18 jun 2015
VINICIUS SASSINE E EDUARDO BRESCIANI
- BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff terá de apresentar, em 30 dias, explicações ao Tribunal de Contas da União ( TCU) sobre 13 indícios de irregularidades nas contas de 2014 de seu governo. É a primeira vez em que um presidente da República é convocado pelo tribunal para dar justificativas para supostas irregularidades, que podem levar à rejeição das contas.
GIVALDO BARBOSAManobras fiscais. Nardes fala sobre seu parecer sobre as contas de DilmaDas 13 irregularidades listadas no acórdão, três se referem a “pedaladas fiscais”. A manobra fiscal envolveu R$ 40 bilhões entre 2009 e 2014 — R$ 7 bilhões somente no ano passado, segundo o TCU. As explicações devem ser dadas por Dilma, por escrito, sem intermediários, segundo o ministro Augusto Nardes, relator das contas do ano passado. Dilma corre o risco de ver aprovado em plenário um parecer pela rejeição da contabilidade do governo, o que não ocorre desde 1937, quando a prestação de Getulio Vargas foi reprovada pelo TCU.
A proposta do relator foi chamar Dilma e comunicar ao Congresso a impossibilidade de apreciar as contas da presidente, diante do alto número de indícios de irregularidades. O voto foi aprovado por unanimidade pelos ministros. A prática das “pedaladas”, em que o Tesouro represa repasses a bancos oficiais para melhorar artificialmente as contas, terá de ser justificada.
TENDÊNCIA DE REJEIÇÃO
Ministros inclinados a rejeitar as contas interpretam que o pedido de explicações a Dilma não deve alterar a tendência de rejeição das contas, e que o hiato até a votação deixará o governo exposto. Já os ministros mais alinhados ao governo defendiam o direito de defesa da presidente. Foi uma forma de ganhar tempo e evitar a rejeição das contas já na sessão de ontem.
O acórdão aprovado cita jurisprudência do Supremo em que foi assegurado direito de defesa ao então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, diante da intenção do Tribunal de Contas estadual de rejeitar suas contas.
O relator leu seu parecer com diversos indícios de irregularidades e com a decisão de não dar veredicto diante desse cenário. Após a sessão, Nardes deixou em aberto o que fará a partir das respostas da presidente: se o parecer será pela aprovação com ressalvas ou pela rejeição.
— Provavelmente ( a explicação) será por escrito, assinado por ela. As ações que cabem diretamente a ela são as de contingenciamento e as próprias pedaladas. As contas são dela. Tudo foi prestado por ela. Por isso, é a presidenta que precisa ser ouvida — afirmou Nardes.
Duas das irregularidades apontadas dizem respeito a um decreto editado por Dilma em 28 de novembro de 2014 que alterou a programação orçamentária do governo. O decreto desbloqueou R$ 10 bilhões para os ministérios gastarem. A liberação, porém, estava condicionada à aprovação pelo Congresso de projeto de lei que alterava a meta fiscal e, na prática, permitiu ao governo registrar déficit primário no ano passado.
Após a sessão, o advogado- geral da União, Luís Inácio Adams, afirmou que o questionamento do TCU é ao governo, e não a Dilma. Para ele, a AGU poderá responder em nome do governo.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, disse que o Congresso retomará o julgamento das contas presidenciais. Segundo Cunha, ele e o presidente do Senado, Renan Calheiros, conversaram sobre a necessidade de o Parlamento cumprir seu papel e desengavetar o julgamento de contas que estão paradas desde o governo Fernando Collor:
— Temos que começar a votar as contas aqui no Congresso. O papel do TCU é auxiliar, não é tribunal de decisão, mas de assessoramento do Legislativo. Já devíamos estar fazendo esse papel de apreciar as contas.
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18 jun 2015
RICARDO NOBLAT
Poucas horas antes de se tornar pública a decisão do TCU sobre as contas do governo de 2014, perguntei a um dos seus ministros:
— Existe a possibilidade de as contas serem simplesmente rejeitadas?
Assustado, o ministro respondeu antes mesmo da pergunta ter sido completada:
— É claro que não. Isso seria igual a depor a presidente.
O que aconteceu depois foi manobra para dar ao governo uma segunda chance de se explicar e, de quebra, salvar a face do tribunal, que deixará a impressão de ter sido rigoroso.
Por unanimidade, os ministros concederam ao governo novo prazo de 30 dias para que justifique as irregularidades em suas contas detectadas por Augusto Nardes, relator do caso.
Só que, desta vez, a justificativa terá de ser assinada pela presidente da República, não mais por órgãos do governo. Nunca antes na História de mais de 80 anos do TCU, um presidente da República foi convocado a dar explicações pessoais.
Nunca antes na História do TCU e na História do Congresso, as contas de um presidente foram rejeitadas. Se tivesse dependido unicamente do voto de Nardes, as contas de 2014 teriam sido rejeitadas, sim.
Ocorre que o governo conta com maioria de votos entre os oito ministros do TCU. E Nardes perderia a parada. O TCU é um órgão de assessoria do Congresso. Seus ministros são indicados pelo Congresso e pelo governo. O que ele decide depende do Congresso para, de fato, valer.
Em seu voto, Nardes afirmou que irregularidades cometidas no ano passado em relação aos gastos públicos impedem a aprovação das contas de Dilma. Ao todo, ele listou 13 irregularidades e fez 25 recomendações.
— As contas não estão em condições de serem apreciadas em razão dos indícios de irregularidades. Não foram fielmente observados princípios legais e normas constitucionais — disse.
Entre as irregularidades, estão as chamadas “pedaladas fiscais”, que permitiram ao governo segurar despesas com ajuda dos bancos públicos que pagam benefícios como Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida.
— É preciso dar um basta nisso — decretou Nardes, apontando que, em 2014, R$ 37 bilhões dessas dívidas foram escondidas. “A Lei de Responsabilidade Fiscal não pode ser jogada pela janela.” No total, as dívidas escondidas pelo governo em 2014 com bancos e fornecedores chegaram a R$ 256 bilhões.
2014 foi o ano da reeleição de Dilma. O governo gastou muito mais do que estava autorizado a gastar. Em qualquer lugar, isso configura um escândalo. Afinal, a eleição de 2014 não foi disputada pelos candidatos em igualdade de condições, como manda a lei.
Atos pessoais de Dilma, como a emissão de decretos aumentando despesas sem autorização do Congresso, também foram considerados ilegais por Nardes.
Assessores de Dilma confidenciam que, ao fim e ao cabo, quem pagará pelos erros nas contas do governo não será a presidente, mas o ex- ministro Guido Mantega e o ex- secretário do Tesouro Arno Augustin.
Mas reconhecem que a decisão do TCU anunciada hoje causará um sério desgaste na imagem do governo e de Dilma, inclusive lá fora. Investidores estrangeiros se perguntarão: como confiar em um país cujos números oficiais são manipulados?