Valor econômico, v. 16, n. 3776, 13/06/2015. Política, p. A3

 

Peso da inércia na inflação dificulta meta de 2016

 

Por Flavia Lima | De São Paulo

 

Leo Pinheiro/ValorFernando de Holanda Barbosa, da FGV: "Para vencer a inércia vamos ter que pagar um preço de período recessivo"

A preocupação da autoridade monetária com a indexação de preços - citada algumas vezes em pronunciamentos mais recentes - não é gratuita. No caso da indexação dos salários, por exemplo, embora seja usada para proteger o poder de compra dos agentes, acaba alimentando o reajuste de preços com base na inflação passada, compondo o que os especialistas chamam de "inércia inflacionária" (que nada mais é do que a reprodução da inflação passada e tem como forma mais comum justamente o mecanismo de indexação).

A expectativa é que, em 2015, a inércia continue com um peso próximo ao registrado no ano passado, contribuindo com cerca de 10% da inflação do período. A questão agora é saber como ela vai se comportar em 2016 já que, pela primeira vez em muitos anos, a inflação herdada de 2015 ficará perto dos 9%. Por enquanto, o certo é que o peso da inércia na inflação é crescente e prejudica os esforços da autoridade monetária em circunscrever, como deseja, os efeitos da inflação a este ano, de forma a trazê-la ao centro da meta em dezembro de 2016.

Em nova metodologia, apresentada no último relatório trimestral de inflação, o Banco Central aponta que o peso da inércia na inflação é crescente. Ela respondeu por 5,3% da inflação em 2012, contribuição que deu um salto para 10,8% da taxa de 2013, chegando a 10,9% do índice do ano passado. E já há quem ache que esse impacto pode praticamente dobrar em 2016.

Adriana Molinari, da Tendências Consultoria, diz que a variável deve contribuir com algo em torno de 1,1 ponto percentual de uma inflação medida pelo IPCA de 5,4% em 2016 - ou seja, a inércia vai responder por quase 19% da inflação do próximo ano, bem acima da média dos últimos anos, impactada basicamente pela inflação passada muito forte, que, nas contas da consultoria, deve alcançar 8,9% em 2015.

Adriana não despreza os impactos relevantes do mercado de trabalho desaquecido sobre inflação. Ela conta com reajustes reais salariais eventualmente menores no próximo ano, com uma maior dificuldade de negociação diante de uma inflação de 9%. "De todo modo, o IPCA indexa vários preços da economia, então acho que o peso da inércia deve ser relevante no ano que vem", diz. "O que certamente atrapalha os planos de trazer a inflação para o centro da meta em 2016".

Marcela Rocha, economista da gestora de recursos Claritas, faz algumas ponderações. Ela avalia que a tendência seria mesmo esperar um impacto ainda mais forte da indexação sobre os preços no ano que vem, mas destaca que a deterioração do mercado de trabalho em ritmo bem mais avançado do que o esperado abre espaço para que a inércia acabe contribuindo com a inflação de 2016 no mesmo nível dos últimos dois anos - perto de 10% da inflação. "O embate no campo inflacionário certamente será entre mercado de trabalho e inércia", diz.

Para Marcela, diante do salto de mais de dois pontos percentuais na inflação de 2014 para 2015 e do forte impacto que isso deve ter sobre o reajuste de salários, a tendência realmente seria esperar maior participação da inércia na inflação em 2016, mas os movimentos inéditos de rápida deterioração no mercado de trabalho não podem ser ignorados. Além da taxa de desemprego em alta, diz Marcela, há queda da renda real também muito veloz e muito mais grave do se esperava.

Em meio a esse cenário, os serviços - categoria mais atingida pela indexação, especialmente os serviços intensivos em trabalho, que representam 25% de todos serviços - têm alta correlação com os salários de admissão do Caged, que estão em queda na comparação anual, em termos reais, de mais de 1%. Logo, resume a economista, a participação da inércia na inflação neste ano ainda continua relevante, mas para o ano que vem o grau de convicção se reduz bastante.

Leonardo Costa França, da Rosenberg & Associados, concorda. "A inércia vai ter um impacto nos preços no ano que vem, mas espera-se que a desaceleração econômica seja tal, aliada ao aperto monetário e à reversão da política fiscal, que supere esse efeito, contribuindo para desaceleração da inflação", afirma.

Os especialistas reforçam que a queda esperada para o IPCA entre 2015 e 2016 - de três pontos percentuais (quase 9% para perto de 5,5%) - é relevante, ainda que o índice não alcance o centro da meta. Entre os fatores apontados para que o centro da meta não seja atingido estão não só a inércia, pegando principalmente os serviços, com reajuste expressivo nominal do mínimo, como também a depreciação adicional de câmbio e a desancoragem das expectativas.

Para Fernando de Holanda Barbosa, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e um estudioso da inércia, se o BC quiser mesmo atingir o centro da meta de inflação, como vem sinalizando mais recentemente, vai ter que subir mais os juros. "Para vencer a inércia vamos ter que pagar um preço de período recessivo. Não existe outro mecanismo, não há outra saída para que a sociedade mude o seu comportamento e aceite um novo patamar de inflação".

O custo social disso, ressalta, será o desemprego e o aumento da capacidade ociosa das empresas. "Se o BC persistir com essa política, não tenho dúvida que em 18 meses teremos inflação mais baixa. O problema é aguentar o tranco nesse período", diz.

 

Índice que reajusta salário sobe mais que IPCA e atrapalha BC

 

Por Denise Neumann | De São Paulo

Nos últimos 10 anos, 94% dos acordos salariais fechados no país garantiram aos trabalhadores, pelo menos, a correção anual pela inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Nos últimos 12 meses, a inflação coletada por esse indicador já está em 8,76% e passou de 10% em três capitais. Essa trajetória sugere que ele pode chegar a 9% no fim do ano, percentual que vai reajustar o salário mínimo de 2016. Assim, em um ano no qual o Banco Central pretende fazer a inflação oficial convergir para 4,5%, apenas a reposição da inflação pode ser suficiente para complicar os planos da autoridade monetária.

Até 2003, entre um terço e metade dos acordos salariais feitos pelos sindicatos não garantiam a reposição da inflação. Mesmo nos anos de inflação baixa, essa foi a regra. Desde 2004, quando a política de conceder aumentos reais ao salário mínimo foi acompanhada pela recuperação da economia (e mais tarde pela forte redução do desemprego), a imensa maioria das negociações salariais passou a corrigir os rendimentos pela inflação passada e mais da metade passou a pagar também um aumento real.

 

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A expectativa é de um cenário mais difícil para as negociações em 2015 e início de 2016. Mesmo se parte da inflação não for reposta, o "degrau" desinflacionário entre 2015 e 2016 - que pode ficar entre 3 e 4 pontos percentuais, considerando as expectativas da autoridade monetária - fará com que parte dos trabalhadores chegue ao próximo ano com um ganho real de salários expressivo quando a perspectiva passa a ser a inflação futura. Os trabalhadores não aceitam essa lógica, mas é ela que age sobre a expectativa de inflação, um componente que muitos economistas consideram fundamental na trajetória da inflação.

Clemente Ganz Lucio, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (Dieese), diz que as negociações salariais serão mais adversas neste ano e os reajustes tendem a ser mais parecidos com a realidade pré-2003, quando uma parcela maior dos acordos não repunha a inflação integralmente. Ao mesmo tempo, diz, a correção do salário mínimo pelo INPC pressiona os pisos salariais das categorias cujo valor já é próximo da referência nacional. Isso é uma realidade nos Estados do Norte e Nordeste e em categorias do setor de serviços como limpeza e alimentação, áreas que usam profissionais de menor qualificação.

Para Ganz Lucio, em momentos como o atual, o movimento sindical tende a dar prioridade à defesa do emprego, embora isso não seja sinônimo de aceitar perda salarial. Ele pondera que alguns sindicatos já começaram a fazer acordos por empresa negociando redução simultânea de jornada e de salários.

O economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, considera que esse momento de mudança de patamar da inflação será uma "travessia difícil" e as negociações salariais são a parte mais complicada da indexação ainda presente na economia brasileira. Depois do alto INPC de maio - que subiu 0,99% - ele estima que a média das projeções do mercado vão apontar para um aumento de 9% nesse ano e de 5,4% no próximo ano, considerando o que já estava embutido no boletim Focus.

Os salários que forem corrigidos pela inflação passada no começo de 2016 (o mínimo entre eles) ganharão cerca de 3% real até o fim de 2016, argumenta Montero. A lógica da indexação, diz, é que ela tira poder de compra dos salários quando a inflação sobe, mas quando ela cai, há ganho real no poder de compra. Se todos os preços se recuperam, não há o rearranjo necessário para que os custos caiam, continua ele. "É desagradável dizer isso, mas em uma situação de ajuste é preciso haver perdedores e a inflação é uma forma de realocar perdas", diz Montero.

O ideal, continua, é que o ajuste fosse feito em custeio da máquina pública, juros e outros preços e que a produtividade subisse para garantir ganho renda aos assalariados, mas no curto prazo esse não é o cenário. "Não estou dizendo que os salários estão altos ou não, mas o aumento acima da produtividade nos últimos anos os tornou um problema de custo a ser ajustado", acrescenta.

No campo nas negociações salariais, o aumento do funcionalismo será uma "prova de fogo" para o governo, diz Montero. O último acordo foi negociado em 2012 e previu 15,8% ao longo de três anos. Essa negociação foi feita, lembra o economista, no único momento do mandato de Dilma Rousseff em que a inflação em 12 meses estava abaixo de 5%. esse quadro criou a expectativa positiva de inflação menor a frente, o que possibilitou um acordo que ficou a baixo da inflação ao longo dos três anos, mas ajudou a manter as despesas com pessoal estáveis.

O quadro agora é completamente diferente. Por isso, diz Montero, a expectativa de inflação é um elemento fundamental das negociações futuras, entre elas a do funcionalismo. É preciso convencer que 9% de inflação é passado e que o futuro será bem mais comportado. "É mais difícil negociar 5% para a frente quando a inflação está em 9%", acrescenta.

Ganz Lucio, do Dieese, diz que essa não é a lógica do movimento sindical (olhar para a inflação futura). Olhar para a frente, diz ele, seria uma guinada importante, mas não poderia valer apenas para os salários, e teria que envolver diferentes contratos da economia, inclusive algumas tarifas públicas. "Ela pressupõe aceitar uma perda e transitar para outro modelo", argumenta ele, mas isso não pode valer só para salários, reforça.