Título: Corpos d'água e o ambiente urbano
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 22/08/2011, Opinião, p. 13

Professor emérito e pesquisador associado do Departamento de Geografia e do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais da UnB

A ocupação de territórios, ao redor do mundo, desenvolveu-se na dependência de um precioso líquido, água. Cerca de 70% do globo terrestre é constituído por superfícies aquáticas, onde têm destaque os oceanos. Todavia, a salinização desses gigantes requer elevada tecnologia para o aproveitamento de suas águas para consumo humano. Portanto, a água doce é a responsável pelo abastecimento dos seres vivos do planeta. E foi em busca de água doce que os primeiros povos assentaram-se às margens de rios: chineses nos vales do Rio Amarelo; egípcios nos vales do Rio Nilo ou nas bordas de lagos; incas no Lago Titicaca; maias no Lago Atitlan.

Os ambientes urbanos e rurais dos dias de hoje também precisam de corpos d"água potável. No meio rural, a água é primordial para a produção. Quando ela é escassa, como em longos períodos de estiagem, recorre-se a variada tecnologia de transporte para obtê-la em locais próximos ou distantes. O exemplo mais recente e mais próximo de nós é a tão discutida transposição do Rio São Francisco para a irrigação do semiárido nordestino. Esse grande projeto faz prever muito tempo ainda para que sítios e fazendas venham a ter a sonhada água transposta. Espera-se que os trabalhos continuem e que o uso da ciência e tecnologia resolva o secular problema da seca nordestina sem prejuízo para o rio e os ribeirinhos.

Mas o que nos toca abordar é a água como elemento primordial da vida urbana. Cada vez mais as cidades, grandes ou pequenas, são dotadas de estações de tratamento de água visando ao consumo doméstico e outras atividades, que fazem parte da estrutura e das funções urbanas. Cada cidade engendra uma forma de captação de água para receber tratamento adequado. Por vezes, é possível buscar água em barragens e rios próximos. No entanto, como é comum hoje em dia alguns corpos d"água se apresentarem tão poluídos que se torna necessária a captação em rios distantes e mesmo no subsolo.

No caso de Brasília, a captação de água potável é feita primordialmente em duas barragens: Santa Maria e Santo Antonio do Descoberto. Agora, pensa-se em captar também no Lago Paranoá e no Rio Corumbá, em Goiás. Provavelmente essas duas opções serão utilizadas nos próximos anos em razão do elevado consumo pela população e pelas atividades de serviço e agro-industriais, em constante crescimento.

A utilização das águas do Paranoá requer precaução, pois o lago se encontra em bacia hidrográfica com considerável depósito de detritos urbanos. A população tende a ignorar os cuidados necessários com a água que se acumulou nessa bacia ao longo dos anos de urbanização da área. Recentemente, foi difundido na mídia local que o fundo do lago é repositório de variada gama de objetos, incluindo materiais de antiga favela, submersa quando do fechamento da barragem. Nas imagens captadas por mergulhadores, aparecem restos de carcaças de veículos, de árvores, pneus, sofás e até mesmo restos de um ônibus. Já houve igualmente denúncias sobre despejo de esgoto clandestino por parte de moradores do Lago Sul e Norte. Também há esgoto e detritos carreados pelos afluentes do lago, como o Riacho Fundo, ribeirões do Gama e Torto, de alguns córregos como o Gerivá, Vicente Pires, Capoeira, Guará e outros.

Merece atenção especial também a poluição do lago por meio de lixo e terra de escavações espalhados pelas ruas e rodovias do DF. É notória a falta de cuidado no transporte de dejetos em toda a área metropolitana. Caminhões, contêineres e caçambas são cobertos ¿ quando o são ¿ com precárias lonas ou plásticos que deixam cair no asfalto o que deveriam transportar com segurança. Esse entulho esparramado no asfalto é carreado pelas chuvas para o Lago Paranoá. O desleixo no transporte de lixo, entulho e terra ocasiona, portanto, dano urbano e ambiental. É difícil avaliar a percentagem exata desses detritos que acaba no Lago Paranoá, riachos, ribeirões e rios. Estima-se que seja bastante alta. Vista aérea da região mostra os cones de dejeção amarelados nos pontos de entrada do lago. Isso reduz drasticamente a lâmina d"água do lago e de seus afluentes.

Desse modo, aos órgãos competentes e transportadores requerem-se medidas para conter o descuido com lixo, restos de obras e terra ao longo das vias. Preservar o Paranoá para o futuro é ensejar seu uso para proporcionar saúde e bem-estar para os moradores, além de embelezamento geográfico e ambiental. Brasília e seus moradores orgulham-se de estarem placidamente assentados às margens de um corpo d"água tão precioso e belo. É preciso preservá-lo.