Maioridade, o embate da vez

1 jun 2015

ANDRÉ DE SOUZA, ISABEL BRAGA E EVANDRO ÉBOLI 

( Colaborou Chico Otavio)

Cunha sugere referendo em proposta de emenda que reduz idade para punição de menores

“Vou sugerir ao relator que se faça um referendo sobre a redução da maioridade para que a gente faça um grande debate” Eduardo Cunha ( PMDB- RJ)
Presidente da Câmara, no Twitter.

 - BRASÍLIA E RIO- Menos de 48 horas depois de a presidente Dilma Rousseff voltar a criticar a redução da maioridade penal, em um evento em São Paulo, o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), anunciou ontem, em sua conta no Twitter, que vai colocar na pauta de votação da Câmara, ainda este mês, a proposta de emenda constitucional. Cunha também propôs que a mudança, caso aprovada, seja implementada apenas após um referendo a ser feito junto com as eleições municipais de 2016. A consulta popular deve ser incluída no texto do projeto.

Com muitas críticas ao PT, que é contra a redução da idade para punição dos crimes de menores infratores de 18 para 16 anos, Cunha criticou ainda a tentativa de anular a votação que aprovou a doação de empresas a partidos na campanha eleitoral. Segundo Cunha, as críticas à forma como ele conduziu o processo não passam de “polêmica e choro”.

“O PT não quer a redução da maioridade e acha que todos têm de concordar com eles”, escreveu o deputado, acrescentando: “Tenho absoluta convicção de que a maioria da população é favorável. A Câmara não vai ficar refém dos que não querem que nada que os contrarie seja votado”.

O governo criticou a posição de Cunha. O ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Pepe Vargas, classificou como um equívoco do deputado atribuir essa causa como exclusividade do PT:

— É um equívoco do presidente ( Cunha) atribuir essa posição a um grupo do PT. Não me parece que o ex- presidente Fernando Henrique ( PSDB) seja de algum grupo do PT. Não me parece que os bispos da CNBB sejam parte do PT. Essa é uma bandeira que ultrapassa partidos. Acreditamos ser muito mais eficiente ampliar a pena dos adultos que têm utilizado adolescentes para atuarem nos crimes. Esses jovens que cometeram infrações sairão dos presídios aliciados pelas facções — disse Pepe Vargas ao GLOBO.

FH, em sua última manifestação sobre o tema, em Comandatuba ( BA), no mês de abril, disse que, com a redução da maioridade para 16 anos, “vão começar a usar criança de 15 ( no crime), o bandido vai pegar criança de 15 anos para dizer que não é culpado. Não resolve”.

Pepe Vargas lembrou ainda que a presidente Dilma tem se manifestado de forma contrária à redução. Ele também se opõe à ideia de Cunha de ouvir a população num referendo.

— Não acho que seja matéria para ser submetida a um referendo. Se a tortura, por exemplo, for levada à população e eventualmente a posição majoritária for a favor, não significa que devemos adotá- la no Brasil — disse Pepe.

RELATOR SE DIZ A FAVOR DE REFERENDO

Para fazer frente à reação contrária do governo e dos partidos de esquerda, a estratégia de Cunha e dos aliados é incluir no texto da proposta de emenda a realização de referendo, a ser feito após sua aprovação pelo Congresso Nacional, junto com as eleições de 2016. Ou seja, a redução da maioridade só se concretizaria se a sociedade aprovasse. A proposta, endossada por Cunha, foi feita pelo líder do DEM, Mendonça Filho ( PE).

— Essa votação vai envolver um embate político duro e severo. O barulho que a esquerda faz sobre esse tema é desproporcional. Podem tentar um terceiro turno da decisão do Congresso ( recorrendo à Justiça). Então, bota logo o povo para decidir. A maior pressão para reduzir a idade vem da própria opinião pública — disse Mendonça.

Para o líder do DEM, o relator da proposta na comissão especial, Laerte Bessa ( PR- DF), pode incluir a realização do referendo na emenda. Bessa é a favor da redução da maioridade penal, mas evita adiantar o teor de seu relatório, que será apresentado no próximo dia 8. Bessa disse ontem aprovar a ideia de um referendo.

— Excelente ideia, porque referendo é o povo avalizando. Isso é o uso da democracia e do direito do povo de se manifestar — afirmou.

Cunha anunciou a votação da PEC da maioridade quando reagia, no Twitter, à decisão de alguns parlamentares de ir ao Supremo Tribunal Federal ( STF) para questionar votações realizadas na Casa. Ele não citou nomes, mas um de seus alvos foi o deputado Alessandro Molon ( PTRJ). Adversário de Cunha no estado do Rio, o petista é um dos principais articuladores no Congresso contra a redução da maioridade e é um dos parlamentares que assinam a ação para tentar anular a votação que permite a doação de empresas a partidos políticos. Ontem mesmo, Molon reagiu e sustentou que é uma estratégia de Cunha misturar um tema de maior apelo popular, como a maioridade penal, com o financiamento de campanha.

— Não adianta o presidente ( Cunha) tentar mudar de assunto desviando o foco da sua manobra que violou a Constituição e garantiu o financiamento empresarial de campanhas. Vamos recorrer à Justiça quantas vezes forem necessárias para proteger a democracia. Quem não aceita resultado é quem refaz a votação até ganhar — rebateu.

Quando a proposta foi votada na Comissão de Constituição e Justiça ( CCJ) da Câmara, o PMDB, maior partido da Casa, ficou dividido.

— De fato no PMDB há posições divergentes. No momento em que a matéria estiver em plenário para votar, nós vamos deliberar na bancada — afirmou o líder do partido, Leonardo Picciani ( RJ), que pessoalmente é favorável à redução nos casos de crimes contra a vida.

Entre estudiosos, o tema é controverso. Cláudio da Silva Leiria, promotor que atua em vara da infância no Rio Grande do Sul, é favorável à proposta de redução da maioridade penal por considerar os jovens suficientemente informados sobre o que é um ato ilícito:

— A redução é plenamente possível. Houve uma evolução. O jovem de hoje não é o mesmo de 40 anos atrás. Ele tem acesso à informação. Tem como compreender o caráter ilícito de sua atitude. Mas a questão está sendo tratada com sentimentalismo. O jovem pobre é vítima. Gostamos de falar de suas condições precárias, de sua vulnerabilidade social. Porém, nos últimos 30 anos, as condições sociais do país melhoraram. Mas nem por isso o crime diminuiu. Ao contrário, ele cresceu, especialmente os praticados por menores — avalia a promotor.

Já o criminalista José Carlos Tórtima, que é contra a redução, sustenta que o sistema penitenciário pode trazer efeitos ainda mais nocivos à vida dos menores infratores. Segundo ele, a medida não resolve as distorções sociais:

— Respeito o sobressalto da sociedade, mas não aceito que essa seja a saída. Não temos um sistema minimamente adequado para garantir a eficácia das medidas. A lei é para todos. Não vai escolher sistemas específicos para cada tipo de delito. Então, ficarão juntos o garoto que mata um ciclista a facadas na Lagoa e outro que apenas bateu uma carteira na Central do Brasil. E isso acabará destroçando pessoas que ainda têm chance de se recuperar. Além do mais, o filho do pobre, que esfaqueou, será sempre bandido, semente do mal, enquanto o menino de classe média que agrediu a empregada em casa será apenas um garoto problemático.

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NA CÂMARA, UM LONGO E CONTROVERSO CAMINHO

 

Apresentada em 1993, a proposta de emenda constitucional ( PEC) que reduz a maioridade penal começou a avançar para valer este ano, quando um Congresso mais conservador tomou posse, e Eduardo Cunha ( PMDB- RJ) se elegeu presidente da Câmara, dando prioridade ao assunto. Em março, após sessões marcadas por tensão entre parlamentares e manifestantes, a proposta teve sua admissibilidade aprovada na Comissão de Constituição e Justiça ( CCJ), ou seja, a maioria dos deputados entendeu que ela não feria o ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, foi instalada uma comissão especial para tratar do tema.

Embora 21 dos 27 deputados titulares da comissão sejam favoráveis à redução, a maioria também defende algumas restrições: valeria apenas para os crimes mais graves, como os hediondos ou violentos, e os jovens condenados iriam para unidades ou alas prisionais separadas dos mais velhos. Mesmo com a aprovação da PEC na comissão, ela precisa ainda ser votada em dois turnos pelo plenário da Câmara, onde tem de angariar o apoio de pelo menos 60% dos deputados, ou seja, 308 dos 513 parlamentares. Em seguida, também deve passar pelo Senado. Uma vez aprovada, a PEC pode ser promulgada, sem necessidade de ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff.

Depois da primeira proposta, de 1993, várias outras foram apresentadas e apensadas à PEC original, ou seja, passaram a tramitar em conjunto. Mas os opositores à redução, como o PT e o governo Dilma Rousseff, sempre conseguiram protelar a votação do tema.

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Movimento ‘ No a la baja’ definiu
plebiscito feito no Uruguai

ANDRÉ de SOUZA

Em 2011, 65% dos uruguaios defendiam a redução da maioridade penal, mas a
medida foi rejeitada em consulta pública com o apoio de 53% do país

A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos foi rejeitada no Uruguai. No país vizinho, em plebiscito realizado em outubro, os uruguaios rejeitaram a medida por 53% a 47%. Isso ocorreu depois de as primeiras pesquisas indicarem a vitória da proposta. A reversão deu- se, em parte, graças ao movimento “No a la baja” (“Não à redução”, em tradução livre do espanhol), que realizou uma grande campanha nacional para mudar a opinião dos uruguaios.

Em junho de 2011, segundo o instituto de pesquisas uruguaio Cifra, 65% concordavam em diminuir a maioridade penal, contra 28% que discordavam. Nos anos seguintes, os números variaram, mas os favoráveis à proposta continuaram sendo maioria. O quadro começou a mudar de fato em julho de 2014, quando 50% queriam a redução da maioridade, enquanto 38% manifestaram o contrário. Em agosto, os números passaram respectivamente para 49% e 40%. Em setembro, eram 48% a 40%.

A Secretaria Nacional de Juventude ( SNJ), ligada à Secretaria- Geral da Presidência da República, cita o “No a la baja” como exemplo de que é possível reverter o apoio popular à redução. Segundo o Instituto Datafolha, 87% da população brasileira aprovavam a medida em abril. Em entrevista ao portal da SNJ, Andrés Risso, do grupo que promoveu a campanha, disse que houve uma articulação com vários setores da sociedade uruguaia. “O que fizemos na campanha? Seminários, conferências e debates entre pessoas que estavam a favor e contra. Fizemos vários materiais de informações, folhetos, com questões que entendíamos ser importantes. Com isso, geramos uma mobilização na juventude. Oito dias antes do plebiscito, mais de 50 mil jovens foram às ruas. Esse número, no Uruguai, é muito”, disse.

O apoio inicial à proposta pode ser explicado observando- se a preocupação dos uruguaios com a Segurança Pública. Segundo o Cifra, 13% diziam que esse era o principal problema do país em 2007, número que passou para 65% em 2012. O país, de 3,4 milhões de habitantes, teve taxa de homicídios de 7,9 por cem mil habitantes em 2012, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime ( UNODC). No Brasil, o índice foi de 25,2. Taxas acima de dez são consideradas epidêmicas pela Organização Mundial da Saúde ( OMS).