Dilma convoca líderes da base para tentar neutralizar Cunha

 

Preocupada com o clima desfavorável ao governo na retomada dos trabalhos no Congresso Nacional, a presidente Dilma Rousseff marcou para a próxima segundafeira um jantar com líderes dos partidos aliados e determinou a liberação de uma parcela de R$ 717,4 milhões de emendas parlamentares. O objetivo é evitar a aprovação de matérias que comprometam ainda mais a situação fiscal do governo e reunir forças para conter o ímpeto do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), que anunciou o rompimento com o governo pouco antes do recesso parlamentar.

— O governo está preocupado. Dilma se deu conta de que sua recuperação depende de um bom relacionamento com o Congresso e tenta uma aproximação — disse uma fonte do Planalto.

Do jantar no Alvorada participarão líderes da base aliada na Câmara e no Senado, presidentes de partidos aliados e ministros que têm ajudado Dilma na articulação política.

Aos cerca de 40 convidados, a presidente Dilma pedirá apoio para enfrentar as turbulências à vista na retomada das sessões legislativas, na semana que vem.

Para o presidente da Câmara dos Deputados, porém, nem mesmo a liberação de emendas pode melhorar o clima para o governo no Congresso. O pagamento de emendas parlamentares é obrigatório, mas por conta do ajuste fiscal não havia sido liberado até agora.

— Não é isso que vai adoçar, isso é cumprimento de um compromisso — disse o presidente da Câmara. — Se não fizesse isso é que poderia dar uma revolta na base.

Com o fim do recesso, Cunha terá de resolver, por exemplo, se aceita os 12 pedidos de processo de impeachment encaminhados por deputados contra Dilma. Cunha não foi chamado para o jantar de Dilma, mas o convite dela aos líderes obrigou o presidente da Câmara a adiar um encontro semelhante que ele teria com líderes partidários na segunda- feira, para discutir as pautas que seriam analisadas pela Câmara no segundo semestre. É o prenúncio do que promete ser o início de mais uma guerra entre o presidente da Câmara e o Planalto.

Já na primeira semana da volta do Legislativo, Cunha colocou na pauta a votação de quatro prestações de contas de anos anteriores, abrindo caminho para a apreciação das chamadas “pedaladas fiscais”, que serão julgadas em agosto pelo Tribunal de Contas da União ( TCU).

 

Minha Casa, meus problemas

 

Empenhada em priorizar uma agenda positiva em meio à crise política e às revelações da Operação Lava- Jato, a presidente Dilma Rousseff entrega hoje, em Maricá, no Grande Rio, dois conjuntos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida cujas obras, já atrasadas um ano e meio, foram terminadas às pressas. Ontem, as 2.932 unidades divididas em dois condomínios não tinham água e luz. Além disso, os imóveis visitados ontem pelo GLOBO ficam em bairros que não têm infraestrutura básica, como saneamento.

MARCOS TRISTÃOPrecariedade. No entorno de conjunto de Maricá: rua asfaltada pela metade

Os conjuntos, batizados com nomes de guerrilheiros que lutaram contra a ditadura, custaram R$ 195 milhões. A solenidade de entrega das chaves, que terá a presença do governador Luiz Fernando Pezão ( PMDB) e do prefeito Washington Quaquá ( PT), será no condomínio Carlos Marighella, em Itaipuaçu. Em frente, onde deveria estar creche, posto de saúde e escola — contrapartida da prefeitura no convênio federal — só há um terreno vazio.

Ontem, operários corriam com os últimos preparativos para receber Dilma: pintura de canteiros, limpeza de terrenos baldios e coleta de lixo. Não havia água nas torneiras nem para os funcionários da prefeitura que trabalhavam. Nas proximidades, era possível ver ruas asfaltadas pela metade. Não havia calçadas e meio- fio. Em Itaipuaçu, só a via principal, por onde vão passar as autoridades, tem pavimentação completa.

Moradora da região há 10 anos, a auxiliar de produção Meire Ribeiro da Silva, de 42 anos, empurrava um carrinho de mão com dois galões de água. A filha Camile, de 12 anos, tentava equilibrar cinco garrafas PET. Sob o sol forte, as duas caminhavam em direção à bomba de um poço artesiano clandestino.

— Vou beber e fazer comida com água de poço. Nunca tivemos água aqui. A situação é péssima — lamentou Meire.

O comerciante Zali Coelho, de 38 anos, disse estar revoltado:

— Fizeram uma maquiagem para receber a Dilma.

No condomínio Carlos Alberto Soares de Freitas, no bairro Mucumba, o drama é o mesmo. Ontem, as 1.460 unidades não tinham luz e água, embora já tivessem as redes de abastecimento.

Os dois empreendimentos deveriam ter ficado prontos em dezembro de 2013. A inauguração foi adiada duas vezes por causa de greves de funcionários da empreiteira responsável pela obra e da demora na instalação de redes de energia. Gerente regional de Habitação da Caixa Econômica Federal, Pablo Costa Sarmento admitiu os problemas, mas ressaltou que tudo estará funcionando hoje. Washington Quaquá, por sua vez, disse que até janeiro de 2016 estarão prontos a escola, o posto de saúde e a creche. A Cedae informou que já inaugurou uma estação de tratamento e que fez obras para aumentar o oferta de água no município.

Marighella nasceu na Bahia, em 1911. Militante de esquerda, integrou o Partido Comunista do Brasil ( PCB) e se elegeu deputado federal em 1945. Participou da criação da Constituição de 1946. Em 1948, seu partido voltou à clandestinidade e Marighella teve o mandato cassado. Em 1968, fundou a Ação Libertadora Nacional ( ALN). Em 4 de novembro de 1969, foi assassinado em São Paulo. Em novembro de 2012, Marighella foi oficialmente anistiado, “post mortem”, pelo governo brasileiro.