Dilma vai apresentar proposta com mais exigências para aposentadoria

 

Ligada ao PT, a CUT ameaça protestar contra o governo caso a presidente Dilma vete hoje o projeto que flexibiliza o fator previdenciário. - BRASÍLIA- O governo passou ontem o dia construindo a proposta alternativa que a presidente Dilma Rousseff apresentará até amanhã para o futuro da Previdência Social. A tendência é que ela vete a proposta aprovada no Congresso, chamada de 85/ 95, e apresente uma medida provisória que amplie as exigências para a aposentadoria de acordo com a expectativa de vida. Entre as propostas em discussão no governo, surgiu a possibilidade de o teto para evitar a aplicação do fator previdenciário ser elevado gradualmente para a fórmula 90/ 100, 95/ 100 ou 100/ 105 ( soma da idade e do tempo de contribuição para mulheres e homens, respectivamente).

Em jantar com líderes da base aliada no Senado, ontem à noite, Dilma disse que não quer “passar para a História como quem não tomou providências” sobre o tema. Ela não confirmou, no entanto, se vetará a flexibilização do fator previdenciário.

— Para o meu governo, não interfere, não me faz perder o sono. Mas depois de mim haverá graves problemas — disse Dilma, segundo participantes da reunião no Palácio da Alvorada.

Parte dos senadores saiu com a impressão de que o governo teme passar para o mercado a imagem de que está “afrouxando” o controle das contas públicas. Durante o dia, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, afirmou que Dilma deve mesmo vetar a medida aprovada pelo Congresso e apresentar nova proposta.

— Porque não adianta aprovar uma medida que passou pelo Congresso, mas que cria problemas lá na frente — disse Dias, sobre os desequilíbrios que a flexibilização do fator previdenciário causaria às já deficitárias contas da Previdência.

O presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), avisou que um eventual veto da presidente será votado no dia 14 de julho. Ele justificou a pressa alegando que a aprovação da nova fórmula foi “indiscutível” nas duas Casas:

— Como houve uma decisão indiscutível, tanto de uma Casa como de outra, é fundamental que tenhamos uma data firme para apreciarmos o veto.

No Plenário, vários senadores da base apelaram para que Dilma não vete. Dissidentes do PT lançaram uma campanha na internet no mesmo sentido. O movimento é liderado pelos senadores Walter Pinheiro ( BA) e Paulo Paim ( RS). Mas até o líder do PT no Senado, Humberto Costa ( PE), defendeu que Dilma não vete a nova fórmula, pois o custo político seria grande.

Segundo Pinheiro, se Dilma vetar a fórmula 85/ 95, eles iniciarão um movimento pela derrubada do veto pelo Congresso.

Militantes das centrais sindicais se reuniram em vigília em frente ao Palácio do Planalto para pressionar o governo a não vetar a proposta. Com velas eletrônicas, faixas e bandeiras, eles chegaram ao locar por volta das 19h e prometem ficar até hoje de manhã. Os representantes das centrais pretendem articular para que o Congresso derrube o veto, caso ele ocorra.

 

TEMA É SEMPRE POLÊMICO

 

Previdência e reforma nunca andaram juntas em paz. Em março de 1995, o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso apresentou uma proposta para mudar a Previdência que só conseguiria ser aprovada no final de 1999. O texto criava critérios que diminuíam o benefício de trabalhadores que se aposentassem antes de uma idade mínima — uma fórmula que, levando em conta a idade do segurado, o tempo de contribuição e a expectativa de vida, permitia redução no valor de benefícios para quem se aposentava muito cedo, explicava o então ministro da Previdência, Waldeck Ornélas. O país era apresentado ao fator previdenciário.

Líderes no Congresso, sobretudo os da oposição, mas mesmo os aliados, como os do antigo PFL, afirmaram que a medida não passaria por Câmara e Senado. Um dos que deram esse recado ao governo tucano foi o então presidente da Câmara — o peemedebista Michel Temer.

Em 1998, FH ajudou a piorar as críticas à mudança após chamar de “vagabundo” quem tinha se aposentado antes dos 50 anos. Apenas no fim de 1999 ele conseguiria aprovar sua proposta; mesmo assim, desfigurada, mexendo mais com os trabalhadores da iniciativa privada, sem estabelecer taxação de servidores inativos.

O PT chegou a entrar no Supremo Tribunal Federal contra o novo fator. Mas, em abril de 2003, seria a vez de o primeiro governo Lula também se bater contra críticas e resistências a uma reforma na Previdência — próxima da proposta original pensada por FH, pois mexia com o funcionalismo público, cobrando contribuição previdenciária de 11% de servidores aposentados.

Contrariando uma das mais tradicionais bases eleitorais petistas, a reforma de Lula aumentava em sete anos a idade mínima ( 55 anos para mulheres, 60 para homens) para os funcionários públicos se aposentarem, além de reduzir o valor de pensões.

Desta vez, a batalha levaria oito meses, e à grita no Congresso se somaram paralisações. Em julho daquele ano, cerca de 40% dos 800 mil servidores públicos aderiram a uma greve contra a reforma previdenciária; a Polícia Militar chegou a entrar no Congresso para conter manifestantes em uma das sessões. Em agosto, até os magistrados pararam, como um ato de oposição às mudanças.

Em dezembro de 2003, em votação apertada em segundo turno no Senado — a vitória foi conseguida com apenas dois votos a mais do que o necessário — , o governo petista conseguiu passar sua reforma.

 

EGOÍSMO DE CLASSE

 
O BAILADO das negociações em torno do fator previdenciário, de que participam sindicalistas, parlamentares e governo, serve bem para refletir a percepção que cada grupo tem do problema da previdência, tema sério em qualquer país com população em processo de envelhecimento. A POSTURA míope dos sindicatos é típica das corporações: só olha o curto prazo e se preocupa apenas com os ganhos das respectivas categorias. O resto não importa. SER CONTRA o veto do fim do fator e a sua substituição por algum mecanismo que reflita a dinâmica demográfica é não ter qualquer preocupação com as próximas gerações de brasileiros — de trabalhadores, principalmente —, aquelas que pagarão alto preço devido à inevitável insolvência do INSS se nada for feito.