Empréstimo inédito na Petrobras

2 jun 2015

RAMONA ORDOÑEZ, RENNAN SETTI E FLÁVIA BARBOSA 

Na 1 ª captação externa após Lava- Jato, estatal obtém US$ 2,5 bi em título de longo prazo e juro alto

Petrolífera surpreende e emite títulos de 100 anos, na 1 ª captação com esse prazo já feita por empresa brasileira. Mas pagará juros altos. - RIO E WASHINGTON- A Petrobras surpreendeu investidores ontem ao emitir, em Nova York, US$ 2,5 bilhões em títulos de dívida denominados em dólar, sua primeira captação no mercado internacional desde a eclosão do escândalo da Operação Lava- Jato — a última havia ocorrido em março do ano passado. Os bonds da subsidiária Petrobras Global Finance com vencimento em cem anos, período incomum para esses papéis, pagarão 8,45% de juros anuais aos aplicadores. É a primeira vez que uma empresa brasileira faz uma captação com esse prazo. Analistas destacam que o empréstimo obtido ontem pela Petrobras pode abrir as portas para outras captações por empresas brasileiras. Até então, o mercado estava praticamente fechado para o Brasil — a emissão de ontem da petrolífera supera os US$ 2 bilhões em captações externas até agora realizadas por empresas brasileiras este ano. Porém, essa abertura teve um preço. A taxa paga pela estatal ontem é a maior desde 2003 e foi considerada tão vantajosa para os investidores que atraiu mais de US$ 10 bilhões em interessados — uma fonte chegou a mencionar o valor de R$ 13 bilhões —, embora a operação tenha sido fechada em US$ 2,5 bilhões.

Com as outras operações financeiras feitas desde janeiro pela petrolífera, como empréstimos e acordos de cooperação, ela já levantou US$ 18,5 bilhões este ano. A companhia também ganhou aval em maio para emitir entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões em debêntures no mercado doméstico, operação que ainda não realizou.

— Foi uma grande surpresa. O mercado internacional estava fechado para empresas brasileiras há bastante tempo por conta do problema da Petrobras. Depois que ela finalmente publicou seu balanço de 2014, no fim de abril, esperava- se que ele voltasse a se abrir. O que ninguém esperava era que seria a própria Petrobras uma das primeiras a emitir — observou Marcelo Barbosa Lima, gerente de renda fixa da INTL FCStone, baseado em Miami. — Apostávamos mais que viria primeiro uma emissão soberana ou de um banco. Agora, provavelmente, veremos o mercado se abrir a novas empresas.

LEVY: ‘ PETROBRAS VAI SAIR MAIS FORTE’

Segundo Lima, a oferta de títulos da Petrobras começou com juros propostos de 8,85%, mas o rendimento baixou para 8,45% devido à grande procura dos aplicadores, na maioria, grandes investidores institucionais estrangeiros. Mesmo assim, os juros foram considerados elevados. Até então, a maior taxa registrada pela estatal em uma emissão fora de 8,37%, em 2003, no início do governo Lula.

— Uma taxa de 8,45% é elevada. Mas a Petrobras pagou caro para poder reabrir o mercado — avaliou Carlos Gribel, chefe de renda fixa da Andbanc Brokerage nos Estados Unidos. — De fato, eu não esperava que ela pudesse ter essa boa recepção. Mas continuo achando que ela deveria ter aguardado mais até ter uma precificação melhor no mercado secundário, o que reduziria o custo.

Apesar da percepção de analistas, uma fonte próxima à estatal que acompanhou de perto a operação julgou a taxa “espetacular”. Segundo essa fonte, para chegar ao número a Petrobras usou como base seu papel de prazo mais longo até então ( 30 anos), ao qual foi adicionado um custo para esse papel por cem anos.

— A taxa dos papéis de 30 anos é menor que a do de cem anos. Mas, ao se transformar o que a Petrobras paga em 30 anos em cem, vê- se que a operação é mais barata. A demanda foi espetacular, em meia hora já tinha oferta de US$ 1 bilhão — disse essa fonte.

O prazo de um século para o vencimento também causou estranhamento. No ano passado, entre empresas, apenas a distribuidora de energia francesa EDF havia emitido títulos de cem anos. Também têm esse papel as universidades americanas MIT e Cleveland Clinic Foundation. Entre países, o México é o único a já haver emitido títulos soberanos de cem anos no mercado internacional: em 2010, 2014 e este ano.

Em Washington, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, comemorou a captação. Segundo ele, que participou de seminário do Fundo Monetário Internacional ( FMI) sobre a América Latina, o resultado demonstra que a estratégia da companhia após ser varrida pela Operação Lava- Jato está correta:

— Parece que ( a captação) teve repercussão superpositiva. Demonstra exatamente que a resposta da Petrobras está sendo exitosa. Poucas companhias do mundo têm estas duas coisas: grandes reservas na porta de casa e grande mercado doméstico. Isso a deixa fundamentalmente forte.

Segundo ele, a estatal trabalha para melhorar a governança, com novos gestores, e está sendo bem- sucedida em superar “as questões perturbadoras” surgidas na investigação:

— É uma das poucas companhias do mundo que teve de passar pelo que passou. A Petrobras vai sair mais forte do que entrou. A solução está em curso.

A operação foi coordenada pelos bancos Deutsche Bank e JP Morgan. A agência Moody’s atribuiu rating “Ba2” aos títulos da Petrobras, a dois níveis do piso do grau de investimento e igual à nota de crédito da própria Petrobras. Em nota, a Moody’s afirmou que a classificação “reflete uma alta alavancagem financeira, desafios operacionais e governança corporativa frágil”. Em contrapartida, destacou o tamanho das reservas da estatal, sua alta participação de mercado no Brasil e as descobertas do pré- sal.

— Independentemente do valor, a Petrobras deu um sinal positivo, mostrando que o mercado segue aberto para ela. É claro que há muito trabalho a fazer, tanto na empresa como no lado macro do Brasil. Não dá para dizer que está tudo resolvido — disse Rogério Freitas, sócio na Teórica Investimentos.

Ontem, a BR Distribuidora fechou financiamento para exportação com o Bradesco, no valor de R$ 3 bilhões e prazo de cinco anos.

A Petrobras já obteve este ano US$ 18,5 bilhões nos mercados, como o empréstimo junto ao China Development Bank. Desse total, US$ 7,5 bilhões são em financiamentos e US$ 8 bilhões, em acordos futuros de cooperação e leasing de equipamentos. Outros US$ 3 bilhões ( R$ 9,5 bilhões) foram captados no mercado interno.

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PETROLÍFERA É SUSPENSA DE INSTITUTO DE GOVERNANÇA

2 jun 2015

Rennan Setti

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa ( IBGC) suspendeu a Petrobras do seu quadro de sócios por 12 meses, informou ontem a petrolífera. O IBGC, uma organização sem fins lucrativos e referência em práticas de governança, justificou sua decisão dizendo que “ainda não se tem certeza de que serão efetivas e sustentáveis” as medidas tomadas pela Petrobras após a Operação Lava- Jato para aumentar sua governança.

Em carta à empresa, o IBGC elogiou a criação da diretoria de Governança, Riscos e Conformidade e os esforços para apurar as denúncias da Lava- Jato, além do novo Conselho de Administração. Mas ressaltou que “tais medidas (...) foram apenas recentemente implantadas e ainda não se tem certeza de que serão efetivas e sustentáveis no tempo”. E afirmou que ainda não há evidências de “mecanismos robustos e efetivos para monitorar o padrão de conduta ético” da Petrobras.

Em comunicado ao mercado, a estatal afirmou que “continua envidando seus melhores esforços” para aprimorar seu modelo de governança e gestão.”