Complicações além do intestino

29/06/2015 

Carolina Cotta

Belo Horizonte — Duas em cada três brasileiras têm algum problema intestinal. O dado é do primeiro mapeamento em escala nacional sobre a saúde intestinal da mulher, realizado pela Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG). O SIM Brasil — Saúde Intestinal da Mulher caracterizou e quantificou a diversidade dessas complicações, identificando e dimensionando os impactos delas na qualidade de vida. Foram ouvidas 3.029 mulheres do Distrito Federal e de nove capitais, de 18 a 60 anos, pertencentes às classes A, B e C. Segundo o presidente da FBG, Flávio Quilici, o dado é inesperado e requer atenção pelos prejuízos atrelados.
O impacto na vida sexual é uma realidade para 79% das mulheres que relataram problemas intestinais, por exemplo. Dessas, 24% dizem ter medo de soltar gases durante a relação sexual, 25% afirmam não poder aproveitar o momento, 22% têm o apetite sexual reduzido e 17% revelam parar a atividade sexual quando sentem os distúrbios digestivos. O mais preocupante é o fato de elas não procurarem ajuda, principalmente por acreditar que problemas intestinais são normais, não uma doença. “No consultório, não relatam o trânsito lento por prejulgarem que ele não será valorizado pelo médico”, acredita Quilici, também professor titular de gastroenterologia e cirurgia digestiva da Faculdade de Medicina da PUC de Campinas.
Segundo a psicóloga e terapeuta de casais Pamela Magalhães, estudiosa dos impactos dos problemas intestinais no comportamento psicológico, muitas mulheres se sentem “sujas” ao falarem da situação intestinal, se referindo ao órgão digestivo como causador de tristeza, estresse e ansiedade. Para mudar essa relação, elas precisariam enfrentar tabus, tomar consciência do intestino como parte do corpo e fazer mudanças afetivas e sexuais, acredita a especialista. “As mulheres precisam conseguir falar sobre isso, mas há um constrangimento em torno do assunto, como se elas fossem princesas que não vão ao banheiro. Também precisam conversar com o parceiro sobre os problemas, para não haver um afastamento sexual e um possível desgaste da relação.”
O comprometimento da vida sexual foi o que fez LS, 35 anos, procurar ajuda. A prisão de ventre que a acompanhava por toda a vida era tratada como algo normal e, muitas vezes, os próprios médicos, em consultas de rotina, davam pouca atenção ao problema. Ela tinha vergonha de falar com o namorado sobre o assunto e, muitas vezes, evitava o contato sexual em função do desconforto. Entre abrir o jogo e procurar um tratamento, optou pela segunda opção. A inclusão de probióticos na dieta regularizou o trânsito intestinal e melhorou a relação afetiva.

Bactérias do bem
Mestre em nutrição experimental, Izabel Lamounier conta que 25% das suas pacientes têm síndrome do intestino irritável. A especialista garante que é possível melhorar a microbiota intestinal por meio de suplementação e alterações na dieta. Estudos corroboram para um alívio dos sintomas da síndrome e da distensão abdominal depois de quatro semanas de inclusão do leite fermentado na dieta pelo fato de ele ser rico em probióticos.
Um dos mais comuns é o Lactobacillus rhamnosus GG (LGG). Em abril último, pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, divulgaram um artigo no jornal científico mBio detalhando que ele funciona como um facilitador da ação de outras bactérias no intestino. A constatação, segundo os estudiosos, poderá ajudar na criação de estratégias mais eficazes de promoção da saúde intestinal.
No estudo, 12 voluntários ingeriram o LGG duas vezes por dia durante 28 dias. A flora intestinal dos participantes foi analisada antes e depois do experimento. Os cientistas descobriram que o probiótico aumentou a quantidade de genes que facilitam a ação de micro-organismos como bacteroides, eubacterium, faecalibacterium, bifidobacterium e streptococcus, todos com benefícios comprovados à saúde humana.
“Essa é uma ideia nova, de que alguns probióticos podem funcionar afetando o ecossistema global do intestino. Anteriormente, tendíamos a pensar que o LGG e outros probióticos trabalhavam diretamente na máquina. Acho que essa descoberta tem muitas implicações interessantes”, avalia Claire M. Fraser, professora de medicina da universidade norte-americana.
Os benefícios dos probióticos, entretanto, só podem ser atribuídos às cepas testadas, não a espécies ou gêneros em geral. Eles também são encontrados em forma de óleo e suspensão, ou combinados com vitaminas e prebióticos. Estão disponíveis em cápsulas gelatinosas, tabletes e sachês.

Três perguntas para

Filippo Pedrinola, endocrinologista e metabologista

Os probióticos podem ser usados tanto como prevenção quanto como tratamento do
desequilíbrio da flora intestinal? 

Sim. Quando a saúde do intestino não vai bem, devido ao desequilíbrio da flora intestinal, chamada isbiose, a microbiota passa a conter bactérias “do mal”, também chamadas de patogênicas, podendo levar a doenças como diarreias, alergias, obstipação intestinal, alterações de humor e inflamação da parede intestinal. Nesses casos, o uso de suplementos probióticos que contêm as bactérias “do bem” — lactobacilos e bifidobactérias, por exemplo — pode ser muito útil para auxiliar na recomposição da flora intestinal.
Eles podem colaborar em outros aspectos? 
Os probióticos, quando ingeridos diariamente nas quantidades adequadas, ajudam no bom funcionamento intestinal, previnem doenças do trato digestivo, alergias e até mesmo alguns tipos de câncer, atuam na melhora da imunidade, previnem a infecção por micro-organismos patogênicos e, segundo estudos mais recentes, podem auxiliar no metabolismo energético, beneficiando o controle do peso corporal. Além disso, proporcionam melhor absorção de micronutrientes, como vitaminas e minerais, do que o intestino seria capaz de fazer sem essa associação.


Seus benefícios podem ser ampliados no inverno? Por quê? 
As baixas temperaturas típicas do inverno levam as pessoas a ficarem mais suscetíveis a gripes, resfriados e alergias devido à baixa nos sistemas de defesa do organismo. O que nem todos sabem é que essa queda pode estar relacionada a fatores hereditários, estresse, má alimentação e, inclusive, a carência de vitaminas; e que o ponto fundamental para aumentar as defesas pode ser a saúde do intestino. Por isso, a ingestão de probióticos nesta época do ano ajuda a fortalecer o sistema imunológico.

Tratado como o segundo cérebro

 

Publicação:29/06/2015 04:00

O intestino abriga uma grande população de micro-organismos. Sua estrutura e sua composição apresentam alta complexidade, pois são mais de 3,4 milhões de genes. Para se ter uma ideia, as bactérias presentes em nosso corpo formam um volume que pode chegar a pesar 2kg. É por isso que as comunidades que habitam o intestino causam um enorme impacto sobre a saúde e o adoecimento do organismo.
A microbiota intestinal estabelece-se dos 2 aos 3 anos de idade de um indivíduo. Fica relativamente estável, mas pode ser influenciada por fatores como dieta, doença, medicamento e envelhecimento. Precisa estar em equilíbrio para que o intestino possa desempenhar as diferentes funções. Ela influencia, por exemplo, nos sistemas endócrino, imunológico e nervoso. Esse último é o tema mais recente das pesquisas médicas na área.
Por essa comunicação, há uma relação bidirecional entre os dois órgãos, no qual alterações no eixo intestino-cérebro podem implicar em problemas gastrointestinais, como obesidade e síndrome do intestino irritável, e em problemas do sistema nervoso central — entre eles, autismo, ansiedade e depressão.
“O intestino hoje é tratado como um superórgão ou como o segundo cérebro”, ressalta Dan Waitzber, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), diretor-presidente do Grupo de Nutrição Humana (Ganep) e coordenador do Núcleo Avançado de Pesquisa em Alimentos e Nutrição (Napan). Segundo ele, há uma nova ciência em torno do intestino, que teria além da clássica função de absorção, uma atuação endócrina e imunológica. O papel da microbiota na homeostase (capacidade do organismo de apresentar uma situação físicoquímica característica e constante) é o mais recente objeto de discussão em torno desse tema. (CC)