Desde que assumiu a presidência da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) preparou o terreno para manter a Casa em protagonismo, com temas polêmicos e de interesse dele e de seu grupo. Desengavetou propostas que estavam há anos tramitando e criou comissões especiais para analisá-las. E, assim como aconteceu com a reforma política e com a redução da maioridade penal, que pretende votar no próximo dia 30, tem condições de trazer à pauta outras “bombas” antes do final do semestre.
AILTON DE FREITAS/1-6-2015Pé no acelerador. Eduardo Cunha, ao lado de Renan: pauta cheia e polêmicaEntre as propostas já avançadas estão emendas constitucionais polêmicas, como a PEC da demarcação das terras indígenas, e a PEC que trata da escolha dos ministros do STF, alternando a indicação entre o Executivo e o Congresso, que deve estar pronta para ser votada no início de julho. Outro debate que pode avançar é o que está sendo travado na comissão temática do pacto federativo. Cunha e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), estão unidos na busca de uma solução que direcione mais recursos para estados e municípios — fatalmente usando o combalido caixa federal.
O empenho de Cunha anima os deputados aliados que ele colocou em postos chaves para levar adiante a pauta radical. Os deputados Danilo Forte (PMDBCE) e André Moura (PSC-SE), respectivamente presidente e relator da comissão do pacto federativo, pedirão a Cunha esta semana que agilize a instalação da comissão especial da PEC 172, que proíbe a União de delegar serviços a estados e municípios sem lhes garantir as verbas necessárias para a execução.
A pressão é para votar nas comissões essa PEC e outras medidas do pacto antes do recesso parlamentar de julho, já preparando o terreno para votações polêmicas no segundo semestre também.
— A PEC é simples, já foi discutida. Outros pontos do pacto federativo serão abordados separadamente e o que for mais consensual, tentaremos aprovar antes de julho — disse Moura.
O próprio Cunha admite que já tem uma programação bastante polêmica até o fim do semestre, com a votação da reforma política e o projeto que trata do indexador das dívidas estaduais e municipais.
Mas disse que, se a PEC 172 estiver pronta para ir a plenário, será pautada. E sinaliza com outras polêmicas, como o projeto que altera a correção do FGTS para o mesmo índice da poupança.
— Se a PEC 172 estiver pronta para votar, eu ponho (em votação). Tenho uma programação muito clara até o dia 16 de julho e, politicamente, não consigo pôr mais temas — diz Cunha.
Além dos temas que preocupam o governo, avança na Câmara uma pauta conservadora. Deputados pressionam para votar projetos nas comissões do Estatuto da Família e do Estatuto do Desarmamento até agosto. Depois de audiência pública
prevista para 25 de junho, para a qual foram convidados Toni Reis, representando a comunidade LGBT, e o pastor Silas Malafaia, a comissão do Estatuto da Família deve votar o relatório.
Se agrada aos aliados mais próximos, a agenda frenética de Cunha preocupa deputados.
— A agenda polêmica que ele trouxe para plenário expõe as fraturas do país. Existe hoje uma fúria ‘ legisferante’ que nem sempre é o melhor. Os parlamentos dos países mais avançados não ficam aprovando leis uma atrás da outra. Parlamento bom fiscaliza, não fica só aprovando leis — avalia o tucano Luiz Carlos Hauly (PR).
Em seu 11 º mandato, Miro Teixeira ( PROS- RJ) diz que a ação de Cunha tem um lado bom, que é o fato de ele manter o Congresso em funcionamento, mas o fato de recorrer a pautas polêmicas cria uma sensação equivocada de que os problemas serão resolvidos:
— A Câmara está funcionando, o que é bom, mas o ronco do motor está desafinado. As votações aqui não estão refletindo em benefício do povo. Cunha está potencializando o panis et circenses. Distrai a população com temas como o da redução da maioridade, que não resolvem.
Para Paulo Pimenta (PT-RS), na medida em que pauta tantos temas conflituosos ao mesmo tempo, Cunha cria desgaste até mesmo na base de aliados dele:
— Tem gente do PSDB reagindo. Os temas polêmicos expõem todos os deputados. Não só os temas da sociedade, mas isso de construção de um shopping aqui.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDBAL), também tem sua pauta rebelde. Antes de voltar ao Senado, depois de uma semana no exterior, Renan já havia instruído seus auxiliares a colocar na pauta de votação o projeto de reajuste do Poder Judiciário — uma verdadeira bomba fiscal que assusta a área econômica e o Palácio do Planalto.
A estratégia de Renan, segundo aliados, é sempre ter uma proposta que cause polêmica e que incomode o governo. Os líderes aliados foram avisados que Renan colocaria o reajuste na pauta apenas como forma de pressão — a votação ficaria para depois.
Foi o suficiente para a área econômica acusar o golpe e entrar em ação. Os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, ligaram para Renan, segundo o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral ( PT- MS). O projeto prevê reajuste que varia de 59% a 78%, o que daria um rombo, segundo o Planejamento, de R$ 25 bilhões nos próximos quatro anos.
Renan aceitou deixar a votação para o próximo dia 30, mas já articulou com os partidos a votação na próxima semana de outro projeto que deve preocupar o Planalto e que tem o apoio da maioria da base governista e do próprio líder Delcídio Amaral: a proposta do senador José Serra (PSDB-SP) de acabar com a obrigatoriedade de a Petrobras ter pelo menos 30% de participação nos consórcios criados para a exploração do pré-sal.
— O projeto desobriga, não proíbe, a Petrobras de participar dos contratos e de ter a responsabilidade por ser o operador. Do jeito que a empresa está, com a questão financeira, ela não pode assumir essa responsabilidade. Nem a Petrobras hoje quer isso. Recebi o apoio de 59 senadores para o requerimento de votar diretamente no Plenário — disse Serra.
O governo queria prolongar a discussão da matéria na Comissão de Assuntos Econômicos. Além disso, na pauta rebelde de Renan há o projeto da Lei de Responsabilidade das Estatais e propostas que mexem com o pacto federativo. Há PECs que reduzem as responsabilidade de estados e municípios em setores como Segurança e aumentam o gasto da União.
Em geral, a tática é acertar questões maiores, como as propostas das estatais e do pacto federativo, com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, sem passar pelo crivo do vice-presidente Michel Temer, presidente do PMDB. A ideia é manter o elemento surpresa junto ao Planalto.
Semanas após realizar a mais longa sabatina das últimas décadas para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em que o candidato foi Luiz Fachin, o Senado aprovou há cerca de um mês quase despercebido, uma resolução tornando mais rigorosa a sabatina de embaixadores pela Comissão de Relações Exteriores ( CRE). Na última terça- feira, pela primeira vez, indicados para representar o Brasil no exterior entregaram ao órgão o relatório da gestão anterior na embaixada juntamente com o plano de trabalho do novo representante. Os diplomatas indicados para as embaixadas brasileiras no México e no Catar, Enio Cordeiro e Roberto Abdalla, foram aprovados pelos senadores na comissão.
— O Senado vai começar a cumprir melhor sua função. Sabermos qual a orientação da política externa em relação aos demais países é uma forma de aprimorar o controle da comissão — explicou o presidente da CRE, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
Há cerca de um mês, pela primeira vez na História da diplomacia brasileira, o plenário do Senado rejeitou a indicação de um embaixador de carreira devidamente aprovado pela CRE. Guilherme Patriota, irmão do ex-chanceler Antonio Patriota, passou pelo constrangimento de não ter seu nome aprovado para a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Guilherme Casarões, professor de relações internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco, considera a resolução positiva, “à primeira vista”. A seu ver, mesmo que a intenção seja politizar as nomeações, obstruindo eventuais indicados pela presidente Dilma Rousseff, a medida acaba democratizando a política externa brasileira por aumentar a transparência do Itamaraty e aproximar o Legislativo dos temas internacionais. Mas adverte:
— O risco da politização das sabatinas é que ao limitar a autonomia do Itamaraty e da Presidência pode retardar ou desacelerar processos importantes da política externa, principalmente no plano bilateral, para os quais a transição de chefia de embaixada deve ser célere e suave.
Já o professor de relações internacionais, defesa e gestão estratégica internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Leonardo Valente, vê a medida com ressalvas:
— Definição dos rumos da política externa é uma prerrogativa constitucional do Executivo. Não vejo nem questão para debate neste caso. Trata-se de ingerência do Legislativo.