TCU diante da História

A noite de ontem terá sido uma das mais agitadas dos últimos tempos em Brasília, com o Palácio do Planalto gastando todos os seus cartuchos na tentativa de reverter uma decisão do Tribunal de Contas da União ( TCU) que, tudo indica, será contrário às contas de 2014 da presidente Dilma, fato inédito na República.

Orelator, ministro Augusto Nardes, garante que vai “inovar”, abrindo um caminho para o TCU ao se recusar a aprovar as contas com ressalvas, como acontece há anos e como queriam os principais assessores do Palácio do Planalto que o procuraram diversas vezes nesta semana. Ele diz que tem diversas alternativas à simples rejeição das contas, mas garante que nenhuma delas, se adotada, transigirá com os erros que apontará.

Seu relatório constata diversas irregularidades nas contas, além das “pedaladas” fiscais já denunciadas. O ministro Nardes mostrará que as irregularidades no Orçamento do governo prejudicam a competitividade da economia brasileira, revelando uma governança frágil que produz, além de tudo, uma insegurança jurídica para os investidores.

O que aconteceu em 2014, de acordo com o relatório de Nardes e mais um parecer do Ministério Público de Contas, é que o governo transgrediu a legislação com o objetivo de inflar seus gastos em um ano eleitoral, o que aumenta a probabilidade de a oposição tentar um processo de impeachment contra Dilma.

Como define o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público ( IDP), em linguagem popular o governo pedalou a bicicleta de outro sem ter pedido licença. O crime está caracterizado pelo fato de que, de acordo com relatório de auditores do Tribunal de Contas da União ( TCU), entre 2013 e 2014 o governo Dilma atrasou “sistematicamente” o repasse de recursos a Caixa, Banco do Brasil e BNDES, para pagamento do Bolsa Família e do auxílio- desemprego, equalização da Safra Agrícola e o Programa de Sustentação do Investimento ( PSI).

Sem o dinheiro do Tesouro, os bancos estatais passaram a fazer os pagamentos com recursos próprios. O artigo 36, caput, da lei complementar 101, de 4 de maio de 2000, a famosa Lei de Responsabilidade Fiscal, é taxativo: “É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo”.

Tal operação constitui crime de responsabilidade, nos termos do artigo 11, inciso 3, da lei 1.079, de 14 de abril de 1950: “Art. 11. São crimes de responsabilidade contra a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos: 3) contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal”.

Com o inchaço orçamentário artificial, o governo deu, em ano eleitoral, um reajuste médio ao Bolsa Família de 19,4%. O aumento maior se concentrou nas famílias com filhos de 0 a 15 anos, que receberam reajuste total de 45,5%. Segundo o governo, o impacto financeiro do aumento foi de R$ 2,1 bilhões.

Outro programa beneficiado foi o Fundo de Financiamento Estudantil ( Fies), que pulou de R$ 5 bilhões para R$ 12 bilhões, e este ano teve que sofrer um corte drástico, passando para cerca de R$ 3 bilhões. Todos esses gastos eleitorais podem caracterizar um abuso de poder econômico, que tem sido a base de várias cassações de mandatos de governadores.

Em 2008, o hoje senador Cássio Cunha Lima teve o mandato de governador da Paraíba cassado acusado de compra de votos e distribuição de 35 mil cheques de R$ 150 e R$ 200 para pessoas carentes durante o período da campanha. Para os juízes do TRE, a distribuição de cheques da Fundação de Ação Comunitária ( FAC) — órgão do governo do estado —, sem lei específica e sem dotação orçamentária definida, caracteriza abuso do poder político e econômico, além de conduta vedada aos agentes públicos.

Seja qual for a decisão de hoje do TCU, a oposição anexará ao processo que está com o procurador- geral da República, Rodrigo Janot, o relatório do ministro Augusto Nardes e do Ministério Público de Contas, para reforçar as acusações de crime na manipulação do Orçamento federal contra a presidente Dilma.