TCU quer explicação de Dilma

As graves irregularidades nas prestações de contas da presidente Dilma Rousseff de 2014 devem levar os ministros do Tribunal de Contas da União ( TCU) a cobrar hoje novas explicações do governo federal. Reunidos a portas fechadas ontem à noite, os ministros da Corte concluíram que, num processo em que o Ministério Público Federal recomenda a rejeição das contas, será necessário ouvir mais uma vez o governo antes de votar o texto.

A sessão de votação das contas de Dilma será hoje às 10h e, como previsto, o relator do processo, ministro Augusto Nardes, deverá ler seu voto citando as irregularidades cometidas nas chamadas “pedaladas fiscais” feitas pelo governo para tentar equilibrar artificialmente as contas do ano passado. Mas, diante da pressão de autoridades do governo Dilma e da contraofensiva dos principais líderes da oposição, a votação final deverá ser adiada.

RELATOR DEVE PEDIR REJEIÇÃO DE CONTAS

O relator afirmou ontem que não votará pela aprovação das contas com ressalvas, como tradicionalmente ocorre no TCU. Isso indica que Nardes lerá um voto pela rejeição das contas. Mas ele também pode se abster diante da grande quantidade de irregularidades.

O relator fará um detalhamento das “pedaladas fiscais” feitas pelo governo. Em abril, os ministros do TCU decidiram que as “pedaladas” infringiram a Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF). O Ministério Público junto ao TCU deu parecer pela reprovação das contas, por conta de uma suposta fraude de um aspecto relacionado à LRF. Para Nardes, essa é uma “decisão já tomada”.

Ontem, a reunião entre os ministros começou depois de 18h e durou quase duas horas, cercada de sigilo. As costuras continuariam à noite. Um dos ministros defendeu que seria preciso ouvir o governo, mas não apenas a equipe econômica. Deveria haver um pedido para que a própria Dilma se pronunciasse sobre as contas de sua gestão em 2014. A forma como será cobrada a explicação deverá ser anunciada na sessão de hoje do TCU.

O dia ontem foi de movimentação intensa no TCU. Pelo governo, bateu ponto o ministro da Advocacia Geral da União ( AGU), Luís Inácio Adams. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, também visitou gabinetes. E o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, tentou persuadir Nardes.

O Ministério Público junto ao TCU, por sua vez, encaminhou parecer a todos os ministros em que pede a rejeição das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff. No documento, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira apontou outras “graves irregularidades”, além das “pedaladas fiscais”, e disse ver responsabilidade direta da presidente da República, o que justificaria a rejeição das contas.

Líderes da oposição na Câmara e no Senado — capitaneados pelo senador Aécio Neves ( PSDB- MG) — visitaram Nardes e o presidente do TCU, Aroldo Cedraz. Se o tribunal rejeitar as contas de Dilma, a oposição vai anexar o acórdão à representação pela abertura de inquérito por crime de responsabilidade, já apresentada na Procuradoria- Geral da República. Os líderes da oposição avaliam que é o elemento que falta para configurar o crime de responsabilidade e, até mesmo, para embasar um pedido de afastamento de Dilma.

— Se for aprovado o relatório do TCU rejeitando as contas da presidente, fortalece a tese da investigação via PGR. Do ponto de vista jurídico, vai ser a faísca

 

Práticas contrárias à LRF

 

Há anos o governo central passou a adotar práticas contábeis que muitos entendem contrariar o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF). Mas todos os truques foram agravados pelo uso de bancos públicos de forma sistemática para financiar despesas do Tesouro, uma prática vedada pelo Art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal ( Lei Complementar No 101/ 2000).

De 2007 a 2011, ao longo de 60 meses, em apenas um mês o saldo dos pagamento que a Caixa Econômica Federal faz do Bolsa Família ficou negativo. Em 2012 e 2013 foram quatro meses negativos e, no primeiro semestre de 2014, quatro de seis meses. A Caixa passou a pagar despesas do Tesouro, que se tornou devedor da Caixa, o que levou ao pagamento de juros. O atraso deixou de ser algo eventual para se tornar atrasos planejados.

Da mesma forma, o Tesouro Nacional passou a autorizar a concessão de subsídios por meio de bancos públicos, BNDES e Banco do Brasil, sem que esses subsídios fossem pagos, que passaram a ser inscritos como crédito a receber nos balanços dos bancos com a incidência de juros. No final de 2014, o Tesouro Nacional devia quase R$ 40 bilhões ao BNDES e Banco do Brasil. Novamente, financiamento de bancos públicos a seu controlador, o Tesouro Nacional.

Apesar do uso consistente de truques contábeis, as pedaladas fiscais são um subgrupo dessas práticas quando há financiamento de bancos públicos para seu controlador. Como essa prática infringe diretamente a LRF, essas práticas parecem ser suficientes para que as contas do governo de 2014 sejam reprovadas, e que os responsáveis por essas operações sejam exemplarmente identificados e punidos.

O resultado do julgamento das contas do governo central de 2014 pelo Tribunal de Contas da União ( TCU) encerra o debate técnico. Os desdobramentos políticos imprevisíveis de uma eventual rejeição, no entanto, não devem ser utilizados como argumento para aprovação pelo TCU de práticas vedadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal.