Explosão carcerária

 

Quatro em cada dez detentos não estão condenados, o que agrava a superlotação

Enquanto o Congresso debate o endurecimento de penas, a superlotação nos presídios se agrava. Dados divulgados ontem pelo governo, sobre pesquisa feita em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, mostram que a população carcerária no Brasil cresceu 87,7% em oito anos. No mesmo período, o déficit de vagas aumentou 139%. A pior situação é a de Alagoas, onde há 3,7 presos para cada vaga. No Rio, há dois detentos por vaga. Minas Gerais foi o estado em que o aumento do número de presos foi maior no país: 729%. No país, 40% das vagas são ocupadas por presos que ainda não foram condenados. - BRASÍLIA- Em meio ao debate sobre endurecimento de penas para conter a escalada do crime, dados oficiais mostram que a população carcerária no Brasil aumentou 87,7% em oito anos, saltando de 296.919 para 557.286 detentos. No período analisado — de 2005 a 2013 —, o déficit de vagas em presídios aumentou 139% no país. Em 2005, faltavam 90.360 vagas nas penitenciárias de todo o país; em 2013, já eram necessárias mais 216.033 vagas.

Os dados fazem parte do Mapa do Encarceramento, divulgado ontem pelo governo federal, e atualizados pelo GLOBO, para estender o período analisado de 2005 a 2013. O estudo oficial abrange o período até 2012.

Como o número de vagas nos presídios só cresceu 65% no período analisado, a superlotação é alarmante. De acordo com o Mapa do Encarceramento, Alagoas enfrenta a pior situação. Lá, para cada vaga, há 3,7 presos. Em Pernambuco, essa relação é de 2,5. No Estado do Rio, há dois detentos por vaga, aponta o estudo.

Minas Gerais foi o estado com o maior aumento do número de presos nesses oito anos: 729%. Havia apenas 6.289 presidiários no estado em 2005; e 52.154 em 2013. No Rio, em penúltimo lugar na lista, houve aumento de 46,4%.

40% DE PRESOS PROVISÓRIOS

Nada menos que 40% das vagas, no entanto, são ocupadas por presos provisórios, que ainda não têm sentença condenatória. Ou seja, um em cada quatro presos no país não foi condenado. No Piauí, 65,7% dos presos ainda aguardam julgamento. No outro extremo, Paraná aparece com 12,2% de detentos nessa situação. A falta de acesso à Justiça, segundo o estudo, é a maior causa do percentual elevado de presos provisórios.

Produzida numa parceria do governo federal com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento ( Pnud) no Brasil, a pesquisa foi apresentada pelo secretário nacional da Juventude, Gabriel Medina, como uma evidência de que aumentar penas não reduz a criminalidade, numa referência à disposição da Câmara de votar ainda neste mês a PEC que reduz a maioridade penal, atacada pelo governo. Ele destacou que jovens de 18 a 29 anos são 54,8% dos presos.

— O Congresso, que demonstra bastante disposição de votar de forma acelerada o projeto da redução da maioridade, deveria se atentar para o fato de que o jovem já vem sendo encarcerado, mas nem por isso o crime diminuiu — afirmou Medina.

Os dados sobre o déficit de vagas nos presídios são do Departamento Penitenciário Nacional ( Depen). O encarceramento maior em determinados estados pode ser resultado de um programa forte de repressão, segundo Jacqueline Sinhoretto, professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos e autora do Mapa do Encarceramento. Ela cita o projeto Fica Vivo, implementado em Minas, e o Pacto pela Vida, em Pernambuco, como programas que conseguiram reduzir a violência, mas que trouxeram efeitos colaterais na área prisional e nem sempre resultados duradouros.

— Pernambuco fez mais prisões e conseguiu diminuir os homicídios, mas gerou uma crise no sistema penitenciário, que é relevante e tem que ser considerada. Em Minas Gerais, num primeiro momento, houve mais encarceramento e redução dos homicídios, logo depois se viu um crescimento dos homicídios, e o encarceramento continuou — explicou Jacqueline.

Ao todo, 49,1% dos presos no Brasil foram condenados por crimes relacionados ao patrimônio, como roubo e furto. Se somados aos condenados por delitos relacionados a drogas, esse percentual chega 74,4%. Respondem por homicídios 11,9%, segundo o estudo.

— Isso nos mostra que não há uma priorização dos crimes violentos, dos homicídios. A Justiça criminal hoje não está focada nos crimes contra a vida, e, sim, na circulação da riqueza — critica Jacqueline. — Ao contrário do que se pode imaginar, não é o preso perigoso, o serial killer, que está na cadeia.

Outra informação que corrobora tal conclusão, segundo a pesquisadora, está no tempo de pena. Ao todo, 29,2% dos presos foram condenados a penas entre 4 e 8 anos, o que sugere um crime de média gravidade. E 18,7% dos detentos, afirma Jacqueline, poderiam cumprir medida alternativa por terem sido condenados a, no máximo, 4 anos.

Um traço marcante do perfil do preso no Brasil é a cor. Em 2012, 60,8% da população prisional era negra. Para cada grupo de cem mil habitantes brancos, havia 191 brancos encarcerados. No caso dos negros, eram 292 detidos por 100 mil habitantes negros. Segundo a pesquisa, negros têm 1,5 mais chance de serem presos que os brancos.

A pouca instrução é outra característica da população prisional no Brasil. São 67% de detentos analfabetos, semialfabetizados e com ensino fundamental incompleto. Pouco mais de 20% têm ensino médio. E só 2% contam com diploma de nível superior superior. Dos presos analfabetos do país, 44% estão concentrados no Nordeste.

9% DOS MENORES SÃO HOMICIDAS

A pesquisa Mapa do Encarceramento dedicou uma parte aos menores infratores. Dos poucos mais de 20 mil adolescentes que cumpriam medida socioeducativa no Brasil, em 2012, 9% haviam cometido homicídio. Na população adulta presa, o índice é de 11%.

A comparação foi mencionada por Medina como um sinal de que a violência entre jovens não é maior que a verificada na população adulta. Segundo o secretário nacional da Juventude, a sociedade precisa ser convencida de que os adolescentes, hoje, são punidos com medidas socioeducativas, inclusive com privação de liberdade.

— Não é porque usamos nomes diferentes que não há punição para os adolescentes. Em vez de falar em crime, falamos em ato infracional; no lugar de presídio, dizemos unidade socioeducativa. Mas, muitas vezes, a punição é até mais dura. Se um adulto comete homicídio simples, dentro de um ano ele pode estar fora. O adolescente passará os três anos internado — disse Medina.

Representante do Pnud no Brasil, Jorge Chediek também criticou a repressão à violência que se faz no Brasil — que, segundo ele, não é sofisticada. E reafirmou que o Sistema ONU no Brasil é contra a redução da maioridade, por achar que a medida “criará mais problemas” do que os que precisam ser enfrentados. Em maio, as agências da ONU emitiram comunicado se posicionando.

Ao analisar dados do Mapa do Encarceramento, Chediek afirmou que a prova de que a repressão à violência feita no Brasil precisa ser aperfeiçoada é o elevado percentual de presos por crimes relacionados a drogas e a roubos e furtos. Na contramão disso, de acordo com pesquisas conhecidas, nem 10% dos homicídios no Brasil têm a autoria identificada.