Maioridade: Cunha já admite recuar

11 jun 2015

SIMONE IGLESIAS, ANDRÉ DE SOUZA, ISABEL BRAGA E JAILTON DE CARVALHO 

Diante da reação do governo, presidente da Câmara fala em 16 anos só para crimes hediondos

- BRASÍLIA- A negociação do governo federal com setores do PSDB tentando um acordo contra o projeto de redução da maioridade penal deverá levar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), a abandonar sua defesa da ideia de punir os jovens a partir dos 16 anos por qualquer crime cometido, e também a proposta de um referendo em 2016, junto com as eleições municipais. Cunha se reuniu ontem, em sua casa, com integrantes de PSDB, PSB e SD e passou a articular apoio ao projeto do senador tucano Aloysio Nunes Ferreira que reduz a maioridade somente em caso de crimes hediondos.

AILTON DE FREITASVotação. Tumulto entre parlamentares, manifestantes e seguranças no plenário da Câmara durante sessão da comissão especial sobre o tema

Ontem, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reuniu- se com o senador José Serra ( PSDB- SP) e afirmou que o governo pode apoiar boa parte do projeto do tucano, que prevê a ampliação para o prazo de internação de menores infratores dos atuais três anos para até dez anos, mas sem reduzir a maioridade.

— Por que mexer na Constituição se podemos atacar melhor o problema com uma mudança da lei? É esse o projeto do senador Serra, com o qual, no espírito, nós concordamos — disse Cardozo.

Como o assunto divide os tucanos, setores do PSDB passaram, então, a negociar com Cunha uma proposta intermediária, como o projeto de Aloysio Nunes Ferreira. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves ( MG), foi procurado pelos dirigentes do partido que estavam na reunião com o presidente da Câmara e sinalizou a favor do acordo. Cunha foi convencido pelos participantes da reunião a deixar de lado o referendo popular que ele mesmo propôs há duas semanas. O argumento é que isso levaria a uma aproximação dos petistas com sua base eleitoral.

Na Câmara, ontem, a reunião da comissão especial que analisa a PEC que prevê a punição para maiores de 16 anos por qualquer crime terminou em tumulto. Manifestantes contrários à proposta entraram em choque com seguranças da Câmara, que chegaram a usar gás de pimenta. O gás atingiu não só os manifestantes, como outras pessoas que estavam na sala da comissão. Uma pessoa foi levada ao posto médico. A reunião teve que ser suspensa.

Por conta da confusão, Cunha determinou que as próximas reuniões da comissão serão a portas fechadas, sem público. A confusão começou após a fala do deputado Vitor Valim ( PMDBCE), que criticou os manifestantes.

— Essa plateia que está aqui não representa a maioria da sociedade e quer se impor no grito — disse Valim.

Foi a deixa para os manifestantes voltarem a gritar palavras de ordem.

— Não me representa, não! — gritaram de volta para Valim.

O presidente da comissão, deputado André Moura ( PSC- CE), determinou a retirada dos manifestantes, o que aumentou a força dos protestos. Alguns chegaram a subir nas bancadas onde sentam parlamentares e assessores. — Não vai votar! Não vai votar! Parlamentares da chamada bancada da bala se desentenderam com os manifestantes. Na linha de frente estavam Delegado Waldir ( PSDB- GO), Major Olímpio ( PDT- SP) e Capitão Augusto ( PR- SP). Na sala menor, para onde a reunião foi transferida, o relator Laerte Bessa ( PR- DF) leu a conclusão do seu relatório, mas houve pedido de vista. A próxima reunião será na quarta- feira. Após a sessão, o relator Laerte Bessa, com dedo em riste, quase brigou com o deputado Darcísio Perondi ( PMDBRS), que é contrário à PEC.

No fim do dia, Cunha disse que a votação da PEC não será impedida pelo projeto que muda o Estatuto da Criança e do Adolescente ( ECA) para aumentar o tempo de internação dos menores. Ele quer votar a PEC até 30 de junho e diz que alteração no ECA só será analisada pelo plenário após a proposta de redução da maioridade penal.

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‘ Aos 16, jovem sabe o que é errado’

Relator da PEC diz que pensa como o povo brasileiro.

- BRASÍLIA- Relator da PEC que reduz a maioridade de 18 para 16 anos, o deputado Laerte Bessa ( PR- DF) diz que, aos 16 anos, o jovem já tem consciência de seus atos e pode ser julgado como adulto.

Por que reduzir a maioridade a 16 anos para todos os crimes?

Porque o menor de 16 anos hoje não é mais um menor. É maior. É um cidadão que tem consciência dos seus deveres, dos seus direitos. E consciência do que é certo, do que é errado. Tem consciência dos atos ilícitos que venha a cometer. Estou pensando como o povo brasileiro pensa.

Há erro nas estatísticas sobre participação de adolescentes em crimes?

São estatísticas mentirosas, falaciosas. A maioria das estatísticas não tem fundamento. Como falar em 1% de crimes contra a vida praticados por menores? Só no Distrito Federal, a média este ano foi de 34%.

Há várias propostas alternativas que o governo quer apoiar...

Nunca fizeram nada. Agora resolveram fazer.

Uma delas é aumentar o tempo de internação dos menores.

Isso aí eles falam todas as vezes em que se põe para votar um projeto que é bom para a sociedade. O PT e a presidente vêm trabalhar contra, porque eles não querem o bem do país.

O senhor diz que só reduzir a maioridade não vai resolver o problema da criminalidade. Que mais precisa?

Vai resolver o problema da impunidade. O que resolve ( a criminalidade) é o governo implantar as medidas sociais de apoio aos menores, que são educação, cultura, esporte.

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‘ Risco de aumentar criminalidade’

 

Diretor da Human Rights Watch vê retrocesso na proposta

- BRASÍLIA- Diretor da Human Rights Watch ( HRW) para as Américas, Daniel Wilkinson diz que a redução da maioridade penal prejudicaria a ressocialização de jovens infratores e poderia até aumentar, ao invés de diminuir, a violência.

Por que a HRW é contra a redução da maioridade penal?

Na nossa opinião, a proposta é um grande retrocesso, e somos absolutamente contrários à ela. Se aprovar a emenda, o Brasil estará violando suas obrigações perante o direito internacional de proteção das crianças e adolescentes, além de colocar em risco seus esforços para reduzir a criminalidade, em vez de fortalecê- los.

Para defensores da redução, a medida ajudaria a diminuir o número de crimes cometidos por menores. Isso não é verdade? Por quê?

Pretendemos demonstrar que a proposta de redução da maioridade está fundada em falsas premissas. Uma delas é a de que processar e julgar adolescentes como adultos poderá dissuadilos de se envolverem em crimes. Isso não é verdade. Nos Estados Unidos, há ampla evidência indicando que a redução da maioridade penal teve precisamente o efeito contrário, aumentando a reincidência entre jovens infratores.

O que acha da proposta de aumento do tempo de internação de adolescentes como alternativa à redução da maioridade penal?

Acredito que a proposta sobre o aumento do tempo de internação para adolescentes que cometem crimes violentos pode ser aprofundada e deve ser melhor discutida. Entretanto, o que é absolutamente claro é que um adolescente não deve ser julgado ou mandado para prisão como adulto.