Novos caminhos

 

Governo muda modelo e prevê a cobrança de outorga em alguns projetos. Para incentivar crédito privado, atuação do BNDES será reduzida. Estado do Rio tem investimentos previstos de R$ 15,7 bilhões

ANDRÉ COELHOConcessões. Dilma Rousseff, o vice, Michel Temer, e os governadores Luiz Fernando Pezão, Simão Jatene e Geraldo Alckmin

O governo anunciou ontem seu segundo Programa de Investimentos em Logística ( PIL), com R$ 198 bilhões em concessões de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias. Do total, porém, 40% podem ficar no papel. A ferrovia até o Peru, estimada em R$ 40 bilhões, é considerada inviável por analistas. Outros R$ 42 bilhões são para obras em concessões já existentes, e a repactuação dos contratos pode sofrer restrições do TCU. Especialistas elogiaram a cobrança de outorga em algumas obras e o papel menor do BNDES. Para a presidente Dilma, o programa é uma “virada de página”. O ministro Levy disse que não faltará dinheiro para os projetos. - BRASÍLIA E RIO- O governo lançou ontem a segunda etapa do Programa de Investimento em Logística ( PIL), com previsão de recursos de R$ 198,4 bilhões em projetos nas áreas de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias. Cerca de 40% dos investimentos previstos, porém, correm risco de não sair do papel ou de enfrentar atrasos significativos. Isso porque o montante apresentado pelo governo engloba R$ 40 bilhões na Ferrovia Bioceânica, que conectará Goiás ao Peru, numa obra que deve contar com aporte de recursos da China, mas enfrenta desafios de engenharia e ambientais e já é classificada por especialistas como um “novo trem- bala”. Não há prazo para o início das obras. Além disso, outros R$ 42,1 bilhões são referentes a alterações em concessões feitas anteriormente, que incluem até nova sinalização de trilhos de ferrovias privatizadas. Nestes casos, as mudanças devem contar com o interesse do empreendedor e estão sujeitas a críticas do Tribunal de Contas da União ( TCU).

O programa é menor do que a versão original do PIL, que previa investimentos de R$ 240 bilhões. Nesta nova etapa, não há um prazo definido para a execução integral. Do total, R$ 69,2 bilhões devem ser aplicados até 2018, e os outros R$ 129,2 bilhões só serão investidos a partir de 2019, após o fim do mandato da presidente Dilma Rousseff.

‘ NÃO VAI FALTAR DINHEIRO’, DIZ LEVY

Apesar dos entraves, analistas citam como aspectos favoráveis o papel mais enxuto do BNDES, que vinculou a concessão de crédito mais barato à emissão de debêntures ( títulos de dívida) na maior parte dos projetos, com exceção dos empréstimos a ferrovias. A medida visa a estimular a maior participação do setor privado. Especialistas destacam a decisão do governo de deixar em aberto a modalidade que vai definir o vencedor do leilão: por outorga, menor tarifa ou compartilhamento do investimento.

— O governo demorou a entender isso. Os sistemas de transporte no Brasil e suas regiões são diferentes e têm necessidades distintas. É preciso ter visão diferenciada. Vale frisar que é importante que o governo tenha participação nos projetos, assim como o uso de outorgas — avalia Rodrigo Vilaça, ex- presidente da Associação Nacional dos Transportes Ferroviários ( ANTF).

As mudanças em projetos já concedidos são alvo de preocupação no governo. Isso porque elas dependem da anuência dos concessionários e das condições impostas para assegurar novos aportes, como a exigência de tarifas maiores ou de prazos mais longos de concessões. Além disso, o governo teme que as repactuações se tornem alvo de críticas do TCU. A corte não precisa ser consultada previamente — e já foram feitas duas revisões de contratos em rodovias sem que houvesse qualquer tipo de entrave. Mas o governo teme que o volume de investimentos desperte questionamentos.

— Não temos de apresentar nada ao TCU previamente, mas eles podem reclamar e atrasar os processos — reconheceu uma fonte.

No caso das ferrovias, o governo terá de submeter ao TCU modelos novos de leilões. Um exemplo é o dos vencedores dos trechos prontos de Palmas a Anápolis da Ferrovia Norte- Sul, onde será preciso construir quase do zero outro trecho, entre Açailândia e Barcarena. O mesmo ocorrerá no leilão do trecho entre Anápolis e Estrela D’Oeste da Norte- Sul, em que o vencedor terá de construir nova linha entre Estrela D’Oeste e Três Lagoas ( MS). Mesmo assim, o governo quer cobrar outorgas nesses leilões.

A cerimônia de lançamento no Palácio do Planalto teve a presença de vários ministros, governadores e representantes de entidades de classe e federações, mas foi marcada pela ausência de grandes empresários. Durante o anúncio do pacote, a presidente Dilma Rousseff disse que o governo está “empunhando novas armas” para superar as dificuldades. Dilma acrescentou que o governo lançará outros programas para tentar alavancar os investimentos: o Plano Nacional de Exportações, o Minha Casa Minha Vida 3 e o plano nacional de energia para os setores elétrico, de petróleo e gás.

— Estamos iniciando uma progressiva virada de página. Se são grandes as dificuldades, maiores são a energia e a disposição do nosso governo de fazer esse país seguir em frente, para lembrar que nosso governo não é de quatro meses, mas de quatro anos. Estamos na reta de saída, e não na linha de chegada — disse Dilma.

Apesar dos esforços para cortar custos em ano de ajuste fiscal, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que o programa não será prejudicado:

— Não vai faltar dinheiro. Não adianta querer apostar que não vai dar certo.

Na lista de empreendimentos estão quatro rodovias que deverão ser concedidas em 2015, e outras 11 que serão alvos de estudos. Há 7,5 quilômetros de ferrovias e investimentos em 113 novas instalações portuárias. No caso dos aeroportos, o programa traz a concessão dos terminais de Salvador, Fortaleza, Florianópolis e Porto Alegre, que deverão ocorrer em duas etapas no primeiro semestre de 2016. O governo incluiu autorizações para concessões de seis aeroportos regionais ( cinco em São Paulo e o de Caldas Novas, em Goiás), com previsão de investimentos de R$ 78 milhões.

O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, negou que o governo esteja preocupado com a eventual participação de empresas envolvidas na Operação Lava- Jato. Apesar do risco de que sejam consideradas inidôneas pelos órgãos de controle após a assinatura dos contratos, Barbosa disse que não cabe ao governo ter preferência por empresas.