Uma relação cada vez mais em crise

PAULO DE TARSO LYRA

24/06/2015 
 
Tal qual um casamento em crise, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff estabelecem uma relação cada vez mais conflituosa. Depois de ser criticada pelo criador de estar “no volume morto”, Dilma deu ontem uma declaração lacônica no Rio de Janeiro. Em entrevista depois de uma reunião com integrantes do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Rio 2016, ela afirmou: “Eu acho que todo mundo tem o direito de criticar. Mais ainda o presidente Lula. Até porque ele é muito criticado por vocês”, comentou a presidente, dirigindo-se aos jornalistas.
As palavras da presidente, restritas a isso, foram interpretadas como um recado ao ex-presidente de que ele também é criticado e continua trabalhando. Por isso, ela seguirá atuando exatamente como tem feito até o momento, apesar dos queixumes do ex-presidente. Como se a situação não estivesse complicada o suficiente, no Senado, sem consulta prévia ao líder da bancada Humberto Costa (PT-PE), que não auxiliou na preparação do documento, — os senadores do PT divulgaram documento, em nome da bancada, em solidariedade a Lula. “A bancada do PT no Senado manifesta total e irrestrita solidariedade ao grande presidente Lula, vítima de campanha pequena e sórdida de desconstrução de uma imagem que representa o que o Brasil tem de melhor: sua gente.”

Segundo o documento, a bancada também entendeu que “Lula está muito acima dessa mesquinhez eleitoreira. Não será apequenado pelos que se movem por interesses menores e pelo ódio. Lula é tão grande quanto o Brasil que ele ajudou tanto a construir. Lula carrega em si a solidariedade, a generosidade e a beleza do povo brasileiro”, concluiu a nota.
O documento é lulista do princípio ao fim, exaltando a origem do ex-presidente, de retirante da seca a presidente eleito e reeleito da República. “Ele figura no rol escasso dos líderes que rompem os limites, mudam a realidade, fazem a diferença na vida das pessoas, fazem história.” De quinta-feira para cá, nenhum senador defendeu a presidente Dilma das críticas de Lula no encontro com os religiosos, em São Paulo. “Lula acertou no diagnóstico. A presidente Dilma não pode governar sem fazer política, sem dialogar com a bancada, com os partidos, com os movimentos sociais”, criticou o senador Paulo Rocha (PT-PA), lembrando a descortesia de Dilma em cancelar um encontro com o ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP) quando este já estava em Brasília.

Rocha foi um dos idealizadores da nota em defesa do ex-presidente. Ele lembra que, no início do governo Lula, o petista disse que seria um mascate para “vender o país no exterior”. E que, agora, estão criticando-o e atacando por conta dessas mesmas viagens. Rocha também atesta o fracasso do Congresso do PT em Salvador, que corrobora a tese de Lula de que o partido envelheceu. “Tínhamos um monte de coisas para discutir e ficamos presos em debates mesquinhos de acabar ou não com o PED (Processo de Eleição Direta) para a presidência do PT. A montanha pariu um rato”, resumiu o senador paraense.
Na Câmara, o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), discordou do presidente Lula. “Tenho dois trabalhos: defender o governo Dilma e o PT no Nordeste. E o PT no Nordeste segue firme e forte, estamos muito acima do volume morto. E, no governo, estamos trabalhando. O país vai se surpreender no ano que vem”, afirmou Guimarães. Para evitar atritos com o ex-presidente, ele afirmou apenas que esse tipo de avaliação do governo deveria ser feita internamente, e não externada publicamente.
Em reservado, outros integrantes do governo lamentam que Lula tenha se manifestado publicamente sobre os problemas do Executivo Federal. Para ministros, esse tipo de declaração, neste momento, não ajuda em nada. Ontem, durante a abertura do Congresso Técnico da primeira edição dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, Dilma se mostrou bem humorada, fazendo piadas com a plateia.

» Colaborou André Shalders




Os choques entre criador e criatura

A presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre divergiram ao
longo do primeiro mandato. Após a reeleição, os atritos só aumentaram.


Campanha eleitoral (julho a outubro de 2014)

» Lula defendeu, ainda durante 2014, que Dilma demitisse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para dar uma guinada na política econômica. No meio da campanha eleitoral, Dilma anunciou que Mantega sairia, sem avisar quem entraria em seu lugar.

Montagem do governo (novembro e dezembro de 2014)

» Lula queria emplacar o nome do ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles ou do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco. Dilma sequer convidou Meirelles. Sugeriu Trabuco e este recomendou Joaquim Levy. Foi aceito por ela e por Lula.

» O ex-presidente reclamou que a reeleita preencheu os principais cargos do Palácio do Planalto com pessoas ligadas a ela, escanteando a tendência majoritária do PT, a
Construindo um Novo Brasil.

» Dilma manteve Aloizio Mercadante na Casa Civil. Trouxe Miguel Rossetto para a Secretaria-Geral da Presidência, no lugar de Gilberto Carvalho. E colocou Pepe Vargas na Secretaria de Relações Institucionais (SRI), jogando Ricardo Berzoini para as Comunicações.

» Jaques Wagner, cotado para ser um dos nomes fortes do governo, foi colocado no Ministério da Defesa.

Eleições para as Mesas do ongresso (fevereiro)

» Lula queria que o governo se recompusesse com o PMDB. No Senado, apoiasse a reeleição de Renan Calheiros (AL). Na Câmara, que não comprasse uma briga inglória e sem chances de êxitos contra Eduardo Cunha (RJ). O governo apoiou Renan no apagar das luzes e tomou uma surra de Cunha.

Relação com o PMDB (fevereiro)

» A crise na relação com o PMDB, principal aliado do Planalto, fez com que Lula tomasse café da manhã com Renan Calheiros, já que este abrira guerra com Dilma. Assumiu um papel de articulador político, evidenciando a falta de capacidade do núcleo palaciano em reconstruir pontes.

Ajuste fiscal (março)

» Lula cobrou de Dilma que viesse a público para defender o ajuste fiscal que estava impondo ao país. A presidente demorou uma eternidade para fazer isso, convocou uma cadeia de rádio e televisão no dia Internacional da Mulher e, pela primeira vez, sofreu os efeitos do panelaço.

Agenda positiva (maio)

» Lula reúne-se com Dilma na Granja do Torto para definir a agenda positiva de junho. Para Lula, o governo estava emparedado, sem conseguir criar fatos favoráveis.

Lula solta o verbo (junho)

» Em encontro com religiosos na semana passada, Lula diz que governo está “no volume morto” e que é um “custo convencer Dilma a viajar pelo país”. Na última segunda-feira, disse que o PT envelheceu e que está preocupado apenas com cargos.

Mudanças
A presidente Dilma Rousseff vai promover mudanças na sua estrutura de comunicação social. O atual presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Nelson Breve, cujo mandato se encerra no fim do ano, deixará a empresa para se tornar o novo responsável pela Secretaria de Imprensa da Presidência da República (SIP). Ele entrará no lugar de Olímpio Cruz Neto que, ao lado de Kátia Guimarães, vão se mudar para EBC. Presidir a empresa pública, Dilma colocará o atual diretor-geral da EBC, Américo Martins.