Correntes que dominam PT mudam tom e retiram ataques ao governo em documento
 
Depois de apelo público da presidente Dilma, as principais correntes do PT recuaram dos ataques ao ajuste fiscal. Nos textos a serem analisados no congresso do partido, as críticas ao ministro Joaquim Levy (Fazenda) foram substituídas pela condenação ao neoliberalismo. Alfinetadas a Dilma deram lugar a elogios à sua “competência”.
 
SÃO PAULO e BRASÍLIA- As correntes que dominam o PT recuaram e excluíram críticas ao governo Dilma Rousseff que seriam apresentadas em seu 5 º Congresso, que começa amanhã em Salvador. Após Dilma ter defendido o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a principal tendência do partido, da qual fazem parte o ex- presidente Lula e o presidente do PT, Rui Falcão, divulgou novo texto no qual elimina referências ao ajuste fiscal, embora faça críticas ao “modelo neoliberal”. O documento, que também eliminou grande parte da autocrítica ao comportamento do partido, deverá ser endossado pela segunda maior força da sigla, a Mensagem ao Partido.
 
O congresso do PT tem o objetivo de aprovar as resoluções que embasarão a atuação do partido nos próximos anos. As correntes que chegaram a um consenso compõem as chapas que disputaram o último processo de eleição da legenda, em 2013. As duas principais, a Partido que Muda o Brasil ( PMB) e a Mensagem ao Partido, têm 74% dos 800 delegados do congresso.
 
Em documento divulgado anteontem, um dos coordenadores da PMB, Francisco Rocha, afirmara que os dirigentes deveriam ter cautela nas críticas, porque fazem parte do governo e, assim, têm “telhado de vidro”.
 
Dilma não irá à abertura do Congresso do PT
Na tese original da PMB, divulgada em março, a chapa afirmava que parte dos eleitores da presidente Dilma estava “perplexa e desmobilizada”. Ainda criticava o governo por não ter consultado a sociedade sobre as medidas econômicas. Segundo o documento, o ajuste havia “recaído mais sobre os trabalhadores do que sobre outros setores das classes dominantes”.
 
Agora, logo no primeiro parágrafo do novo documento, os petistas dizem se fiar “na determinação e competência do governo da presidente Dilma para nos liderar nesta travessia”. A presidente, porém, informou que não irá à abertura do evento, devido à sua viagem oficial à Europa. Ela só deve ir a Salvador no sábado. Em seu discurso, defenderá o ajuste fiscal.
 
Integrantes da cúpula do PT pressionam para que Dilma antecipe sua volta da Bélgica a tempo de participar da abertura do congresso, ao lado de Lula, amanhã à noite. Apesar de Rui Falcão afirmar que a participação de Dilma é certa, outros dirigentes não descartam que ela desista, a depender do clima do evento.
 
Para contemplar reivindicações de correntes mais à esquerda do PT, a cúpula petista incluiu no novo documento propostas como a taxação de grandes fortunas, a revisão da política de juros altos, a criação de faixas de Imposto de Renda e a recriação da CPMF. O texto cita a construção de “uma pátria socialista”, termo inexistente na tese original da chapa majoritária.
 
Termo “ajuste fiscal” desaparece do texto
Dos 82 itens do novo documento, os 30 iniciais são dedicados a analisar a conjuntura econômica mundial e brasileira, numa forma de justificar o ajuste fiscal, expressão que não aparece em nenhum momento.
 
— Não é preocupação de confrontar ou não ( o governo). As coisas estão acontecendo, e estamos entendendo o projeto. O governo é liderado pela presidente Dilma Rousseff, que é do PT. Foi feito um processo de ajuste, e isso já está encaminhado. A presidente agora está propondo medidas que buscam uma agenda positiva, de investimento— afirmou o secretário- geral do PT, Florisvaldo Souza, da PMB.
 
Os líderes da Mensagem decidiram apoiar o documento como texto- base do Congresso. Em carta aos delegados, divulgada ontem, a Mensagem mudou o tom das críticas. Em vez de citar a “inflexão conservadora na gestão macroeconômica contraditória com o programa eleito”, como constava na tese original da chapa, diz que o PT deve se “posicionar por uma mudança na orientação geral da política econômica”.
 
Proposta de criar frente de esquerda
O secretário de Formação Política do PT, Carlos Árabe, representante da Mensagem na direção nacional, afirmou que o texto da PMB não alivia os ataques à política econômica do governo:
 
— É um texto importante porque critica as orientações neoliberais para a economia. É muito crítico ao que está sendo feito hoje no Brasil, talvez seja mais crítico do que as outras teses — disse Árabe.
 
A defesa da criação de uma frente de esquerda, já presente na tese original, é aprofundada pela PMB. “Nossa proposta é a constituição de uma nova coalizão, orgânica e plural, que se enraíze nos bairros, locais de estudo e trabalho, centros de cultura e pesquisa, capaz de organizar a mobilização social, o enfrentamento político ideológico”, diz o documento.
 
Há referência indireta às dificuldades impostas pelos presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), e do Senado, Renan Calheiros ( PMDBAL). “Setores dos partidos de centro se sentiram mais à vontade para recompor um bloco com as forças de direita em um momento de dificuldades para o PT e o governo da presidenta Dilma”.
 
Mudança de tom na tese da chapa majoritária no congresso do PT
Dilma Rousseff
 
Como era:
"Os derrotados de outubro de 2014 conseguiram mobilizar amplos setores da sociedade brasileira, que vão além dos eleitores de Aécio Neves. Enquanto isso, parte da maioria que elegeu Dilma Rousseff está perplexa e desmobilizada".
 
Como ficou:
"O PT vem a público apresentar propostas de superação das dificuldades do momento, ao tempo em que nos fiamos na determinação e competência do governo da presidenta Dilma para nos liderar nessa travessia".
 
Política econômica e ajuste fiscal
 
Como era
"É problema, porém, que a sociedade não tenha sido consultada sobre as medidas, apenas informada a posteriori, e que o peso do ajuste proposto tenha recaído mais sobre os trabalhadores do que sobre outros setores das classes dominantes".
 
Como ficou
"A nova realidade impõe um desmonte progressivo do rentismo, um combate implacável aos saudosistas do neoliberalismo a fim de recuperar a soberania financeira do Estado".
 
 

Armínio e Malan duvidam da eficácia das medidas anunciadas por Dilma

 

Os comandantes da política econômica dos governos tucanos, o ex- ministro da Fazenda Pedro Malan e o ex- presidente do Banco Central Armínio Fraga, demonstraram ontem descrença em relação ao ajuste fiscal proposto pelo governo Dilma Rousseff.

Armínio disse temer que o ajuste fiscal em curso se concentre em aumento de impostos:

— Eu temo que, no final das contas, nós acabemos aumentando mais imposto do que cortando gasto. E temo também pela qualidade dos cortes. E temo que mais adiante esse ajuste não seja suficiente — afirmou Armínio, após participar de seminário do Instituto Brasiliense de Direito Público ( IDP), em Brasília.

Segundo ele, a entrada de Levy no governo petista está ligada à condição econômica difícil do país.

— Acho que todo mundo sabia o que estava fazendo. Agora, se eles vão se entender ou não, são outros quinhentos — afirmou Armínio.

Já o ex- ministro Pedro Malan disse que o governo é vítima de suas próprias “armadilhas” e “emboscadas”:

— O governo às vezes tem que lidar com armadilhas, como é o caso da situação atual, que são da sua própria lavra, por determinadas decisões que agora têm que ser enfrentadas a um custo elevado — apontou Malan, durante uma palestra para cerca de 150 estudantes organizada pelo Diretório Central dos Estudantes ( DCE) da PUC- Rio.

Malan citou que, no governo Lula, foi tomada a decisão de acelerar o crescimento da economia brasileira com a liderança do setor público e das empresas estatais, o que ampliou os gastos públicos.

Para o ex- ministro, “o Orçamento ainda tem gordura”, e é preciso fazer uma avaliação criteriosa dos programas do governo.

— Isso deveria estar sendo feito ministério por ministério, e não está. É difícil fazer quando se tem 39 ministérios — criticou o ex- ministro.

Em São Paulo, a ex- candidata à Presidência Marina Silva ( PSB) também atacou as medidas adotadas pelo governo federal e se juntou a algumas correntes petistas, ao argumentar que os trabalhadores é que estão sendo penalizados pelos cortes propostos pelo governo Dilma:

— No momento em que a população mais precisa de seguro- desemprego porque está ficando desempregada, são criadas barreiras para o acesso ao seguro- desemprego. No momento em que a sociedade precisa ser treinada para ter a esperança de um novo posto de trabalho, estão reduzindo os recursos do Pronatec pela metade. Há uma contradição muito grande entre as necessidades reais do país e aquilo que está sendo feito.

 

Joaquim Levy: ‘ Agora é São Cristóvão’

 

Bem- humorado no lançamento do plano de infraestrutura com foco nos transportes, o ministro Levy evocou São Cristóvão, padroeiro dos motoristas. Após ser comparado a Jesus pelo vice- presidente Michel Temer, e de ter sido defendido pela presidente Dilma Rousseff, para quem ele não pode ser tratado como Judas, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, apelou para São Cristóvão, padroeiro dos motoristas. Na saída do anúncio do programa de concessões na área de logística, ele disse a jornalistas, que lhe perguntavam sobre as comparações feitas na véspera:

— Agora é São Cristóvão, que é o padroeiro dos transportes. Hoje é o dia da infraestrutura!

Levy disse que o ajuste conduzido pela equipe econômica é fundamental para o sucesso do novo programa, pois garante a estabilidade para atrair investidores.

Ele comentou a próxima medida do ajuste a ser votada pelo Congresso: o aumento da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento das empresas. Segundo Levy, os parlamentares, assim como o setor produtivo, entenderam a importância de se estabilizar o financiamento da Previdência Social:

— O Congresso está analisando com muita seriedade e entendendo o que muitas empresas já entenderam: a importância de se estabilizar o financiamento da Previdência Social, que é fundamental para a população

O ministro voltou a receber apoio. Num duro ataque à política econômica do primeiro governo Dilma, a senadora Marta Suplicy ( sem partido- SP) disse que Levy “não é Judas nem Cristo”. Na opinião da ex- petista, os responsáveis pela situação da economia são Dilma, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o exministro da Fazenda Guido Mantega:

— O inevitável estouro das contas públicas não foi obra do Espírito Santo nem de Judas, mas de pessoas de carne e osso. Colocar agora o Levy, que jamais fez parte desse trio que levou o país à situação em que está, no poste de Judas ou na cruz de Cristo é praticar uma manobra diversionista. O ministro não tem a mínima culpa pelo pecado original do governo. Levy não merece comparação a um traidor, nem a um mártir.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad ( PT), também defendeu Levy:

— Não ouvi críticas formais do PT a ele. Ouvi debate interno, mas não manifestação oficial do partido. Levy é um bom técnico, que está auxiliando a presidenta, e certamente vamos retomar o crescimento antes do que se espera — disse.