O globo, n. 29885, 03/06/2015. País, p. 8

Maioridade: Dilma pede campanha contra redução

Presidente orienta Conanda a mobilizar a sociedade; Temer propõe transferir infratores para presídios aos 18 anos

- BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff orientou ontem o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente ( Conanda) a mobilizar a sociedade civil e os parlamentares para tentar impedir a aprovação do projeto que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos.

JORGE WILLIAM/ 08- 04- 2015 Debate. Pepe Vargas, que é contra realizar referendo

Ela participou de reunião com o ministro Pepe Vargas ( Direitos Humanos), a presidente do Conanda, Angélica Goulart, e o coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Carlos Nicodemus, na qual discutiu a proposta que tramita no Congresso, e também os 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente ( ECA).

Após o encontro, Pepe afirmou que o governo vai se esforçar para mostrar aos cidadãos que a mudança não irá diminuir a violência:

— Essa não é uma questão do governo, é da sociedade brasileira. Nós confiamos que quando o debate for colocado, quando tiver mais luz sobre esse debate, vai ficar claro que a redução da maioridade penal, em vez de reduzir a violência, irá aumentá- la — disse Pepe.

Pepe voltou a afirmar que é contra a realização de referendo sobre o tema, como sugeriu o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ):

— Eu acredito que determinadas questões não devem ser submetidas a referendo.

O vice- presidente Michel Temer ( PMDB) defendeu que o governo adote uma posição intermediária no debate sobre a redução da maioridade. A proposta do vice, que teria sido bem recebida pelo governo, é que o Executivo defenda dois pontos que podem ter boa receptividade no Congresso: que menores detidos sejam transferidos para presídios a partir dos 18 anos de idade, caso a pena imposta ultrapasse esse limite de idade; e que seja aumentada a pena dos aliciadores. Até agora, o governo vinha defendendo apenas o aumento da pena aos que aliciem menores.

O vice pretende conversar com Cunha para tentar convencê- lo a desistir da ideia de referendo. A proposta de Temer de transferir os jovens para presídios aos 18 anos aparece em projetos apresentados em 1999 pelo ex- deputado Enio Bacci ( PDT- RS), e em 2000 pelo deputado Alberto Fraga ( DEM- DF). O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin ( PSDB), também é a favor dessa alternativa. Alckmin ainda defendeu outras mudanças no ECA. Hoje, o interno que completa 18 anos e participa de rebelião com destruição de patrimônio ou com reféns permanece no mesmo estabelecimento. Alckmin quer que ele passe para outra unidade.

A presidente do Conanda demonstrou preocupação com a possibilidade de a proposta ser votada ainda este mês na Câmara:

— Nós fomos completamente surpreendidos com a possibilidade de apresentação do relatório agora no dia 10. Estamos em estado de assembleia para ver como vamos fazer frente a essa mudança nos planos — disse Angélica.

O relator da proposta de emenda constitucional ( PEC) que reduz a maioridade, Laerte Bessa ( PRDF), disse ontem que apresentará seu relatório na próxima quarta- feira. A partir daí, começam a discussão e a votação. Segundo ele, o relatório vai trazer a previsão de referendo. O PT e outros aliados, que são minoria na comissão especial, pretendem prorrogar ao máximo a votação. Querem que a presidência da comissão ouça mais pessoas e visite instituições nos estados.

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Pavor dos menores extremamente violentos

Keiko Ota

Eu, como deputada federal, defendo até o último dia do meu mandato a redução da maioridade penal em nosso país de 18 para 16 anos de idade. Penso que esta medida vai ao encontro do pensamento de 87% da população do país que, declaradamente, apoia a redução da maioridade penal. Estes dados não estão aí à toa. É o reflexo do medo e do pavor desses menores extremamente violentos, que cometem crimes com requintes de crueldade e não são punidos.

A redução deve atingir especialmente os jovens que cometem crimes hediondos e continuam livres para continuar matando pelo país afora. Para os demais casos, que não envolvam crimes desta natureza, creio que medidas socioeducativas sejam suficientes para que eles voltem ao seio da sociedade.

Temos que dar urgentemente uma resposta às milhares de mães que perderam seus filhos e que não veem qualquer possibilidade desta situação se reverter. Por isso eu, como deputada federal e defensora de todas essas mães vítimas da violência em nosso país, tenho o dever de lutar por leis mais justas, uma vez que a maioria desses jovens pouco tempo depois de estar livre, volta a matar.

Porém, tenho consciência que somente a redução da maioridade penal não funciona. É preciso que o Estado ofereça Educação de qualidade e oportunidades de trabalho para que estes jovens voltem a sonhar com um futuro melhor.

Eu também sou vítima da violência. Perdi meu filho, Ives Ota, brutalmente assassinado aos 8 anos de idade. Porém, por onde ando, promovo uma cultura de paz, contra o ódio e a favor dos direitos humanos para todos. Depois de cumprir a pena, desejo que os criminosos que tiraram a vida do meu filho sigam as vidas deles em paz e que aprendam com seus erros.

Por essa razão, decidi lutar pela criação do Dia Nacional do Perdão. A data, se aprovada pelo Congresso Nacional, será comemorada dia 30 de agosto, dia em que meu filho foi encontrado já sem vida. Este dia serviria para vermos pais perdoando filhos, filhos perdoando pais, alunos, amigos, parentes se perdoando e vivendo uma vida próspera.

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Punição mais rigorosa para
a múltipla reincidência

Aloysio Nunes Ferreira

No último dia 31, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), afirmou que vai colocar na pauta de votação da Casa, ainda neste mês, a proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. A decisão do deputado traz novamente à tona um debate necessário: a estratégia de punição para delitos cometidos por jovens na idade entre 16 e 18 anos deve se restringir apenas às medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente ( ECA)?

Esse caso reforça a necessidade de uma legislação atenta ao cenário atual. Sou autor da PEC 33/ 2012, que permite a redução da maioridade em casos específicos. Desde fevereiro de 2014, a proposta está pronta para deliberação em plenário do Senado e aguarda para ser colocada na ordem do dia.

Nos termos da minha proposta, é mantida a responsabilidade penal aos 18 anos como regra geral. Em casos excepcionais, entretanto, torna o adolescente maior de 16 anos passível de ser julgado como adulto, sendo- lhe aplicada a lei penal em vez da ECA.

São os casos para os quais a própria Constituição reclama uma punição particularmente rigorosa: os crimes chamados hediondos. E também quando o adolescente apresenta um histórico de múltipla reincidência em crimes de violência contra a pessoa.

Estando diante de fatos como esses, o promotor que atua na apuração do ato infracional irá requerer ao juiz do feito, de vara especializada, a instauração de um procedimento prévio ao julgamento. O objetivo é apurar a capacidade do adolescente infrator de compreender o caráter ilícito do seu ato. Caso a condução desse procedimento gere uma resposta positiva, o juiz aplica a lei penal, e, havendo condenação à pena privativa de liberdade, ela será cumprida em estabelecimento especializado.

Por que 16 anos? Porque o Direito brasileiro já reconhece que o adolescente tem condições de assumir responsabilidades jurídicas muito relevantes: se deseja votar, tem o testemunho válido em juízo e, possuindo renda própria, pode emancipar- se sem o consentimento dos pais.

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Adolescentes serão jogados em masmorras medievais

Ilona Azabó de Carvalho

Acrise de segurança que vivemos não começou agora. É fruto do histórico descaso político com que o tema é tratado: fórmulas simplistas aliadas à soluções populistas, que se preocupam mais em responder a um desejo de vingança do que em resolver o problema. A discussão sobre a redução da maioridade penal não é diferente.

Mas foquemos na pergunta que preocupa a sociedade: reduzir a maioridade penal irá contribuir para a redução de violência e criminalidade?

A resposta é não. Levar jovens para dentro de prisões superlotadas e desumanas, ao invés de reduzir, alimentará ainda mais o ciclo vicioso da violência.

O Brasil já é o terceiro maior encarcerador do mundo, com déficit de vagas no sistema prisional que ultrapassa a marca dos 226 mil, e mais de 200 mil mandados de prisão em aberto. A escalada de prisões na última década não resultou em diminuição de criminalidade. Prendemos muito e prendemos mal.

Os índices de reincidência do sistema prisional adulto chegam a 70%, contra 20% do sistema socioeducativo para adolescentes de 12 a 18 anos. Nos dois sistemas de restrição de liberdade, o adulto e o juvenil, estamos longe de ter programas efetivos de reinserção social.

Além disso, prender é muito mais caro que educar. São gastos, em média, R$ 21 mil por ano com cada preso nos sistemas estaduais. Enquanto um aluno do ensino médio custa nove vezes menos, cerca de R$ 2,3 mil por ano.

Retirar adolescentes do sistema de medidas socioeducativas, que já prevê internação por até três anos, e passá- los para o penitenciário é perder a chance de impactar positivamente na vida desses jovens.

Aprovada a redução, adolescentes serão jogados em masmorras medievais, de onde é difícil um ser humano sair melhor do que entrou. E lembremse: esses jovens voltarão à sociedade. A chave para diminuir a criminalidade é investir na melhoria das instituições de Segurança pública, e prisionais, e em políticas eficazes de prevenção da violência e de reinserção de egressos.

A redução da maioridade penal é cara, ineficaz e só reduz as chances de recuperação.