Pedalada atropela quem ganha menos

05/07/2015 

Antonio Temóteo


Quem contava com o abono salarial para reforçar o orçamento familiar e quitar dívidas no segundo semestre deve se preparar. O governo decidiu que 10,6 milhões de trabalhadores que receberam até dois salários mínimos por pelo menos 30 dias no ano passado , nascidos entre janeiro e junho, só poderão sacar o dinheiro a partir do primeiro trimestre de 2016. 

Essas pessoas são as que mais sofrem com a inflação, que, nos seis primeiros meses do ano, acumula alta de 6,28%. Elas destinam 80% da renda para comprar alimentos, que ficaram 7% mais caros de janeiro a junho, conforme o Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15). A decisão do Executivo surpreendeu os analistas, uma vez que essa camada da população garantiu boa parte dos votos que reelegeram a presidente Dilma Rousseff. 

A decisão do governo divide com a população com renda mais baixa o custo do ajuste fiscal. Com a arrecadação em queda, a equipe econômica tem dificuldades para cumprir a meta de superavit primário de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Para reforçar o caixa do Tesouro Nacional, o Executivo definiu, no entanto, que os gastos com o benefício se limitariam a R$ 10,1 bilhões em 2015. Nas contas do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), seriam necessários R$ 18 bilhões para custear o abono para os 23,4 milhões assalariados, entre julho e outubro, como ocorria até o ano passado. 

O governo espera fazer uma economia quase R$ 9 bilhões em 2015, com a pedalada no abono salarial. Para compensar os prejuízos dos trabalhadores, o Executivo anunciou que os pagamentos que serão realizados a partir de janeiro terão o valor do salário mínimo de 2016, proposto inicialmente em R$ 854. 

O primeiro lote do benefício para quem não foi prejudicado pelo governo poderá ser sacado nas agências da Caixa Econômica Federal a partir do dia 22, desde que a pessoa tenha nascido em julho. É necessário apresentar documento oficial com foto, a carteira de trabalho e o número do Programa de Integração Social (PIS). Já os depósitos para os correntistas do banco serão realizados em 14 e julho (confira o cronograma completo ao lado). 

Prejuízos 
Na avaliação do especialista em finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira, a decisão do Executivo é uma sinalização de deterioração do caixa do Tesouro. Para ele, o mais inusitado é que a medida foi tomada por um partido que se diz dos trabalhadores. Entendo que, mais uma vez, o governo transfere os efeitos da crise que criou por incompetência e corrupção para as costas dos trabalhadores. É uma ação muito cômoda e pouco criativa das autoridades em um momento de retração da economia, desemprego crescente e inflação em alta, que corrói a renda dos assalariados, disse. 

Matias-Pereira ainda ressaltou que o ajuste fiscal trouxe medidas inovadoras, mas não levou em conta a redução de despesas governamentais. Para ele, o Executivo não pode gastar mais do que arrecada, o que tem sido uma regra nos últimos anos. O governo deu mais um tiro no pé. Mudar o calendário de pagamentos do abono salarial trará como efeito o aumento da rejeição e do descontentamento da população com o PT. 

Para o especialista em contas públicas da Tendências Consultoria Fabio Klein, o governo recorreu a uma prática comum na administração pública, que é a de atrasar pagamentos. Entretanto, ele explicou que o Executivo usou de uma brecha legal para mudar o calendário do abono salarial, uma vez que cabe ao Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), definir as datas de liberação de saques e depósitos dos benefícios. O governo economizará R$ 9 bilhões, mas vai ficar em mais uma saia justa com os trabalhadores, avaliou. 

Meta 
Nas contas do diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, Octavio de Barros, o governo terá dificuldades para cumprir a meta de superavit de R$ 66,3 bilhões. Ele explicou que, nos primeiros cinco meses deste ano, o setor público registrou saldo positivo de R$ 25,54 bilhões, que corresponde a 38,5% da economia prevista na Lei Orçamentária Anual. Barros detalhou que esse nível de primário é baixo e se dá pela retração das receitas do governo central no período. Sabemos que o vetor baixista da atividade econômica sobre a arrecadação tende a permanecer nos próximos trimestres, aumentando os desafios para o cumprimento da meta fiscal, afirmou. 

O diretor do Bradesco ainda comentou que a rigidez dos gastos obrigatórios também é um entrave para o cumprimento da meta neste ano. Com esse cenário, ele revisou a projeção de superavit primário em 2015 de 1,1% do PIB para 0,5%. Nas estimativas dele, 0,3% do economia será feita pelo governo central e 0,2% pelos governos regionais. Para 2016, o economista alterou a previsão de primário de 2% para 1,5% do PIB. 


PSDB vai à Justiça 
O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), informou ontem que vai impetrar no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação por descumprimento de preceito fundamental, no início da próxima semana, contra o adiamento do pagamento do abono salarial anunciado pelo governo. Estão sendo transferidos para 2016 compromissos de quase R$ 9 bilhões para ajudar o Ministério da Fazenda a cumprir a meta fiscal de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Segundo o parlamentar, o objetivo da ação é garantir que o direito de mais de 10 milhões de trabalhadores seja respeitado e cumprido. É mais um duro golpe contra os trabalhadores, que sofrem com a inflação alta e o aumento do desemprego, disse.