Valor econômico, v. 16, n. 3768, 02/06/2015. Opinião, p. A10

 

PIB do 1º trimestre indica que recessão mal começou

 

O que a pequena retração do Produto Interno Bruto, de 0,2% no primeiro trimestre, mostrou é que o pior ainda está por vir. A maior parte dos analistas acredita que o segundo trimestre assistirá uma redução das atividades mais intensa, o que coloca um ponto de interrogação sobre as expectativas de início da recuperação logo no segundo semestre do ano. Há sinais de que o pessimismo começa a influir nas projeções para 2016, com um movimento de revisão para baixo do 1%. No boletim Focus, divulgado ontem pelo Banco Central, porém, esse número figura como previsão da mediana dos participantes.

O resultado do PIB do primeiro trimestre conta parte da história. Nos quatro trimestres encerrados em março contra os quatro anteriores, a retração foi de 0,9% e, ainda assim, com evolução positiva do consumo das famílias, de 0,2%, e do consumo do governo, de 0,4%. Esses dois indicadores tornaram-se negativos no primeiro trimestre e não há razão para estimar que sua performance será melhor no segundo trimestre. A mediana das instituições que participam do Focus aponta uma queda de 1,27% em 2015.

Nos últimos dez anos o crescimento foi puxado praticamente pelo consumo, que agora ensaia forte recuo. Na comparação trimestre a trimestre do consumo das famílias, que tem peso de 62,5% no PIB, houve recuo de 1,5%. O consumo do governo foi na mesma direção, apenas com menos intensidade, com -1,3%. Os investimentos, por outro lado, enfileiram sete trimestres consecutivos de queda. De trimestre para trimestre, o tombo agora foi de 7,8%. Em quatro trimestres sobre os anteriores, há diminuição expressiva de 6,9%. Desta vez, a redução do consumo das famílias atingiu o setor de serviços, que caiu 1,2% em relação ao trimestre imediatamente anterior.

O consumo das famílias, com o maior recuo desde o fim de 2008, não deve ser retomado logo. Há a conjugação de várias incertezas, como o risco para a manutenção do emprego, o de perda de renda para os assalariados, causada pela inflação em alta e oposição das empresas em conceder aumentos reais em um ambiente hostil, e o peso de endividamento de boas proporções sobre uma renda familiar sob estresse. Além disso, o aperto da política monetária está tirando rapidamente o fôlego do crédito, outro fator propulsor do consumo, que exibiu avanço de dois dígitos por anos a fio.

O horizonte não é muito mais animador para a formação bruta de capital fixo. O governo deve lançar nova etapa do programa de concessões este mês, que pode ter pouco efeito a curto prazo. Mas um dos maiores investidores do país, a Petrobras, está com caixa comprometido e reduzindo sua meta de investimento substancialmente para este e os próximos anos. Atingidos pela Operação Lava-Jato, grandes do setor da construção perderam a capacidade de investir e estão encolhendo severamente seus negócios. Outros entraram em recuperação judicial.

A soma das dificuldades financeiras da Petrobras com os efeitos das investigações sobre corrupção que pesam sobre as empreiteiras podem ser capazes de reduzir a formação bruta de capital em 6%, calcula Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências (Valor, 30 de maio). Às desventuras da Petrobras e de seus fornecedores se soma o aumento dos estoques nas fabricantes de bens de capital, reforçando a tendência de queda.

A política fiscal é contracionista, mas perdeu parte de sua potência com as modificações feitas no Congresso. Pelo lado das receitas, os efeitos do ajuste fiscal ainda estão por acontecer, já que o aumento das alíquotas que eliminam a desoneração da folha de pagamentos ainda não foi aprovada e a carga tributária começa a subir. Cresce a percepção de que o governo central não conseguirá obter o superávit primário pretendido, de R$ 55 bilhões. Isso não será um desastre, se for considerada a herança desastrosa recebida do primeiro mandato da presidente Dilma, embora torne mais longínqua a possibilidade de que as contas públicas entrem em ordem em 2016. O esforço fiscal prometido para o ano que vem é de quase o dobro, de 2% do PIB.

Com as dificuldades do governo para cortar gastos, a freada de arrumação depende mais da política monetária. O BC quer chegar à inflação de 4,5% no fim de 2016, mas há boas dúvidas de que consiga fazê-lo sem forte alta adicional dos juros. Ao longo dos próximos meses ficará claro se o horizonte do crescimento de 2016 também foi comprometido.