Quando os esquemas de corrupção se cruzam

13/07/2015

Eduardo Militão

João Valadares  

Investigações do petrolão têm ajudado a elucidar pontos de escândalos anteriores. O doleiro Youssef, por exemplo, é elo entre vários acusados de crimes do colarinho branco.

Brasília – Maior ação de combate à corrupção dos últimos tempos no Brasil, a Operação Lava-Jato está ajudando a desvendar outros esquemas envolvendo a criminalidade de colarinho branco, praticada por políticos de várias cores partidárias e grandes empresários. Levantamento do Estado de Minas sobre dados dos inquéritos e processos em andamento aponta que pelo menos cinco robustos casos acabaram por receber novas provas a fim de serem elucidados. Há vários pontos convergentes entre eles. Mensalão, Acrônimo, BNDES, Castelo de Areia e Banestado povoam o noticiário há mais de 10 anos, no entanto, nem todas as apurações resultaram em condenações dos comprovadamente culpados.

O mensalão está relacionado à raiz da Lava-Jato, quando a investigação nem sequer havia chegado a casos de desvio de dinheiro na Petrobras. A partir de 2006, os delegados e agentes da Polícia Federal começaram a rastrear os R$ 4 milhões que o PP recebeu do esquema de compra de votos no Congresso. Os investigadores descobriram que a empresa de instrumentos de medição Dunnel, sediada em Londrina, no Paraná, foi beneficiada com um investimento do ex-líder do PP na Câmara José Janene (PP-PR). O sócio do ex-deputado era o doleiro Alberto Youssef, um dos principais operadores do esquema que sangrou os cofres da Petrobras.

Monitoramento 

A partir dali, a investigação descobriu que o doleiro, que havia acertado delação premiada para interromper atividades criminosas no caso Banestado, continuava a agir ilicitamente. Segundo investigadores ouvidos pelo EM, os passos de Youssef foram monitorados, em vez de se pedir de imediato a quebra de seu primeiro acordo de delação. Os tentáculos do Banestado continuavam em outras operações de lavagem envolvendo ainda o laboratório Labogen, dos irmãos Leonardo e Leandro Meirelles e o doleiro Carlos Habib Chater, dono do Posto da Torre, em Brasília, ponto de partida da Lava-Jato.

Ao apurar com mais profundidade a atuação de Youssef, os policiais e procuradores do Ministério Público chegaram a Paulo Roberto Costa, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, que havia ganho um carro de luxo do doleiro. Com esse indício, um leque gigantesco se abriu na Lava-Jato. Segundo mensagem eletrônica enviada pelo procurador Deltan Dallagnol à rede interna do Ministério Público Federal, a relação entre políticos e empreiteiras só ficou clara e robusta em agosto do ano passado.

Destinatários 

Ao mergulhar no mundo das empreiteiras, procuradores e delegados praticamente “ressuscitaram” a Operação Castelo de Areia, que havia sido desencadeada pela Polícia Federal em 2009 para investigar supostos crimes financeiros e lavagem de dinheiro. No centro da investigação, a empreiteira Camargo Corrêa, uma das envolvidas na Lava-Jato. Sete partidos políticos (PPS, PSB, PDT, DEM, PP, PMDB e PSDB) foram mencionados como supostos destinatários de doações de recursos ilícitos a partir do esquema fraudulento.

Os investigadores também suspeitaram de que a empreiteira teria repassado recursos para Adhemar Palocci, irmão do ex-ministro Antônio Palocci, que chegou a ter o nome envolvido na Lava-Jato. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou o processo por entender que as provas foram colhidas de fontes anônimas.

Agora, os executivos da Camargo Corrêa Eduardo Hermelino Leite e Dalton Avancini fizeram acordo de delação premiada e confessaram que a empresa pagou R$ 110 milhões em propinas para abastecer o esquema de corrupção desvendado no ano passado.

A relação com empreiteiras ainda faz conexão com a recente Operação Acrônimo. Flagrado em seu avião com R$ 113 mil em espécie, o empresário Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, o Bené, preso na operação da PF, teria pedido doação de campanha para o governador de Minas, Fernando Pimentel, já em dezembro de 2013, quando ele ainda era ministro do governo de Dilma Rousseff. É o que mostra uma anotação na agenda do empreiteiro Gérson Almada, dono da Engevix. Não houve ajuda, segundo disse o empreiteiro à Polícia Federal.

As revelações ainda estão levando à Lava-Jato a casos como a construção das usinas de Belo Monte, no Pará, e de Angra 3, no Rio de Janeiro.

Devolução de valores 

O que mais surpreende até os investigadores na Lava-Jato é o volume de dinheiro recuperado. Dos R$ 19 bilhões desviados na Petrobras, R$ 1 bilhão vai voltar aos cofres públicos em pouco mais de um ano. É mais de 20 vezes tudo o que o Brasil recuperou no exterior entre 2003 e 2014. O coordenador a força-tarefa do Ministério Público, Deltan Dallagnol, afirmou ao Correio que foi importante atingir o coração político-empresarial brasileiro.

“O caso Lava-Jato inovou ao avançar as investigações sobre a cúpula econômica e política do país, viabilizando, em menos de um ano, um salto no valor de propinas comprovadas de 240 vezes (de R$ 25 milhões para R$ 6 bilhões)”, disse. De início, o único desvio levantado, eram os recursos mantidos por Paulo Roberto Costa no exterior. Balanço da Petrobras estimou as perdas com corrupção em R$ 6 bilhões. Laudos da PF apontam perdas de R$ 19 bilhões. “A Lava-Jato significou uma importante reação contra estruturas de injustiça que são comandadas por cúpulas que têm poder e influência para mudar esse estado de corrupção endêmica, mas permanecem inertes porque se beneficiam dele.”

Dallagnol destaca as acusações criminais contra mais de 100 pessoas. “Só foi possível em razão da atuação integrada do Ministério Público, Justiça e Polícia Federal, de uma atuação isenta, mas firme, do Judiciário, e do uso de colaborações premiadas”, avalia.