Valor econômico, v. 16, n. 3785, 26/06/2015. Política, p. A5

 

PT defende reorientação de política econômica

 

Por Cristiane Agostine | De São Paulo

 

Pedro Ladeira/FolhapressRui Falcão: PT assume tom mais crítico ao governo depois de bronca de Lula

O PT mudou o discurso em relação ao governo federal e pediu a reorientação da política econômica da presidente Dilma Rousseff, depois de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticar publicamente o partido. Em resolução política divulgada ontem, a legenda defendeu a "imediata reversão" da elevação da taxa de juros e a redução da meta do superávit fiscal.

Há menos de duas semanas, no 5º Congresso petista, o PT evitou críticas à política econômica e retirou do documento final propostas que pudessem ser vistas como uma afronta ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e à presidente. Durante o evento, o comando do partido vetou o verbo "alterar" a política econômica e o substituiu por "conduzir" para retomar o crescimento econômico.

A alteração na postura do partido foi combinada com o ex-presidente Lula, em reunião na quarta-feira com o presidente nacional do PT, Rui Falcão. Ontem, depois de reunião da Executiva nacional do PT, em São Paulo, o presidente da sigla anunciou também medidas para democratizar as decisões partidárias, reaproximar a sigla de sua base social e iniciar a criação de uma frente popular, com vistas às próximas eleições. Falcão afirmou que criará um conselho ligado à presidência do PT com a participação de movimentos sociais, integrantes de partidos como PSOL, PSTU, PSB e PDT, empresários e de petistas que não integram o comando partidário. O grupo, que deve ser composto por entre 15 e 20 pessoas, deverá se reunir em um intervalo entre 30 e 40 dias para "trocar ideias". O dirigente não descartou a participação do ex-ministro Gilberto Carvalho, por exemplo, um dos petistas mais próximos ao ex-presidente Lula. O presidente do PT citou também a possível participação do ex-presidente do PSB Roberto Amaral.

Falcão afirmou que o partido criará também grupos de trabalho para ampliar os debates dentro da legenda com petistas que não estão no comando. A decisão foi anunciada quase duas semanas depois do fim do congresso petistas, que não havia sinalizado mudanças na condução do partido nem em seu financiamento.

A resolução política, com mudanças na postura do PT, foi divulgada dias depois de Lula ter dito que o partido está velho e abaixo do "volume morto", criticado os petistas por só pensarem em cargos e ter defendido uma revolução interna na legenda.

As recentes críticas públicas expressam o aumento da ansiedade do ex-presidente em relação à falta de respostas do PT e de Dilma. Lula tem se mostrado impaciente com a demora da presidente em reagir às crises política e econômica e está angustiado com o aumento do desemprego. Segundo amigos do petista, o ex-presidente subiu o tom das reclamações e resolveu expô-las para dar um "chacoalhão" em Dilma.

Lula tem demonstrado irritação com o fato de suas recomendações ao partido e à presidente não serem seguidas nem surtirem efeito, diz um frequentador do Instituto Lula. O ex-presidente está cansado dos reiterados "tropeços" do governo, de acordo com esse petista. "Essas reclamações são a expressão da ansiedade e angústia que ele tem sentido. Tudo o que ele fala ou tenta interferir no governo não tem resultado. Lula está impaciente com a demora das reações do governo e com as respostas que são dadas", disse um amigo do petista. "Há tempos ele falava isso nas reuniões privadas e agora, ao expor, é como se falasse: 'pelo amor de Deus, vamos mexer nos problemas que estão acontecendo'".

Segundo um amigo de Lula, o ex-presidente tem dito que o ajuste econômico não pode ser o único tema do governo e que é preciso "sacudir" a cultura do partido, já que o congresso petista "não produziu nada" para mudar os vícios e problemas.

O ex-presidente está preocupado com o recrudescimento da crise econômica, em especial com o aumento do desemprego, que tem impacto direto na vida dos trabalhadores - e atinge em cheio o legado de Lula, a imagem do PT e do governo. Lula tem dito que a crise é muito grave e que não tem sido combatida da maneira adequada. Dentro do Instituto Lula, a leitura sobre a conjuntura é pessimista e o governo deve passar por um longo processo de "agonia".

Petistas que frequentam o Instituto Lula afirmaram que não há como o ex-presidente dissociar sua imagem da gestão de Dilma e lembram que o ex-presidente foi o primeiro a dizer isso. Em discursos a petistas, Lula tem afirmado que o fracasso da gestão de sua sucessora é fracasso também dele e do partido.

 

PMDB nega saída de coordenação do governo

 

Por Raymundo Costa e Andrea Jubé | De Brasília

O ministro Eliseu Padilha (Aviação Civil) disse ao Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor, que não há hipótese de o PMDB devolver a coordenação política do governo à presidente Dilma Rousseff agora, após a aprovação das medidas do ajuste fiscal na Câmara, como defendem setores do partido.

"Seria uma deslealdade que não cabe na biografia do Michel [Temer]", disse o ministro, referindo-se ao vice-presidente da República, responsável pela articulação política do governo, a pedido de Dilma.

O ministro, no entanto, deixou claro que a permanência do PMDB na coordenação política não deve ser longa. Ele foi convidado por Michel Temer para ajudar por alguns meses. "Estamos entrando no terceiro mês", advertiu.

Nesse período, o Padilha passou a despachar na Secretaria de Relações Institucionais (SRI). O PMDB ocupou integralmente a secretaria, ao preencher tambem preencher também os cargos encarregados da articulação parlamentar e da relação com Estados e municípios.

Padilha acha que o PMDB somente deve considerar "missão cumprida" sua passagem pela articulação política depois de equacionar a questão dos cargos entre os partidos da base aliada e da liberação das emendas parlamentares. "Depois anda sozinho".

Fontes do PMDB, porém, disseram que será muito difícil fechar essa conta. A renovação na Câmara foi de quase 50% e todos os que estão na base aliada querem participar da partilha do bolo. O problema é que os que já detêm os cargos não querem sair.

O receio de setores do PMDB é que a proximidade do vice Michel Temer com a presidente Dilma acabe por desgastar o partido nas próximas eleições.

Na presença da cúpula do PMDB, ontem, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, elogiou a atuação do vice-presidente Michel Temer no comando da articulação política do governo. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), acrescentou que a participação do partido na coalizão governista "precisa ser qualificada".

Mercadante afirmou que "o trabalho do vice-presidente tem sido essencial à agenda politica do país". O ministro lembrou que o governo está concluindo a votação do ajuste fiscal, e disse que o resultado até agora "foi muito bom, foram aprovadas todas as medidas mais importantes", destacou.

O elogio foi feito na presença da cúpula do PMDB - de Renan Calheiros e do vice-presidente da Casa, Romero Jucá (PMDB-RR) - num momento em que o principal aliado do governo ensaia movimentos para se descolar da presidente Dilma Rousseff.

Renan disse que a participação do PMDB precisa ser "qualificada" e "propositiva". Segundo Renan, o "PMDB pode até ser minoritário na coalizão, as tem a obrigação, como maior partido do parlamento, de ser propositivo". Ele acrescentou que fez essa ponderação hoje à presidente Dilma.

 

Mudança de discurso mostra disposição de salvar legenda

 

Por Raymundo Costa | De Brasília

Entre salvar o PT e salvar Dilma, a decisão do PT é salvar o PT. A convicção é de que o governo está perdido e é preciso salvar o legado, a narrativa do Partido dos Trabalhadores. O que dificulta o discurso do partido é querer se salvar e manter a aparência de que não permitirá "uma campanha de cerco e aniquilamento da presidente Dilma".

Seus dirigentes prometem ir às ruas para defender o mandato de Dilma. Mas a cada manifestação como a resolução que a Executiva Nacional divulgou ontem, pedindo mudanças imediatas nas metas de inflação e do superávit, o PT só alimenta a convicção dos aliados de que Dilma foi abandonada e entregue à própria sorte. Pela sigla e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma coisa não bate com a outra.

Segundo um ministro do PMDB, o ex-presidente Lula "enxerga na curva". Entendeu que precisava descolar para se preservar. Foram as críticas de Lula ao PT e à presidente que aceleraram o processo de desgaste de Dilma e recolocaram a palavra impeachment na ordem do dia. A presidente está isolada e - segundo os mais maliciosos - hoje tem o apoio apenas de Aloizio Mercadante (Casa Civil) e José Eduardo Cardozo (Justiça).

A menção aos dois não é obra do acaso. Após mais de ano de sucessivas fases Lava-Jato, o juiz Sergio Mouro decididamente estressou a classe política e Lula, particularmente. Não é à toa que a escalada de críticas do ex-presidente começou com a convocação de Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, para depor na CPI da Petrobras, e atingiu o clímax com a prisão dos donos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez.

Atribui-se aos dois a distância que o governo vem mantendo das decisões de Moro, quando Lula - e não apenas ele - preferiria que o governo condenasse expressamente o que se considera excessos da Justiça, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal (vinculada a Cardozo) cometidos no âmbito da Operação Lava-Jato. O argumento é que ninguém aguenta mais uma fase da Lava-Jato. E que a Petrobras levará décadas para se recuperar e a Odebrecht não ganha licitação nem na África.

No mínimo, o que Lula quer é influir mais no governo, coisa que já antecipava desde antes das eleições. Alguns lulistas devem voltar ao governo, na área de comunicação da Presidência. Mas Dilma, segundo ministros, ainda tem cartas na manga. Se está ruim para a presidente, está pior para a classe política que quer tirá-la do cargo. Todas as forças estariam fracas para uma prevalecer sobre a outra. A menos que PT e PMDB se juntem. O PMDB também está dividido. Tirar Dilma significaria a posse de Michel Temer, que não é bem vista pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, onde as tertúlias agora contam também com a presença de raposas como José Sarney.