Tragédia humana

10/07/2015

Rodrigo Craveiro

“Do que eu mais sinto falta? Da comida”, sorri Salim Hassan, diretor de arte de 39 anos que abandonou sua casa no campo de refugiados palestinos de Yarmouk, em Damasco, para viver no Brasil. “A Síria está acabada. Nada do meu país existe mais”, lamenta, por telefone. Há três meses, Salim, a mulher e o filho de 2 anos desembarcaram em São Paulo. “Vocês têm que entender que a situação para nós, que estamos fora da Síria, é muito catastrófica. Infelizmente, o cenário dentro da Síria é bem pior: minha nação retrocedeu dois séculos”, afirma à reportagem Husam, 42, sob a condição de não ter o sobrenome revelado. No ano passado, ele, a esposa e os dois filhos trocaram Mouaddamiya, bairro da capital síria bombardeado pelas forças do presidente Bashar Al-Assad, por Khubar, na Arábia Saudita. Salim e Hussain tornaram-se estatísticas de uma tragédia humana.

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), o número de sírios refugiados em países da região chega a 4.013.292. — 2.081.858 são crianças. É como se todos os moradores do Distrito Federal e de Goiânia tivessem fugido. O total de pessoas deslocadas dentro da Síria chega a 7,6 milhões. “Esta é a maior população de refugiados de um único conflito em uma geração. É uma população que precisa de apoio do mundo, mas vive em condições terríveis, se afundando na pobreza abjeta”, declarou António Guterres, Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados. O êxodo da Síria é o mais alto registrado desde 1992, quando a guerra do Afeganistão expulsou 4,6 milhões de pessoas.

Em entrevista ao Correio, Firas Al-Khateeb, porta-voz do Acnur na Síria, explica que o foco da agência da ONU tem sido proteger todos os civis afetados pelo conflito. “Nós fornecemos abrigo e itens de socorro para os mais necessitados, incluindo áreas sitiadas e de difícil acesso. O número de sírios em necessidade dentro do país chega a 12,2 milhões. Trata-se da maior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial”, admite, a partir de Damasco. Segundo ele, o Acnur tem se concentrado em dois setores vitais: gêneros não alimentícios e refúgio. “Apesar da grave escassez no financiamento, não poupamos esforços para alcançar essas áreas.” Dos 12 mil funcionários do Acnur, cerca de 2,4 mil trabalham diretamente com o conflito sírio — 400 dentro do país e 2 mil em nações vizinhas.

Financiamento

Al-Khateeb considera imensa a carga socioeconômica sobre os países receptores de refugiados. “Os mais de 4 milhões incluem 1.805.255 sírios na Turquia e 1.172.753 no Líbano (veja mapa). As estatísticas ignoram mais de 270 mil solicitantes de asilo na Europa e milhares de reassentados em outros locais”, lembra. O porta-voz sustenta que o financiamento da situação de refugiados sírios tem se revelado um problema grave. “Para 2015, o Acnur estima serem necessários US$ 5,5 bilhões em ajuda humanitária e de desenvolvimento”, emenda. Até o fim de junho, somente 24% da verba tinham sido recebidos. A carestia surtiu impacto em cortes no repasse de alimentos e em dificuldades de acesso à saúde e à educação.

A vida para os sírios no exílio tem sido dura. Oitenta e seis por cento dos refugiados instalados fora dos campos na Jordânia vivem abaixo da linha de pobreza, com menos de US$ 3,2 por dia. No Líbano, 55% dos sírios moram em abrigos precários. “A esperança de retorno para casa míngua, à medida que a crise se arrasta. Os refugiados se tornam cada vez mais empobrecidos, e práticas negativas, como o trabalho e o casamento infantis e a mendicância, estão em ascensão”, arremata o porta-voz do Acnur na Síria. “Eu me sinto muito inseguro em relação à educação de meus filhos, ao seguro-saúde e a tantas outras coisas”, exemplifica Husam.

Diretor executivo da Human Rights Watch, Kenneth Roth culpa o regime de Al-Assad. “Estamos a anos do fim do conflito. Enquanto isso não ocorre, a melhor forma de deter o fluxo de refugiados é parar com os barris-bomba. Isso significa pressionar Al-Assad para encerrar o massacre de civis”, afirma ao Correio, por e-mail. Ele crê que Teerã e Moscou, apoiadores de Damasco, precisam influenciar o líder sírio a conter a matança. “A voz do Brasil tinha que ser mais influente. Dilma Rousseff deveria perguntar ao colega Vladimir Putin por que ele apoia o assassinato em massa.”

Eu acho... “É a maior crise de refugiados em quase um quarto de século sob o mandato do Acnur. Tragicamente, e sem um fim à vista para a guerra, a qual está no quinto ano, ela se intensifica. O número de refugiados está aumentando. Em apenas 10 meses, eles subiram de 3 milhões para 4 milhões. Nós esperamos cerca de 4,27 milhões até o fim do ano. Os sírios estão fugindo de um conflito bastante complicado, com muitas áreas testemunhando combates e deslocamentos.”

Firas Al-Khateeb, porta-voz do Acnur na Síria

“Esta é claramente uma das piores crises de nossa geração. No entanto, não se trata de uma emergência humanitária, mas de uma crise de direitos humanos. Os sírios fogem das atrocidades cometidas por Bashar.