Valor econômico, v. 16, n. 3786, 27/06/2015. Brasil, p. A3

 

Governo articula solução para hidrelétricas

 

Por Daniel Rittner e Rodrigo Polito | De Brasília e do Rio

Em estado de alerta com a cascata de liminares judiciais obtidas pelos geradores, o Ministério de Minas e Energia articula uma proposta para resolver definitivamente o rombo bilionário das usinas hidrelétricas. A ideia tem sido costurada nas últimas semanas pelo ministro Eduardo Braga e pelo novo secretário-executivo da pasta, Luiz Eduardo Barata, em paralelo às tentativas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de lidar com o problema.

Em 2014, com o esvaziamento dos reservatórios, as hidrelétricas conseguiram produzir apenas 91% de suas garantias físicas - a energia assegurada nos contratos. Para repor o volume de energia que não puderam entregar, tiveram que recorrer ao mercado de curto prazo e assumir despesas em torno de R$ 20 bilhões, segundo cálculos dos geradores. Neste ano, a produção das usinas deve ficar entre 80% e 90% do esperado, causando mais um rombo de grande ordem.

O fato novo surgiu com a recente proliferação de liminares para evitar o pagamento. A primeira blindagem foi obtida pela Santo Antônio Energia, que explora o projeto de mesmo nome, no rio Madeira. Em seguida, vieram as usinas de Serra do Facão (GO) e do grupo Rialma, que tem pequenas centrais hidrelétricas.

Vale lembrar que Serra do Facão é uma concessão antiga, anterior ao modelo atual, o que demonstra que o problema do déficit de geração hídrica não é um fato específico das novas hidrelétricas.

Na semana passada, a Triunfo conseguiu outra liminar para a usina de Garibaldi (SC). De forma geral, as ações judiciais buscam limitar o chamado "risco hidrológico" a 5% da garantia física de cada empreendimento, diminuindo a necessidade de repor a energia devido ao déficit de geração.

Uma ação, em especial, é acompanhada com lupa pelo ministério. A Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine) entrou com pedido de liminar na Justiça Federal em Brasília. A entidade tem Cemig, Copel, Cesp, AES Tietê e Duke entre suas associadas. Caso obtenha sucesso nos tribunais, todas estarão protegidas. Jirau também foi coberta por esse pedido. Na avaliação do governo, a liquidação financeira mensal dos contratos pode entrar em colapso, já que todas as despesas pelo déficit ficarão nas mãos de um punhado de empresas desamparadas por liminares.

Preocupado com a perspectiva de impasse, o ministro Braga busca acelerar uma solução para o problema e pretende sugerir um acordo de adesão voluntária ao setor. Sem mexer no passivo já acumulado, a proposta em análise visa diminuir o rombo daqui para frente e prevê uma nova distribuição do risco hidrológico para quem aderir ao acordo. Conforme essa proposta, os geradores terão que bancar apenas uma pequena parte do risco, repondo o volume de energia que não foi entregue quando a produção ficar entre 95% e 99% da garantia física.

Uma espécie de fundo - formado por energia de reserva - seria usado pelos donos das usinas sempre que a produção for de 90% a 95% do previsto. As empresas que aceitarem a repactuação de riscos serão obrigadas a investir em geração adicional. Esses megawatts poderão ser vendidos diretamente ao governo, por meio de um leilão de energia de reserva, ou no mercado livre, mediante contratos interruptíveis.

Sempre que houver déficit de geração (produção entre 90% e 95%), aciona-se a energia adicional desse "fundo" - o termo adotado pelo ministério é "placa móvel". De certa forma, a proposta se inspira na solução dada para renovar o contrato especial de fornecimento às indústrias eletrointensivas do Nordeste, que precisarão investir na ampliação do parque gerador em troca de acesso à energia mais barata até 2037.

Na proposta costurada por Braga, quando a produção das usinas hidrelétricas ficar abaixo de 90% de suas garantias físicas, o risco vai parar nas mãos dos consumidores - por meio do Encargo de Serviços do Sistema (ESS).

Segundo disse o ministro a interlocutores, as próximas liquidações financeiras da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) podem ficar absolutamente inviáveis, caso não haja um acordo. Para ele, a proposta de mitigação do risco hidrológico é uma das únicas saídas para destravar o setor, fugindo da recente proliferação de liminares.

Pela última estimativa da CCEE, no fim de maio, a produção das hidrelétricas deve ficar em 82,7% da garantia física em 2015. O déficit pode provocar gastos acima de R$ 20 bilhões. A despesa só não será maior porque, na virada do ano, a Aneel fixou um novo preço-teto para a energia negociada no mercado de curto prazo, passando de R$ 822 para R$ 388 por MWh.