Valor econômico, v. 16, n. 3778, 17/06/2015. Empresas, p. B3
Setor vive uma crise profunda e estima demitir mais 4 mil
Por Ivo Ribeiro e Renato Rostás | De São Paulo
Lopes: a indústria de transformação definha há vários anos e o governo mostra-se mais preocupado com o ajuste fiscal
A indústria brasileira do aço enfrenta sua maior crise desde 2009, quando foi atropelada pela debacle do banco Lehman Brothers, nos EUA, em setembro de 2008, que arrastou toda a economia mundial. Na época, teve de fechar seis altos-fornos, mas praticamente não foi obrigada a demitir. Agora, acaba de registrar recuo nas vendas interna, em maio, acima de 22% sobre o volume de um ano atrás, e o consumo aparente do mercado no país, somando importação com despachos locais, teve retração de quase 23%.
Neste momento, o setor já computa 11,2 mil demissões de funcionários desde junho de 2014. Além disso, 1,4 mil trabalhadores - a maioria da fabricante de tubos Vallourec-Sumitomo, em Minas, entraram em regime de "layoff" (suspensão temporária de contratos de trabalho). A Usiminas desativou dois de seus altos-fornos no início do mês.
Outros 4 mil postos de trabalhos do setor é quase certo que serão cortados nos próximos meses se a situação de fraca demanda persistir. Essa é a projeção do Instituto Aço Brasil, que reúne as siderúrgicas locais, em levantamento inédito da situação operacional de cada uma das empresas no país. "No momento, temos 20 unidades de produção desativadas ou paralisadas, sendo dois alto-fornos, quatro aciarias e quatro laminadores", afirmou Marco Polo de Melo Lopes, presidente-executivo da entidade.
Segundo ele, o problema pode se agravar ainda mais se não houver medidas para toda a cadeia produtiva da indústria de transformação do país. "Em 2009, o mundo inteiro, exceção de China e Índia, mergulhou numa crise enorme. Agora, o Brasil vive, devido a seus problemas, uma crise grande, enquanto outras economias, como EUA e União Europeia, vêm apresentando desempenho bem melhor", avalia Lopes.
De janeiro a maio, as vendas das siderúrgicas locais só não são piores que a de igual período de 2009. Na época, desabou mais de 41% sobre o ano anterior, como mostram números compilados pelo instituto. O mesmo pode se dizer para o consumo aparente, que nas mesmas bases de comparação tiveram retração de 37,8%.
Com a crise de consumo nas indústrias automotiva - projeção de 20% neste ano -, de bens eletrodomésticos, na construção civil (forçada a reduzir lançamentos), e de máquinas e equipamentos, a siderurgia opera no acumulado de 12 meses, até o fim de maio, com utilização abaixo de 70% da capacidade instalada de produção. As siderúrgicas estão aptas a fabricar 49 milhões de toneladas de aço bruto por ano. Fizeram 34 milhões.
As principais produtoras são Usiminas, CSN, Gerdau (que paralisou usinas no ano passado), ArcelorMittal, Votorantim, V & M (tubo), Aperam e ThyssenKrupp CSA.
Com as demissões de pessoal que deverão se efetivar nos próximos meses, o índice de corte da força de trabalho no setor deve atingir 12,5%, comparado aos 122 mil empregados pela indústria no início do ano passado.
Para Lopes, o setor enfrenta uma grave situação conjuntural, diante da retração da economia do país, com PIB negativo e impacto sobre setores que consomem mais de 80% de aço no país. De outro lado, problemas de ordem estrutural, como câmbio desalinhado em relação aos concorrentes diretos (China, Rússia, Turquia e outros países), energia mais cara do mundo, carga tributária pesada e juros elevados.
"A indústria de transformação no Brasil definha a cada dia, há vários anos, e, nos últimos meses o governo mostra-se mais preocupado com o ajuste fiscal, sem olhar o problema da indústria", afirma. De 25% de peso no PIB do país, já está na faixa de 9% a 10%.
Segundo afirma, não ha competitividade para exportar e muito menos para barrar importações, que crescem mês a mês, principalmente da China, tanto diretas como indiretamente (bens como autopeças, que levam aço).
Resultado disso, aponta, é que o setor adiou investimentos de US$ 2,1 bilhões. Pelos cálculos do Aço Brasil, com isso deixaram de ser criados 7,2 mil empregos diretos. Vários projetos foram congelados, caso da ArcelorMittal, em João Monlevade (MG) - unidade de alto-forno e aciaria - e em São Francisco do Sul (SC), uma nova linha de aço galvanizado para setor automotivo. No total, existem 21 equipamentos encaixotados, entre eles fornos laminadores.
Ontem, o Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), dedicado ao mercado de aços planos, decidiu revisar sua projeção de vendas para este ano após análise da crise da siderurgia. Passou de retração de 5% para 12%. Se as projeções para junho se confirmarem, a rede prevê recuo de vendas de 18,7% neste semestre, disse Carlos Loureiro, presidente do Inda.
Lopes informou que e Aço Brasil e quatro outras entidades da cadeia de transformação - Abimaq, Sindipeças, Abitam e Sicetel - pediram uma audiência urgente ao Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para expôr a situação do setor. "É a maior crise da siderurgia brasileira em sua história", arremata.
Produtores mundiais de aço pedem medidas contra China
Por Stella Fontes | De São Paulo
Dez grandes associações representativas da indústria siderúrgica global pediram a governos de diferentes países que adotem medidas contra a nova política siderúrgica chinesa e a sobrecapacidade de aço no país asiático, em declaração conjunta divulgada ontem.
No documento, as entidades responsabilizam a China por "um novo padrão de normalidade" na indústria siderúrgica global, que é marcado pelo crescimento lento e pelo "drástico aumento de importações de aço desleais, alimentado por uma imensa sobrecapacidade".
"Pairando sobre tudo isso está a China, cuja imensa e crescente sobrecapacidade em tempos de crescimento lento desestabilizam o mercado siderúrgico global e os fluxos comerciais", apontam as entidades, que alertam ainda para os riscos de se considerar uma economia que ainda é controlada pelo Estado, conforme demonstra a indústria siderúrgica chinesa, como uma economia de mercado.
O grupo de associações que assina o comunicado, entre as quais a Aisi (American Iron and Steel Institute), Eurofer (The European Steel Association), Alacero (Asociación Latinoamericana del Acero), Aço Brasil, Canacero (entidade do setor no México) e Turkish Steel Producers Association, alerta ainda para a necessidade de adoção de medidas imediatas e eficientes.
"Reiteramos nosso apelo para que cada governo nacional lide com essa questão em seus países e envide todos os esforços em sua própria diplomacia comercial e em regulamentos para enfrentar e desafiar tais políticas estatais que estão alimentando a sobrecapacidade, que é a raiz da crise da indústria siderúrgica, e viabilize condições de concorrência equitativas no mercado siderúrgico", dizem. Informam que relatórios compartilhados entre as associações da Ásia, das Américas, e da Europa, em recente reunião da Comissão Siderúrgica da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostraram "semelhanças estarrecedoras".
Segundo o documento, um dos problemas a serem enfrentados em breve é a declaração da China de que o país deverá ser tratado como economia de mercado pelos membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) a partir de 2016. "A determinação individual de cada nação terá grandes consequências pela forma como partes lesionadas pelo dumping das importações chinesas serão capazes de se recuperar das lesões incorridas. Conforme o setor siderúrgico chinês claramente ilustra, a China ainda não atende aos requisitos para ser uma economia de mercado", dizem as associações.
A sobreoferta de aço chinês é estimada em 425 milhões de toneladas métricas e a ausência de uma política de redução desse volume comprovaria que a China ainda é uma economia controlada pelo Estado, diz o documento. As entidades dizem que vão colabora para defender a tese perante os governos para que julguem de forma cuidadosa os critérios antes de quaisquer declarações ou decisões que possam prematuramente reconhecer a China como uma economia de mercado.