Congresso ameaça barrar a reforma do ICMS proposta por Joaquim Levy

O Estado de São Paulo, n. 44465, 15/07/2015. Economia e Negócios, p. B1

 Ricardo Brito
 Adriana Fernandes
 Bernardo Caram
 Daiene Cardoso
 Rafael Moraes Moura
 Tãnia Monteiro 

A proposta de reforma do ICMS apresentada ontem pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi recebida com desconfiança por senadores e governadores. Eles querem mais garantias sobre os recursos que vão bancar os dois fundos criados por Medida Provisória (MP) para compensar as perdas que os Estados terão com a unificação das alíquotas do ICMS - iniciativa para acabar com a guerra fiscal.

A estratégia de Levy era garantir uma tramitação relâmpago do pacote do ICMS e votar esta semana o projeto de resolução que unifica as alíquotas e o projeto que cria o programa de repatriação de recursos de brasileiros e de empresas nacionais no exterior não declarados ao Fisco. A multa sobre esse dinheiro que será regularizado é que vai bancar os recursos dos fundos, de acordo com a MP editada ontem. A previsão do governo é recolher até R$ 25 bilhões.

Após uma reunião de quase três horas o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que não há acordo para a votação do pacote de projetos da reforma do ICMS. A reforma - proposta para acabar com a guerra fiscal entre os Estados por conta dos benefícios fiscais concedidos para atrair empresas - é a primeira pauta lançada pela equipe econômica com uma agenda pró-crescimento para a fase pós-ajuste fiscal.

Recado. Da Câmara, o presidente Eduardo Cunha mandou seu recado. Perguntado sobre a iniciativa articulada no Senado para acelerar o projeto de repatriação de recursos, etapa crucial para bancar a reforma do ICMS, Cunha sugeriu que o Executivo mande um novo texto ao Congresso, caso contrário vai colocar em votação duas propostas que já tramitam na Casa sobre o assunto. "O correto é que o governo mande um projeto com urgência constitucional", disse. Hoje, segundo Cunha, existem duas propostas paralisadas na Câmara: uma do deputado José Mentor (PT-SP) e outra do senador Delcídio Amaral (PT-MS).

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi procurado por Levy, que pediu apoio à proposta de repatriação de recursos. Aécio negou. "Recebi ontem à noite um telefonema do ministro Joaquim Levy. Acho que não há condições de que essa proposta seja votada esta semana, como gostaria o governo. É algo complexo", disse.

Segundo Aécio, mesmo que a maioria do Senado aprove a urgência para o projeto, os tucanos não permitirão que a proposta seja votada nesta semana, para que possa ser discutida em profundidade. Segundo ele, é preciso analisar "eventuais efeitos nocivos, ao misturar-se tudo, inclusive que seja repatriado dinheiro fruto do crime, o que não é obviamente aceitável".

O maior impasse apontado por senadores da oposição e até da base aliada é o fato de não haver uma garantia constitucional para os fundos que vão bancar a redução das alíquotas do imposto. Os parlamentares argumentam que a reforma só deslanchará no Congresso caso o governo tope aprovar uma emenda constitucional que impeça eventuais mudanças de destinação dos recursos para os Estados. O receio de senadores e governadores é de que o governo acabe usando os recursos do fundo para outras finalidades.

Levy teve de recuar da forma como havia pensado para viabilizar o pacote de reforma do ICMS. Na reunião, ele se disse a favor da aprovação de uma emenda constitucional para vincular os fundos, desde que haja um limite de repasses dos recursos oriundo da repatriação de até R$ 40 bilhões. Nos próximos dias, uma proposta deve ser apresentada pelo líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), ou pelo senador Walter Pinheiro (PT-BA).

Embora seja a favor da PEC para constitucionalizar os fundos, o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), disse que não vai aceitar que o governo "tratore" na votação da reforma do ICMS. Caiado, que também recebeu uma ligação de Levy, quer mais tempo para discutir o pacote.

Ainda assim, senadores vão tentar votar o projeto de autoria do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) que trata da repatriação dos recursos nas comissões temáticas para tentar levá-lo para plenário ainda nesta semana, antes do recesso parlamentar. Levy pretendia votar todo o pacote nesta semana, mas foi dissuadido em razão da resistência de lideranças da oposição e até mesmo da base.

Entre os governadores, tampouco há unanimidade. Segundo a Secretária de Fazenda do Estado de Goiás, Ana Carla Abrão, os governadores têm ainda muitas dúvidas em relação à proposta. "Os Estados estão muito desconfortáveis de não terem garantia. De fato teremos esses recursos? E se a arrecadação da repatriação for frustrada?", disse a secretária.

Ontem, depois de reunião com a presidente Dilma Rousseff em Brasília, governadores da região Sudeste saíram em defesa da reforma do imposto. "Somos favoráveis à reforma do ICMS, totalmente favoráveis à repatriação de dinheiro que está lá fora, isso é extremamente importante", disse o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), em uma rápida coletiva de imprensa. "É importante ter a garantia da questão da compensação e do fundo de investimento. Tendo essas garantias, somos favoráveis."

Os Estados do Nordeste e Centro-Oeste, além do Amazonas, porém, movimentam as suas bancadas no Senado para impedir a votação do projeto esta semana.