Valor econômico, v. 16, n. 3786, 27/06/2015. Empresas, p. B7

Fies tem menos vagas para ser sustentável

 

Por Leandra Peres | De Brasília

O governo pretende oferecer entre 300 mil e 350 mil novas vagas por ano do Fies, programa de financiamento do governo federal para o ensino superior - no ano passado foram ofertadas 732 mil. Em seu novo desenho, o financiamento estudantil também transferirá para as faculdades privadas uma parcela muito maior da inadimplência do programa, reduzirá o subsídio que vinha sendo dado pelo Tesouro Nacional e aumentará os juros para os estudantes, além de exigir maior participação nas mensalidades durante o curso.

"Este número de vagas é o que consideramos sustentável para o programa no médio prazo. Isso dará previsibilidade para que as empresas possam se planejar, o governo e os alunos", diz o chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento, Manoel Pires. O número preciso de vagas de cada ano será decidido pelo conselho formado pelos ministérios da Educação, Planejamento e Fazenda.

 

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Os novos critérios do Fies foram resultado do trabalho do MEC e do grupo de trabalho de acompanhamento dos gastos públicos, onde participa a equipe econômica. As regras aplicadas a partir de agora valem apenas para novos financiamentos. O estoque de 2,1 milhões de contratos continuará seguindo o modelo antigo.

O total de vagas foi definido com base em cálculos que levaram em conta a expectativa de aumento de matrículas, inadimplência, retorno dos financiamentos já concedidos e prazos do programa. O objetivo do governo é fazer com que, no médio prazo, o fluxo de pagamentos dos alunos formados seja suficiente para financiar quem ainda está no programa.

Isto explica também porque a oferta de vagas no segundo semestre foi de 61,5 mil, número inferior à expectativa do setor, que previa algo em torno de 100 mil. Como no primeiro semestre já haviam sido assinados 254 mil contratos, a soma de 2015 chega a 314 mil. No ano passado haviam sido ofertadas 732 mil vagas.

Uma das principais mudanças é no fluxo de pagamentos dos alunos para as faculdades quando ainda estão no curso. Atualmente, as regras de enquadramento do Fies, que combinam a renda da família com o valor da mensalidade, permitem que 80% dos contratos - 1,7 milhão de alunos - seja integralmente financiado pelo programa. Ou seja, o estudante faz o curso sem pagar nenhuma mensalidade e a faculdade tem risco zero de inadimplência.

A partir de agora, o critério para determinar o percentual que será financiado pelo governo e o que o estudante terá que pagar mensalmente à universidade exigirá um desembolso maior dos alunos à medida em que haja aumento de renda. A referência para o cálculo deixa de ser a renda familiar bruta e passa ser a renda per capita.

Desta forma, uma família com renda per capita de meio salário mínimo receberá financiamento de 93,8% do governo federal e terá que desembolsar R$ 59,10 considerando o valor médio das mensalidades de R$ 955. Já a família com renda per capita entre dois e 2,5 salários mínimos, terá subsídio de 21,6% na mensalidade e desembolsará R$ 748,60 por mês.

 

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Neste modelo o percentual de alunos que conseguirá financiar integralmente a mensalidade cairá - isso significa um gasto menor em subsídios para o Tesouro Nacional e um risco maior para as faculdades. Se o aluno não pagar regularmente sua coparticipação no financiamento, o prejuízo será da escola. "O aluno pagará mais durante o curso, mas terá um saldo devedor menor quando ingressar no mercado de trabalho", diz Pires.

O governo criou incentivos para frear aumentos abusivos de mensalidades. Os alunos que têm Fies pagam juros trimestrais de R$ 50. A partir de agora deverão pagar 10% da matrícula, limitado a R$ 250 por trimestre. "A decisão do reajuste também passará a afetar o estudante e isso terá efeito sobre a decisão das escolas", diz o chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento.

Uma outra mudança relevante é na taxa de juros do financiamento. Em vez dos atuais 3,4% ao ano, o saldo devedor dos empréstimos será corrigido em 6,5% ao ano, conforme antecipou no início de junho o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor. A nova taxa reduzirá significativamente a conta do subsídio do Tesouro Nacional, determinada pela diferença entre a correção do programa e o custo de captação do governo, que se aproxima da taxa Selic.

Para garantir um fluxo mais robusto de pagamentos dos financiamentos de tal forma que a entrada de dinheiro dos alunos formados possa financiar quem ainda está no programa, o governo também reduziu em um ano o prazo para que o aluno que se formou pague o saldo que resta do financiamento estudantil. Em vez de três vezes o tempo do curso, acrescido de mais um ano, quem tiver Fies terá que quitar o empréstimo em até três vezes o tempo que levou para se formar.

O anúncio das novas regras do Fies fez os papéis das companhias de ensino despencarem na bolsa de valores. As ações de Kroton e Estácio lideraram as perdas do Ibovespa na sexta-feira, com queda de 5,95% e 4,83%, respectivamente. As ações de Anima caíram 7,12%. Já a Ser Educacional, que fica no Norte e Nordeste, regiões que serão beneficiadas pelo programa, teve queda de apenas 0,07%. (Colaborou Beth Koike, de São Paulo)