Nossas meninas pedem socorro

22/06/2015
 

Em janeiro do ano passado, a mãe da menina Mainumby, à época com 8 anos de idade, foi a uma delegacia denunciar abusos sofridos pela filha. Poucos meses depois, em agosto, o caso foi indeferido sem que a denúncia fosse investigada. No começo deste ano, a mulher procurou um centro de saúde para que a criança fosse avaliada, pois sentia dores no abdômen e no corpo e sofria com vômitos e mal-estar. O diagnóstico correto demorou: só foi dado no fim de abril, após consultas no Hospital Materno Infantil Santísima Trinidad, em Assunção. Aos 10 anos, Mainumby estava grávida e contou a uma psicóloga e a uma assistente social ter sofrido abusos sexuais do namorado da mãe. O caso chocou o Paraguai e mobilizou uma campanha internacional de repúdio à violência contra crianças, mas levantamentos mostram que Mainumby não é uma exceção.


Um comunicado conjunto do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), do Fundo da ONU para a Infância (Unicef) e da ONU Mulheres no Paraguai, divulgado no fim de abril, alerta que a cada dia duas meninas entre 10 e 14 anos dão à luz no país. A maioria dos casos é consequência de abusos sexuais e muitos deles são frequentes. Dados recentes mostram que 15% a 20% dos os nascimentos registrados na Argentina, no Brasil, no Chile, no Uruguai e no Paraguai são de mães menores de 18 anos. Os casos, no entanto, nem sempre são reportados, pois muitas famílias evitam denúncias que possam comprometer parentes.


A gravidez precoce coloca em risco a educação e o potencial das jovens mães e também aumenta o risco da mortalidade materna, que está entre as três principais causas de morte de adolescentes entre 15 e 19 anos, segundo dados da ONU. A chance de uma menina com menos de 15 anos morrer em decorrência da gravidez é três vezes maior que a registrada entre mulheres com mais de 20 anos. E os problemas de saúde são mais prováveis se a garota ficar grávida nos dois anos seguintes à primeira menstruação, diz o último relatório Maternidade na Infância, da ONU, relativo a 2013.
A América Latina é a segunda região onde o número de jovens grávidas caiu menos nos últimos 20 anos, de acordo com um estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), divulgado no fim de 2014. O total de grávidas com menos de 15 anos é baixo (0,5%), mas está crescendo, informa o levantamento.


Fracasso

O caso da menina paraguaia alimentou discussões sobre direitos femininos e aborto e motivou um pedido da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para que o Paraguai adote medidas cautelares de proteção a Mainumby, que está no sexto mês de gestação. Ela enfrenta uma situação séria e urgente, já que sua vida, sua saúde e sua integridade pessoal estão ameaçadas, destacou a comissão. A chancelaria paraguaia rechaçou o pedido para que melhore os cuidados dispensados à criança e alega que tomou todas as medidas adequadas para evitar a impunidade do ato ilícito e para garantir a vida e a segurança da menina e do feto.


Representantes das Nações Unidas disseram, há algumas semanas, que o governo do Paraguai fracassou na responsabilidade de proteger a menina e de dar a ela um tratamento crucial e oportuno, incluindo aborto seguro e terapêutico. A interrupção da gravidez foi exigida por várias organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional, que lançou uma campanha para pressionar as autoridades. A mãe da menina, uma mulher de 32 anos, reforçou os pedidos, mas não teve sucesso.


Ativistas classificaram a decisão como equivalente à tortura. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 19 milhões de abortos são realizados anualmente de forma insegura em todo o mundo. Desse total, 670 mil são feitos por adolescentes latino-americanas. Apesar de não proibir a interrupção da gravidez, a legislação paraguaia é bastante rígida. O pedido de aborto foi rejeitado em dois outros casos tornados públicos recentemente: o de uma menina de 12 anos, grávida supostamente do pai biológico, e o de uma de 11, estuprada na saída da escola.

 

Políticas de prevenção

De acordo com o Ministério da Saúde, o número de jovens grávidas entre 10 e 19 anos no Brasil reduziu-se, na última década, como resultado de políticas de educação para a saúde e de ações para o planejamento reprodutivo. O número de bebês nascidos vivos de mães adolescentes passou de 750.537, em 2000, para 555.159, em 2013 uma queda de 26%. Segundo a ONU, 12% das brasileiras entre 12 e 19 anos tinham ao menos um filho em 2010, número considerado alto para o nível de desenvolvimento do país. Meninas pobres, negras e indígenas, assim como as de escolaridade mais baixa, são a maioria das mães adolescentes. No Brasil, o aborto só é autorizado em casos de anencefalia fetal, gravidez resultante de estupro ou quando não há outro meio de salvar a vida da mãe. O Ministério da Saúde informou que, entre 2009 e 2014, 2,46 bilhões de preservativos foram comprados pelo governo. No mesmo período, foram investidos cerca de R$ 256,2 milhões em outros métodos contraceptivos.