A sujeira que mata, mutila e adoece

09/07/2015 

Warner Bento Filho
 

Apesar dos riscos de acidente e das condições insalubres, Cinomar está preocupado com o possível fechamento do lixão da Estrutural e em ficar sem trabalho (Breno Fortes/CB/D.A Press - 1/7/15)

Apesar dos riscos de acidente e das condições insalubres, Cinomar está preocupado com o possível fechamento do lixão da Estrutural e em ficar sem trabalho

 


O funcionamento de lixões gigantescos como o de Brasília, que recebem centenas de caminhões de resíduos por dia, transformou a atividade de catadores em profissão de alto risco, provocando mortes, mutilações e doenças em homens, mulheres e crianças. As péssimas condições de trabalho contrastam com os altos valores pagos a empresas que coletam, transportam e enterram resíduos no país.

Só em 2015, duas pessoas morreram no lixão da Estrutural, na capital federal. A última vítima foi a catadora Vandelina da Silva Lopes, atropelada por um trator de esteira que manobrava para espalhar o lixo, na madrugada de 2 de abril, uma quinta-feira. Cerca de 2 mil catadores se arriscam diariamente no local. O trabalho, ininterrupto, continua durante a madrugada, já que os caminhões de lixo chegam constantemente.

Além do risco provocado diretamente por acidentes, o alto grau de insalubridade dos lixões também é apontado como causa de mortes. Em Mato Grosso, a catadora Joana Fátima de Paula perdeu o marido, Jacinto Lúcio de Araújo, há cinco anos, vítima de doença pulmonar. Segundo Joana, os médicos avaliaram que os males de Jacinto ele teve tuberculose e infecção pulmonar, além de hanseníase estavam relacionados ao trabalho no lixão. Joana e Jacinto trabalharam juntos em depósitos irregulares de resíduos de Mato Grosso durante 18 anos, nos municípios de Sorriso e Várzea Grande.

Ele nunca fumou, mas, quando morreu, tinha os pulmões cheios de fumaça, conta Joana. Lá no lixão, pega fogo do nada, porque fica fermentando. Tem muito gás, o fogo nasce do centro da terra. Quem trabalha lá é obrigado a conviver com a fumaça, que a gente vai engolindo e enfraquecendo, diz.

De acordo com líderes do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), nos últimos anos foram registradas mortes de trabalhadores em pelo menos outros oito lixões, em Juazeiro do Norte (CE), Aura (PA), Carpina (PE), Cuiabá, Campo Grande, Jardim Gramacho (RJ), Jericinó (RJ) e Itaoca (RJ).

A lei de resíduos sólidos, de 2010, determinou o fechamento dos lixões até agosto de 2014, mas o Distrito Federal e cerca da metade dos municípios brasileiros ainda mantêm os depósitos irregulares. Pela legislação, os catadores devem trabalhar em galpões apropriados para a triagem do material e os lixões devem ser substituídos por aterros sanitários depósitos impermeabilizados, onde há controle sobre os resíduos , que só devem receber material sem condições de ser reaproveitado, o rejeito. De acordo com levantamento de especialistas, essa fração representa apenas 10% de todo o resíduo coletado. Outros 30% são materiais que podem ser reciclados. A maior parte, 60%, é composta de restos orgânicos, que podem ser compostados ou transformados em energia por biodigestores.

Custo milionário
O Serviço de Limpeza Urbana (SLU) do Distrito Federal registra como custos de serviços em 2014 a quantia de R$ 443 milhões. No período, foram coletadas, transportadas e enterradas no lixão da Estrutural cerca de 850 mil toneladas de resíduos, o que representa custo de R$ 521 por tonelada.

Para fazer esse serviço, o SLU contrata uma série de empresas. O governo paga para as empresas enterrarem o lixo e levantarem essa montanha na Estrutural, diz o catador Cinomar Alves dos Santos. Mas não pagam nada para nós desenterrarmos os resíduos que podem ser reaproveitados, reclama. Cinomar e seus companheiros da Estrutural estão apreensivos com a possibilidade de o fechamento do lixão deixá-los sem oportunidade de trabalho e desamparados. Queremos receber por serviços prestados, diz.

De acordo com o diretor técnico do SLU, Paulo Celso dos Reis Gomes, o governo do Distrito Federal já tem R$ 23 milhões do BNDES para a construção de galpões de triagem para os catadores. O GDF deve aportar outros R$ 23 milhões. Segundo Paulo Celso, a correta gestão de resíduos não foi tratada com a devida atenção por governos anteriores. Agora, diz o diretor, o assunto é prioridade. Antes, alegava-se falta de recursos. Mas o Estádio Nacional de Brasília foi construído por R$ 2 bilhões, diz. Prova do descaso para com o setor, segundo ele, é a situação de fragilidade em que se encontra o SLU. A Caesb (Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal) tem mais de 200 engenheiros e quase 15% dos cargos são de nível superior. O SLU tem quatro engenheiros e 0,7% de cargos de nível superior, compara.