Valor econômico, v. 16, n. 3778, 17/06/2015. Brasil, p. A3

 

TCU poderá ouvir governo antes de reprovar as contas

 

Por Murillo Camarotto | De Brasília

 

Ruy Baron/ValorVoto do relator, Augusto Nardes, vai direcionar comportamento do plenário

A possibilidade de uma inédita rejeição das contas do governo pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ganhou força ontem e abriu um debate sobre o direito de defesa da presidente Dilma Rousseff. Com a adesão de mais um ministro, o placar informal do julgamento reverteu a tendência verificada no dia anterior, apontando maioria favorável à reprovação das contas. Diante disso, surgiu um questionamento sobre a abertura de espaço para o contraditório, o que poderia, inclusive, resultar no adiamento da votação, marcada para às 10 horas de hoje.

A questão foi levantada pelo ministro Benjamin Zymler e debatida na noite de ontem pelos nove membros titulares do TCU. "Vamos buscar um consenso, se não no mérito do julgamento, na forma como trataremos a questão", disse um ministro que pediu para não ter seu nome publicado. Até o fechamento desta edição, a reunião não havia terminado.

Como as contas do governo jamais foram rejeitadas pelo TCU, a questão do direito ao contraditório não tinha entrado em debate. Foi citado como exemplo para os ministros uma situação ocorrida em 1997, em Pernambuco, quando o então governador, Miguel Arraes, soube que teria as contas reprovadas e conseguiu uma liminar suspendendo o julgamento.

A reunião de ontem, portanto, só faria sentido em um cenário de rejeição. Nos cálculos dos ministros, a reprovação já tem os cinco votos necessários para obter maioria simples. Eles viriam dos ministros Vital do Rêgo, Bruno Dantas, Raimundo Carreiro e Ana Arraes, além do relator, Augusto Nardes.

O rumo do julgamento depende do voto de Nardes. A interpretação é de que se ele recomendar a rejeição, será seguido pela maioria, mas se optar pela aprovação das contas, poucos ministros tomariam a iniciativa de abrir divergência. Na última semana, Nardes foi alvo de fortes pressões de membros do governo e da oposição.

Somente ontem, por exemplo, ele recebeu as visitas do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e de uma comitiva de deputados da oposição. Conforme informou o Valor, os oposicionistas só começaram a se movimentar quando sentiram o cheiro de aprovação das contas de Dilma. Antes deles, no entanto, o governo fez uma pesada articulação, que envolveu o vice-presidente, Michel Temer, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.

O grupo dos defensores da rejeição ganhou ontem o apoio do Ministério Público que atua no TCU. Em uma carta enviada aos ministros, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira fez duras críticas às manobras fiscais e apontou uma possível fraude na programação orçamentária referente a 2014.

Documentos obtidos pelo Valor apontam que, em 12 de fevereiro do ano passado, o Ministério do Trabalho (MTE) informou ao Planejamento que precisaria de um aporte suplementar de R$ 9,2 bilhões para o pagamento dos benefícios do seguro-desemprego e do abono salarial. O MTE também alertou para uma expectativa de frustração de receitas da ordem de R$ 5,3 bilhões no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Os pleitos, entretanto, não teriam sido contemplados no decreto que determinou a programação financeira e orçamentária e fixou o cronograma de desembolsos. "Não bastasse a grave omissão, a necessidade de suplementação orçamentária e reavaliação da projeção das receitas do FAT não foram consideradas", diz o procurador.

Em nota, o Ministério do Planejamento negou que tenha ignorado os pedidos do MTE. O argumento é que esse tipo de solicitação é bastante comum e que não gera, necessariamente, obrigação de atendimento. O ministério informou ainda que, no caso citado, os pedidos não foram atendidos pois já havia "decisão do governo de encaminhar medidas de redução de gastos dos programas de seguro-desemprego e abono salarial".

Se a maioria dos ministros rejeitar as contas do governo, será um fato inédito. Em 1937, o ministro Francisco Thompson Flores sugeriu a reprovação das contas de Getúlio Vargas, mas foi voto vencido. A rejeição, na verdade, é uma recomendação ao Congresso Nacional, que desde 2002, ainda no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não avalia as contas.

Levy quer reajustar taxas federais para obter R$ 1 bi

 

Por Leandra Peres | De Brasília

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, finaliza os planos para um amplo reajuste nas taxas, tarifas e emolumentos cobrados pelo governo federal. Parte dos reajustes precisa ser feito por meio de medida provisória, outra parte por atos administrativos. A ideia é que os serviços e taxas cobrados pelo governo sejam corrigidos de acordo com a inflação desde o último reajuste. Estes aumentos podem render até R$ 1 bilhão ao Tesouro Nacional num ano.

Entram nesta lista desde as taxas cobradas das empresas de telefonia para habilitação de celulares, até aquelas que financiam registro de companhias na Comissão de Valores Mobiliários e uso do sistema de informações do pelo Banco Central, o Sisbacen.

De acordo com integrantes da equipe econômica, o ministro determinou que fosse feito um levantamento geral e descobriu-se, por exemplo, que há algumas cobranças que foram convertidas para reais em 1994, ano de lançamento do Plano Real, e nunca mais foram corrigidas.

Os aumentos ainda não foram adiante porque há uma discussão jurídica no governo sobre quais destas cobranças devem seguir o princípio da anterioridade e só entram em vigor no ano seguinte à publicação da MP e quais são atingidos apenas pela noventena, que permite a vigência do reajuste depois de 90 dias.

Há também uma dificuldade adicional do ponto de vista fiscal. A maior parte destas taxas tem destinação específica, ou seja, os órgãos que arrecadam são obrigados a usar os recursos para o fim determinado em lei. Desta forma, um aumento na cobrança significa que haverá mais recursos disponíveis nos órgãos, mas não que o dinheiro arrecadado a mais poderá substituir dotações orçamentárias e aumentar a folga de caixa do governo.

No caso de fundos, como é o Fistel, pago pelo setor de telecomunicações para sustentar as fiscalizações, há impacto direito no superávit primário da União. Estas receitas também são vinculadas, mas o saldo existente no fundo é considerado parte do esforço fiscal do governo. Desta forma, um aumento de tarifas que eleve a arrecadação do fundo, também ajudará no resultado primário.

A revisão nas taxas cobradas pela União faz parte do esforço do governo para reforçar a arrecadação do Tesouro Nacional, que vem sofrendo quedas sucessivas com a piora na economia. Informalmente, o governo já discute a necessidade de reduzir a meta de superávit primário deste ano, que está estimada em 1,2% do PIB.

A orientação dada pelo ministro Levy é que buscar alternativas de receita que não impliquem a criação de novos tributos, já que há resistência no Congresso para aprovação deste tipo de medida. Além das tarifas, o governo já elevou os preços das apostas em loterias e também estuda um projeto de repatriação de recursos de brasileiros no exterior. São todas alternativas de curto prazo.

A aposta da Fazenda para melhorar as contas do ano que vem, cuja meta de primário é de 2% do PIB, é o projeto que reduz a desoneração da folha de pagamentos das empresas. O ministro Levy quer reduzir o benefício atual à metade, mas enfrenta resistência do Congresso, que prefere manter o corte de impostos para alguns setores.