A ordem: "Destruir e-mail"

25/06/2015 

EDUARDO MILITÃO
 
Polícia Federal suspeita que bilhete de Marcelo Odebrecht para os advogados signifique apagar provas, enquanto a empreiteira diz que se trata de enfoque da estratégia de defesa. Texto foi escrito na prisão e apreendido na segunda-feira.

Curitiba — Da carceragem da Polícia Federal, o presidente da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, enviou um bilhete aos advogados em que alinha estratégias de defesa num habeas corpus e de comunicação. “Destruir e-mail sondas” é um desses pontos. Para a Polícia Federal, que interceptou a comunicação e remeteu uma cópia ao juiz da 13ª Vara Federal, Sérgio Moro, trata-se de uma tentativa de apagar provas que incriminem o executivo da maior empreiteira do país. Para a defesa, a interpretação está equivocada e é apenas uma linha de defesa que significaria algo como “destruir a argumentação do e-mail sobre navios-sondas”. No despacho de prisão de Marcelo Odebrecht, Moro se baseou numa comunicação com o presidente da empreiteira em que o diretor da empresa Roberto Prisco Ramos fala em “sobre-preço” (sic) de 20 mil a 25 mil por dia nas sondas, sem especificar a moeda do negócio.

Ontem, o delegado Eduardo Mauat informou ao juiz que o bilhete foi apreendido na segunda-feira pela manhã pelos agentes, que estranharam a menção a destruir um documento. Por praxe, todas as comunicações são lidas pela PF antes de serem entregues. Os policiais fotografaram o documento de duas páginas (veja fac-símile). Ele começa com um título “Pts para o HC”. Segundo fontes da empreiteira, foi escrito por Marcelo na prisão para subsidiar a defesa dos advogados, relacionando vários argumentos que poderia ser usados para tirá-lo da cadeia.

A advogada Dora Cavalcanti apresentou a versão da empresa para a mensagem, mas Mauat não se convenceu. “Havia clara possibilidade de ter havido orientação para a prática de conduta estranha à relação advogado-cliente”, disse ele no ofício ao juiz. Abaixo da mensagem sobre destruição de e-mail há a menção a “RR”, que a polícia entende ser Roberto Prisco Ramos, que usava e-mail da Braskem, uma das empresas da Odebrecht.

Temendo destruição de documentos, a PF reiterou pedido feito à Braskem na semana passada, para entregar todas as mensagens de e-mail da conta roberto.ramos@braskem.com.br, a mesma que mencionou o suposto sobrepreço nas sondas. A Odebrecht diz que não se trata de sobrepreço, mas de margem de lucro na operação de navios.

“Tumulto”

Dora Cavalcanti disse ao Correio que a suspeita da PF é uma “tentativa de causar incidente processual que não existe”. “Eu não queria tumulto.” Ela disse que vai reclamar do fato de o bilhete de Marcelo ter sido anexado aos autos do processo sem sigilo. “Isso é uma violação de correspondência.”

A estratégia da defesa consta do documento. Marcelo afirma que uma pessoa identificada como “RA” — que Dora não explica se seria o executivo preso Rogério Araújo — foi investigada internamente e afastada dos negócios com a Petrobras, além de estar em licença médica. Os executivos da Odebrecht estão sendo afastados dos cargos, formalmente, a pedido dos próprios, para que se argumente que não há motivo para a continuidade às prisões. Dora disse que não pode comentar o teor do restante do bilhete.

Ontem, Moro estendeu a detenção do diretor da Odebrecht Alexandrino Alencar. Ele ficará prisão em preventiva sem prazo para ser solto, a pedido da PF e do Ministério Público. O dirigente, que também se desligou da empreiteira, viajava com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em palestras no exterior pagas pela construtora. A Odebrecht informou ontem que a decisão de Moro foi “ilegal” e “arbitrária”.

Depoimento
Ontem pela manhã, o doleiro Alberto Youssef prestou depoimento à PF para esclarecer dúvidas dos investigadores sobre inquéritos no STF contra políticos, como deputados e senadores. À tarde, Youssef foi à Justiça Federal prestar depoimento no processo contra o ex-deputado André Vargas (ex-PT-PR), acusado de desviar dinheiro para si de contratos de publicidade no Ministério da Saúde e na Caixa Econômica.

A partir de hoje, devem depor na PF investigados presos preventivamente, como Marcelo Odebrecht e o presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo. Ontem, familiares dos presos foram até a carceragem da Polícia Federal.

A linha de uma investigação
Desde 2013, investigadores da Operação Lava-Jato começaram a investigar uma série de doleiros que agiam em Londrina (PR). A suspeita é que eles tinham escondido dinheiro desviado do mensalão. Os agentes e promotores, entretanto, chegaram a outros operadores e a outros esquemas. Um deles, Alberto Youssef, tinha ligações com um ex-funcionário da Petrobras, Paulo Roberto Costa.

A partir daí, a Polícia Federal identificou transações financeiras, documentos apreendidos e depoimentos de criminosos que mostraram que um cartel de empreiteiras combinava licitações na estatal e pagava um percentual de 1% a 3% de propina para funcionários da petroleira e políticos que facilitavam seus negócios.

Para chegar a tal conclusão, foram necessárias 14 fases de prisões, mandados de busca e apreensão e um conjunto de delações premiadas — em que o acusado confessa crimes, devolve dinheiro desviado, repassa informações e documentos e obtém a promessa de uma punição menor na Justiça.

Em março do ano passado, a investigação se tornou pública com as prisões de Youssef e Paulo Roberto. Foram abertas ações criminais contra operadores e funcionários do esquema. Em novembro, foram presos executivos e acionistas de cinco grandes empreiteiras — no caso da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, foram cumpridas apenas ordens de busca e apreensão — que foram denunciados criminalmente em seguida.

Em março deste ano, foram abertos inquéritos por corrupção contra políticos, como deputados e senadores, no Supremo Tribunal Federal (STF). No Congresso, deputados foram cassados ou perderam as eleições — o que os fez serem denunciados criminalmente na 13ª Vara Federal de Curitiba. Em junho, a operação chegou à Odebrecht e à Andrade Gutierrez. (EM)