Ainda longe da brincadeira

 

O governo vem falhando no cumprimento de metas que visam a garantir um futuro seguro à juventude e admite que não conseguirá erradicar este ano as 89 piores formas de trabalho infantil, compromisso internacional assumido em 2006. Há cerca de 3 milhões de brasileiros entre 5 e 17 anos trabalhando. Muitos podem ser vistos nas ruas e nos campos em situação degradante. Só 30% das seis mil creches que deveriam estar prontas desde 2014 saíram do papel, contam CRISTINA TARDÁGUILA e MARCELO REMÍGIO. Em 2006, o Brasil se comprometeu junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT) a erradicar até o fim deste ano as “piores formas de trabalho infantil” — uma lista de 89 atividades que engloba, por exemplo, o trabalho doméstico, a exploração sexual e o comércio ambulante. O país, mundialmente conhecido pelo enfrentamento desse problema, também se propôs a eliminar todas as formas de trabalho infantil até 2020. A primeira das metas, no entanto, não será cumprida até dezembro. A segunda exigirá uma mobilização nacional de grande porte para se tornar realidade, uma vez que ainda há no país 3,2 milhões de jovens com idades entre 5 e 17 anos e que já estão na ativa.

Nos últimos 12 anos, o avanço foi grande: o número de crianças e jovens trabalhando caiu 58,1%, segundo o governo. Mas, se o ritmo obser vado nos últimos dois anos for mantido, a eliminação do trabalho infantil só ocorrerá em 2025.

Ainda no universo infantil, outra meta assumida pelo governo também terá que ser adiada. Em 2010, quando fazia sua primeira campanha eleitoral à Presidência, Dilma Rousseff prometeu entregar 6 mil creches e pré-escolas até o fim de 2014. Elas atenderiam a crianças com idades entre 0 e 5 anos, em pouco mais de quatro mil municípios. Dados do Ministério da Educação revelam, no entanto, que apenas um terço dessas creches foi inaugurada. Grande parte sequer foi licitada.

Nas últimas semanas, O GLOBO percorreu municípios de diversos estados onde flagrou casos de exploração do trabalho infantil. Também encontrou terrenos destinados à construção das creches de Dilma ainda desocupados, quando já deveriam ter as obras concluídas, como em Belford Roxo e Nova Iguaçu, cidades da Baixada Fluminense, e em Porto Alegre, capital gaúcha.

Os ministérios do Trabalho, do Desenvolvimento Social e da Educação reconhecem que o país não cumpriu nem a meta da erradicação das piores formas de trabalho infantil nem a da construção de creches e pré- escolas. Os prazos foram adiados, e as promessas de maior mobilização vieram à tona.

Para especialistas, o trabalho infantil tem raízes em questões culturais. No país, é comum ouvir que é melhor ter meninos empregados do que desocupados ou no crime. A prática contraria a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas nunca levou nenhum brasileiro à prisão, pelo simples fato de que, no país, explorar a mão de obra infantil não é crime, ao contrário do que supõe o senso comum.