Título: Opositores criticam Brasil
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 22/08/2011, Mundo, p. 15

Manifestantes voltam a hastear a bandeira rebelde na embaixada e cobram do governo reconhecimento » O avanço das tropas rebeldes em Trípoli animou os líbios que vivem no Brasil. Quatro diplomatas e mais cinco cidadãos do país árabe comemoraram ontem, na embaixada, a tomada da praça central da capital líbia e a captura de três filhos do ditador Muammar Kadafi. No fim do dia, eles voltaram a hastear a bandeira da revolução em frente ao prédio, mas a retiraram minutos depois. O grupo, que faz vigília no local deste sexta-feira, acusa o governo brasileiro de omissão. "Nós queremos uma resposta: por que o Brasil ainda considera um líder que já caiu?", questionou o diplomata Adel Swisy.

Swisy referia-se à decisão do Planalto e do Itamaraty de não reconhecer o Conselho Nacional de Transição (CNT), coalizão rebelde que se organiza para instalar um governo provisório e preparar a eleição democrática de representantes na Líbia após a queda de Kadafi. "Todo mundo já reconheceu: a Organização das Nações Unidas, o Reino Unido, a França. O que o Brasil está esperando?", perguntou o xeque Saif El-Nasser Mohamed, líder religioso que está no país para o mês sagrado islâmico do Ramadã. Vinte e cinco nações já consideram o conselho legítimo. Até o fechamento desta edição, o Ministério das Relações Exteriores não havia se pronunciado sobre o assunto.

"Hoje é o dia da libertação de um povo reprimido há 42 anos. Teve gente que envelheceu esperando por esse momento", comentou o comerciante Mabil Ben Naser, líbio que vive em São Paulo e veio a Brasília acompanhar a evolução da revolta em seu país. Ele e os compatriotas chegaram à embaixada no meio da tarde. Pela rede de TV árabe Al Jazira, o grupo ouvia as notícias sobre a ocupação da capital, último reduto do regime comandado por Kadafi. Quando surgiram os primeiros boatos sobre a prisão de Saif Al-Islam, filho e herdeiro político do ditador, eles dançaram e entoaram gritos de guerra que mais pareciam os de uma torcida de futebol: "Olê, olê, olê, tchau, Kadafi", cantavam, em árabe ¿ mas adotando o "tchau" brasileiro.

No fim do dia, depois das orações e do jantar que se segue ao jejum diário do Ramadã, os líbios atearam fogo em retratos do coronel e em cópias do Livro Verde, que contém o pensamento político de Kadafi. Uma placa com os dizeres "Não há democracia sem conselho popular" foi arrancada da fachada do prédio. "Isso é uma mentira. Kadafi mandou pendurar isso como se a Líbia fosse assim", explicou Mohamed El-Zwei, empresário de São Paulo que está na capital aguardando a queda do regime. O grupo também retirou as placas do lado de fora que identificavam o local como escritório da representação do país árabe.

Urgência Os diplomatas esperam que o governo brasileiro reconheça a legitimidade do CNT antes mesmo da queda de Kadafi. Quatro dos seis representantes oficiais líbios estão do lado dos rebeldes desde 17 de fevereiro, quando começou a revolução. Segundo Adel Swisy, o embaixador Salem Zubeidi, que defende o ditador, estaria negociando a venda da casa onde fica a representação para enviar o dinheiro ao coronel. "Fui informado disso por um colega que está na Líbia. O mesmo movimento foi feito na Inglaterra e na Iugoslávia, mas foi reprimido. Talvez isso chegue a acontecer na Venezuela", diz o diplomata. A negociação estaria sendo feita por meio de correspondências confidenciais, entregues diretamente para Zubeidi.

Na sexta-feira, os líbios se envolveram em uma confusão com parentes do embaixador. "Nós propusemos a ele uma reunião, para que conversássemos sobre a situação na Líbia. Ele topou, mas depois acabou chamando a polícia, como se nós tivéssemos invadido a embaixada", contou Mohamed El-Zwei. "Foi nossa sorte, porque a polícia viu que nós não estávamos fazendo arruaça." El-Zwei acaba de fundar uma entidade, a Associação de Amizade e Cooperação Brasil-Líbia, para facilitar o intercâmbio com o novo governo do país árabe. "Nós somos nações amigas. A Líbia quer ser democrática, assim como Brasil", diz.

Nova independência O estandarte escolhido pelos rebeldes líbios é o mesmo utilizado na campanha pela independência do país frente à Itália, conquistada em 24 de dezembro de 1951. Curiosamente, a revolução contra Kadafi começou em Benghazi, a mesma cidade onde ocorreu o golpe de Estado que levou o ditador ao poder, em 1969.