Pacote ‘ pé no chão’, focado e sem tabus

 

 

Para especialistas, governo agora optou por projetos de maior interesse para investidores e abandonou premissa da tarifa baixa. Aprincípio, o novo pacote de logística do governo parece mais do mesmo, diante da inclusão de rotas e trechos que já figuravam em PACs e no PIL anterior, sem sucesso. Mas não é bem assim. O programa de investimentos lançado ontem em Brasília é mais realista, focado em trechos onde há chance de negócios ( concessões) e abandona alguns tabus do governo.

Nas rodovias, foram incluídas rotas que podem se pagar, com pedágios. O foco é onde há movimento exportador e forte demanda. O governo abandona a tese de que esses programas vão resolver a carência que afeta o grotão do país, onde, muitas vezes, não há nem asfalto. O objetivo central não é reduzir as milhares de mortes por ano nas estradas, mas duplicar vias para levar soja aos portos. O professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, avalia que o pacote é o reconhecimento de que o governo é incompetente para investir em infraestrutura na velocidade desejada:

— Deve ter gente chorando sangue em Brasília. Dou dois exemplos: a Ferrovia Norte- Sul e a duplicação da BR- 381 em Minas Gerais. Os dois projetos eram prioritários e seriam feitos pela União, com recursos públicos. Agora, vão integralmente para a iniciativa privada.

Outra mudança conceitual: a gestão de Dilma Rousseff se recusou a negociar a prorrogação do contrato da CCR na Ponte Rio- Niterói. A ideia era esperar terminar os contratos para garantir, com uma nova licitação, investimentos e pedágios mais baratos. Agora, concessões serão renovadas em troca de mais obras. A contrapartida será mais tempo de contrato ou pedágios mais caros, tudo o que o governo evitava até então. E neste pacote está a galinha dos ovos de ouro do setor, a Via Dutra. Resta saber como o TCU avaliará isso.

O pacote também embute uma certa revanche, justo na origem política de Dilma. A presidente promete duplicar 581 quilômetros em rodovias gaúchas que já tinham sido concedidas pelo ex- presidente Fernando Henrique Cardoso, sem sucesso. Curiosamente, o responsável pelos Transportes nos anos 1990, o também gaúcho Eliseu Padilha, estava ali no palco, como ministro da Aviação.

Mais uma guinada nos aeroportos: privatizase o que dá lucro, ignorando os 270 terminais regionais que integrariam o país, presentes no programa de logística de 2012. Os únicos regionais que entraram no pacote — sete — são de aviação geral, ou seja, jatinhos privados. Nas ferrovias e nos portos, foi prometida uma modelagem muito mais simples, para atrair o investidor, com menos peso estatal. E este pacote não é uma panaceia: — Temos um estudo que indica que o país tem uma carência de R$ 1 trilhão em investimentos em transportes, cinco vezes mais que o programa anunciado — lembra Bruno Batista, diretor executivo da Confederação Nacional do Transporte ( CNT).

Empresários comemoraram, com ressalvas. Fica a dúvida se, ao tirar os projetos do Power Point, o governo vai dar taxas de retorno e condições que, atraiam a iniciativa privada, num cenário de empreiteiras nacionais arredias com a Lava- Jato, mas com estrangeiros atraídos pelos novos valores dos ativos no Brasil com o dólar acima dos R$ 3. Ao ver que tantos tabus foram quebrados, ficou a impressão, conforme disse um executivo do setor, de que este pacote é o “Levy da infraestrutura”, ou seja, não é o que Dilma gostaria, mas o que precisa no momento.

 

Governo terá de oferecer retorno maior a vencedores de leilões

 

 SÃO PAULO E RIO- A solução encontrada pelo governo para estimular a participação do setor privado no pacote de infraestrutura exigirá taxa de retorno maior para os vencedores dos leilões. Isso ocorre porque o governo condicionou a concessão de crédito via BNDES em condições mais vantajosas à emissão de debêntures ( títulos de dívida). Segundo analistas, há espaço para o lançamento destes papéis no mercado, mas eles vão exigir remuneração mais alta para atrair investidores.

— Os títulos do Tesouro, como as NTN- B, pagam IPCA ( índice oficial de inflação) mais 6,5% ao ano. E nenhum investidor vai correr risco de comprar uma debênture se os juros não forem maiores que isso. E os investidores terão de ter mais retorno, porque o custo do financiamento dos projetos agora é bem maior — diz Eduardo Padilha, diretor da Planos Engenharia.

Outra medida para tornar esses títulos mais atraentes seria dar prioridade aos seus detentores em caso de dos empreendimentos:

— O BNDES ser subordinado às debêntures daria mais garantia ao investidor.

Para dar fôlego aos projetos de logística, em 2011 o governo editou a Lei n º 12.431, que criou as chamadas debêntures de infraestrutura, que têm o incentivo de serem isentas do Imposto de Renda. Mesmo com os grandes projetos licitados nos últimos anos, o estoque total desses títulos hoje é de pouco mais de R$ 11 bilhões, ou seja, pouco mais de Economista- chefe da Gradual Investimentos 4,3% do estoque total de debêntures corporativas no mercado, que soma R$ 254 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais ( Anbima). No ano, as emissões destes títulos somam apenas R$ 1,06 bilhão.

Por isso, especialistas concordam que as emissões de debêntures como contrapartida de linhas mais baratas do BNDES devem crescer na medida em que os juros começarem a cair.

— Por mais que as empresas estejam olhando para o cenário atual, que é complexo, há projetos de investimento que não podem parar. Mas é claro que quanto mais baixa for a taxa de juros, maiores serão as emissões de novas debêntures — diz Denise Pavarina, presidente da Anbima.

Para André Perfeito, economistachefe da Gradual Investimentos, a incorporação das debêntures como contrapartida de acesso às linhas mais baratas do BNDES é correta por “chamar” o mercado a participar do desenvolvimento do país:

— O mercado não está muito acostumado a avaliar riscos, mas vai ter que mudar. E vai ter demanda, pois os juros longos sinalizam queda.

Para Daniel Sousa, professor de Economia do Ibmec, há apetite por debêntures de infraestrutura, especialmente entre fundos institucionais e estrangeiros:

— Tudo se ajusta via preço. Se o risco é maior porque alguma suspeita recai sobre a empresa, o prêmio de risco será maior.

Rogério Braga, gestor de renda fixa e multimercados da Quantitas, lembra de outro atrativo:

— Como esses títulos são isentos de IR, acabam ficando mais atraentes que os títulos do Tesouro atrelados à inflação, a NTN- B, um dos mais atraentes.

 

BNDES financiará até 90% de projetos de ferrovias

 

O setor de ferrovias foi o mais beneficiado na nova versão do Programa de Investimento em Logística ( PIL). Além de ter a maior cobertura do BNDES no financiamento — até 90% do investimento, enquanto nos demais modais o limite de participação do banco é de 70% — quem vencer as licitações neste segmento terá acesso a uma parcela relevante de crédito barato sem condicionantes. Nos outros setores, o empréstimo a taxas mais atraentes está condicionado à emissão de debêntures ( títulos da dívida).

No caso das ferrovias, 70% do empréstimo terão como base a TJLP ( taxa de juros de longo prazo), de 6% ao ano, bem abaixo da taxa básica de juros, de 13,75% ao ano. Para os 20% restantes do empréstimo, o banco usará recursos referenciados em taxas de mercado. Embora não exista qualquer obrigação, o vencedor pode, se preferir, emitir debêntures e ficar com o crédito do BNDES apenas em TJLP.

— Essa facilidade visa a mitigar o risco Valec. No modelo proposto pelo governo, a Valec ( estatal que atua em ferrovias) comprará a capacidade de transporte da ferrovia e a venderá aos usuários. Se não houvesse condições muito especiais de financiamento, continuaria a rejeição dos empresários a assumir o risco, como ocorreu na primeira versão do PIL — avalia Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral.

A emissão de debêntures foi o mecanismo que o BNDES encontrou para reduzir sua participação nos financiamentos de infraestrutura, num momento em que os repasses do Tesouro Nacional para o banco começam a escassear. Ao mesmo tempo é uma forma de o banco ajudar a fortalecer o mercado de capitais.

DEBÊNTURES EM AEROPORTOS

Pelos termos do programa, a empresa que alcançar um volume mínimo de debêntures terá uma parcela maior do crédito junto ao BNDES em TJLP. Portos e aeroportos terão no máximo 35% do empréstimo atrelados à TJLP. No caso de rodovias, o percentual pode chegar a 45%.

Não será a primeira vez que as debêntures serão usadas para financiar concessões de infraestrutura. Na primeira versão do programa, as empresas não tinham o compromisso de emissão ao contratar o crédito junto ao BNDES, e as taxas do financiamento não estavam condicionadas a essa operação. Os aeroportos de Guarulhos ( São Paulo) e Viracopos ( Campinas) lançaram debêntures no mercado e captaram R$ 300 milhões cada. O BNDES comprou um terço dos títulos de Guarulhos e a totalidade dos emitidos por Viracopos. Segundo o banco, isso foi feito para diversificar o portfólio do fundo de debêntures de infraestrutura do banco. Nada impede que o BNDES repita a estratégia.

 

Primeira fase do programa, que só teve 23% contratados, foi ignorada

 

- BRASÍLIA- No lançamento da segunda fase do Programa de Investimento em Logística ( PIL) foram omitidos os resultados consolidados da primeira fase da iniciativa. Os documentos oficiais preferiram indicar que se tratava do PIL 2015- 2018, escamoteando até que se tratava de uma continuação do programa. Segundo levantamento feito pelo GLOBO, dos R$ 241,5 bilhões anunciados na primeira fase do PIL, apenas R$ 55,4 bilhões, ou 23%, foram contratados.

O PIL 2 trouxe projetos idênticos aos do PIL 1, como algumas ferrovias, ou reformulados, como as rodovias BR- 101 na Bahia, que encolheu, e a BR- 262 em Minas Gerais, que foi leiloada e não teve lances. Esta última perdeu o trecho no Espírito Santo e ganhou um prolongamento da BR- 381, que leva até Belo Horizonte. A BR- 101 na Bahia, aliás, como a BR- 163 no Pará, até já passaram pelo PAC, antes de figurar no PIL.

Embora o governo tenha indicado trazer para o PIL 2 o “realismo tarifário” percebido em setores de serviços públicos, a iniciativa privada viu com ceticismo a inclusão da ferrovia Bioceânica, de R$ 40 bilhões, uma espécie de trem- bala 2, mais encorpado, uma vez que o Trem de Alta Velocidade tinha R$ 33,4 bilhões de orçamento previsto no PIL.

Diferentemente da primeira fase, quando o anúncio do PIL foi acompanhado da criação da Empresa de Planejamento e Logística ( EPL), tendo seu presidente Bernardo Figueiredo como fiador das obras, o atual presidente da EPL, Josías Sampaio, passou praticamente despercebido.