria por tempo de contribuição. Em geral, é por idade. Acho que não há problema em se abandonar o fator previdenciário, mas teria que ser estabelecida a idade mínima — diz Solange.

Para um país que está em recessão e passando por uma crise de confiança, com ameaça de perda do grau de investimento, tudo o que não precisava era o Congresso e o governo implementarem uma contrarreforma na Previdência. O governo não quis fazer as contas do que se perde em relação à situação vigente, mas as agências de classificação de risco e os investidores farão e vão concluir que andamos mais uma casa para trás.

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Desvinculação de receitas é o novo desafio da equipe econômica

MARTHA BECK
CRISTIANE JUNGBLUT
 

Medida, que permite gerir 20% do orçamento federal, expira este ano

Líderes governistas afirmam que, qualquer que seja a proposta, ela precisa ser enviada logo ao Congresso

- BRASÍLIA- Com a fase de aprovação das medidas do ajuste fiscal prestes a ser encerrada no Congresso, a equipe econômica já começou a se preparar para mais uma batalha. Desta vez, o tema é a renovação da Desvinculação de Receitas da União ( DRU), mecanismo que permite ao governo gastar livremente 20% dos recursos do Orçamento Federal.

A DRU é um instrumento importante de política fiscal, pois dá ao governo margem de manobra para gerir os recursos públicos e realizar cortes destinados a assegurar o cumprimento da meta de superávit primário ( economia para o pagamento de juros da dívida pública).

CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

A DRU deixa de vigorar em dezembro deste ano e, para fazer com que continue valendo, a equipe econômica precisa encaminhar e conseguir aprovar no Congresso uma nova Proposta de Emenda Constitucional ( PEC) sobre o assunto. Os técnicos do governo estudam propor algumas alterações no formato atual da DRU. Segundo fontes da área econômica, uma possibilidade seria aumentar o percentual que está em vigor hoje. Outra ideia é mudar algumas vinculações para tornar o mecanismo mais eficiente. Os técnicos destacam que a desvinculação das contribuições sociais, por exemplo, não ajuda a União na área fiscal hoje.

Essas contribuições precisam ser destinadas à seguridade social ( saúde, assistência social e Previdência) e, como esse tipo de despesa cresceu muito nos últimos anos, não há sobra para desvincular. Na verdade, o quadro atual faz com que o Tesouro Nacional tenha que complementar com recursos próprios as despesas de seguridade.

— Existem vinculações que não são efetivas. Desvincular as contribuições sociais, por exemplo, não é efetivo, pois hoje o Tesouro já complementa com recursos próprios as despesas da seguridade — disse um técnico.

Na avaliação da equipe econômica, o governo teria uma margem de manobra maior se tivesse mais liberdade para desvincular outras receitas como o Imposto de Renda ( IR), por exemplo. Mas os técnicos reconhecem que isso tem poucas chances de acontecer, porque essa arrecadação é partilhada com estados e municípios.

Qualquer que seja a PEC, ela precisa ser encaminhada logo ao Congresso, pois a tramitação de emendas é mais demorada do que a de um projeto de lei ordinária. O senador Romero Jucá ( PMDB- RR), relator do orçamento de 2015, disse que já alertou a equipe sobre o risco de ficar sem a DRU.

Já o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral ( PT- MS), considera que o prazo é curto para o governo enviar a PEC. Ele tem conversado com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a respeito desse e de outros temas da agenda econômica.

— O governo tem que mandar essa PEC imediatamente. O prazo já está pequeno — disse Delcídio ao GLOBO.

Jucá e outros senadores avaliam que o governo se preocupou com as medidas imediatas do ajuste e esqueceu como é demorado aprovar uma emenda constitucional, em especial com tema econômico. Ele lembrou a demora na tramitação da PEC da CPMF, que levou à derrota do governo.

‘ MALDIÇÃO DA CPMF’

Nos bastidores, os líderes governistas temem que ocorra com a DRU a chamada “maldição da CPMF”. Em 2007, o governo demorou para encaminhar a PEC de prorrogação da CPMF e acabou derrotado. O senado derrubou a proposta em dezembro, pondo fim à contribuição, numa das maiores derrotas do governo Lula. Na ocasião, a PEC ficou meses na Câmara, quando o relator era o deputado Eduardo Cunha ( PMDB- RJ).

Jucá lembrou que a tramitação de uma PEC começa na Câmara, onde passa por uma comissão especial e ainda pela Comissão de Constituição e Justiça ( CCJ). Esse processo leva, em média, três meses. Depois, é votada duas vezes no plenário da Câmara, onde deve ser aprovada por três quintos dos votos ou 308 dos 513 deputados. Segue então para o Senado, passa pela CCJ e por duas votações no plenário e também precisa de três quintos dos votos, ou 49 dos 81 senadores.