Intervenção de Lula isola Dilma do PT

29/06/2015

PAULO DE TARSO LYRA

Com a presidente Dilma Rousseff em viagem oficial aos Estados Unidos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca hoje em Brasília para tomar as rédeas da bancada do PT no Congresso Nacional. A presença do antecessor, no entanto, não significa um movimento de pacificação entre os dois. O vazamento da lista de citados pelo empresário Ricardo Pessoa, da UTC, como beneficiários das doações da empreiteira investigada na OperaçãoLava-Jato reforça o ostracismo vivido por Dilma e joga por terra todos os esforços recentes feitos por ela para tentar melhorar a governabilidade. A presidente já esteve frágil politicamente, foi apontada como isolada e agora corre o risco concreto de ficar refém de si mesma à espera das eleições de 2018 devido às rusgas com o padrinho político. Para especialistas, a presença de Lula em Brasília reforça ainda mais essa tendência.

O discurso de Lula tem incomodado muito o Planalto. Embora o ex-presidente garanta que não há movimento de ruptura, as intervenções recentes lulistas têm provocado estrago. Na última segunda-feira, no mesmo dia em que a presidente Dilma Rousseff anunciava quase R$ 30 bilhões para a agricultura familiar, Lula pregou a reinvenção do PT. “Era uma agenda positiva nossa e Dilma teve que responder sobre os ataques de Lula e provar que estava viva”, disse um assessor presidencial, em referência aos boatos de que a presidente teria tentado o suicídio no domingo retrasado. Para acentuar a divisão, a executiva nacional do PT, seguindo recomendação de Lula, decidiu convidar o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a explicar a atuação da Polícia Federal durante a OperaçãoLava-Jato.

Para analistas políticos, o ex-presidente tem deixado claro que, mais do que nunca, Dilma precisa dele. Por isso, pede para ser blindado na Operação Lava-Jato. “Se Lula for preso, o governo Dilma cai no dia seguinte. O ex-presidente é o que resta de credibilidade para ela”, completou o interlocutor. Para piorar, os senadores petistas saíram em defesa de Lula ao longo da semana — algo que Dilma não fez — nem sequer mencionaram a presidente em uma nota oficial da bancada. Nas votações no plenário, os deputados petistas também já demonstraram distanciamento do Planalto. Dilma parece alheia a esses riscos. “Não sei dizer se, consciente ou inconsciente, mas a presidente passa a impressão de ter cruzado os braços para tudo, até mesmo para a própria popularidade”, disse a cientista política e professora de relações internacionais do Ibmec/RJ Christiane Romeo. 

Talvez porque a vida de Dilma não esteja fácil para nenhum dos lados em que ela resolver analisar. Apesar de as recentes manifestações de rua terem sido menos barulhentas e movimentadas que as realizadas no início de 2015, a recente pesquisa Datafolha foi desastrosa para a presidente: apenas 10% de popularidade, um massacre independentemente da região ou da faixa social dos entrevistados. Há quem diga que o Datafolha foi até generoso, já que alguns petistas informaram ao Correio que a presidente tem uma aprovação de cerca de 7%, em média. Se perdeu o apoio popular, no meio empresarial Dilma também não é bem quista. Os empresários não conseguem enxergar na comandante do Executivo alguém capaz de mudar os rumos da economia brasileira. O fio de credibilidade está amarrado no ministro da Fazenda, Joaquim Levy. E o quadro tende a se agravar cada vez mais. A inflação já foi projetada para 9%, os juros estão em ascensão, a recessão se aprofunda e o desemprego vai aumentar.

Desemprego
A Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) fez um cálculo mostrando que o projeto que altera as alíquotas incidentes sobre a folha de pagamento, se aprovado como pensava o governo, significaria a perda de cerca de 640 mil empregos diretos. Como o cálculo universal aponta que, para cada emprego direto, existem três indiretos, a conta sobe para 1,92 milhão de empregos. Esse efeito deve diminuir um pouco, já que a Câmara promoveu mudanças no projeto original, amenizando os reajustes de alíquotas para alguns setores. Pelos cálculos da Fazenda, as desonerações custaram R$ 25 bilhões ao ano para os cofres públicos. Com o projeto original, a perda seria reduzida para R$ 13 bilhões. O texto aprovado na Câmara manteve as perdas em R$ 15 bilhões.

Dilma também perdeu o apoio do Congresso. Os presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), respectivamente, aproveitam as oportunidades para sangrar o Planalto, certos de que o Executivo – mais precisamente o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo — foi omisso na tarefa de tirar os peemedebistas da lista de investigados pelo ministro Teori Zavascki. Renan propôs criar a figura de um auditor para evitar “pedaladas do governo”. Para piorar, a bancada petista, que vez ou outra não segue a orientação o Planalto durante as votações, recebe hoje de Lula o apoio político à estratégia. O encontro está marcado para o início da noite.


Na Câmara, o histórico recente de infidelidade da base aliada levou à extensão para os aposentados do mesmo reajuste concedido ao salário mínimo, um rombo de R$ 9,2 bilhões. “Se a economia voltar a crescer, já que a fórmula depende do PIB, que deve ser negativo pelos próximos dois anos”, disse o diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho do Diap.

Para Christiane Romeo, o país vive um vazio de alternativas. “Quando Dilma silencia, ela deixa as instituições à própria sorte, sem personalismos, para sair da crise que o país atravessa”, afirmou ela, refutando a possibilidade de um grande conchavo nos moldes defendidos por Getúlio Vargas de “deixar tudo como está para ver como fica”. Ou de uma ruptura institucional semelhantes à tantas sofridas pelo país ao longo do século 20.