Advogada de delatores diz ter sido ameaçada

 

A advogada, especialista em delações premiadas, afirmou que não pretende ir embora do Brasil, e que apenas fez uma viagem de férias recentemente a Miami, junto com os filhos “Não recebi ameaças de morte, diretas. Mas elas vêm de forma velada, cifradas” “Por zelar pela segurança da minha família, dos meus filhos, decidi encerrar minha carreira na advocacia” “Ele ( Júlio Camargo) tinha medo de chegar ao presidente da Câmara”
Beatriz Catta Preta
Advogada criminalista

Advogada há 18 anos e maior especialista do Brasil em delação premiada, que fechou acordo por 9 dos 22 delatores da Lava- Jato, Beatriz Catta Preta disse ontem, em entrevista ao “Jornal Nacional”, da TV Globo, que foi intimidada por integrantes da CPI da Petrobras. Por zelar pela segurança da família, afirmou, ela decidiu encerrar a carreira. Segundo Catta Preta, a intimidação aumentou após o consultor Júlio Camargo, um de seus clientes, ter dito que pagou propina de US$ 5 milhões ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha. - SÃO PAULO E BRASÍLIA- A advogada criminalista Beatriz Catta Preta, que já defendeu nove delatores da Operação Lava-Jato, disse ontem que decidiu encerrar sua carreira e fechar o escritório que mantinha em São Paulo depois de receber ameaças de integrantes da CPI da Petrobras. Sem citar nomes, Beatriz Catta Preta afirmou em entrevista ao “Jornal Nacional”, da TV Globo, que a intimidação aumentou depois que um dos seus clientes, o consultor Júlio Camargo, relatou um encontro com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), em 2011, em que o parlamentar lhe pediu US$ 5 milhões em propinas. Hoje há 22 delações em curso na Lava- Jato. Cunha nega a acusação.

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— Vamos dizer que aumentou essa pressão ( depois do depoimento de Camargo). Aumentou essa tentativa de intimidação a mim e à minha família — disse a advogada, com fisionomia abalada, sem citar diretamente Cunha.

“ELE TINHA MEDO”, DIZ ADVOGADA

Camargo denunciou Cunha em 16 de julho, durante uma audiência da Justiça Federal em Curitiba. Até então, ele não havia falado o nome do deputado para autoridades do Paraná. Catta Preta disse que isso não havia acontecido porque o consultor estava com receio:

— Ele tinha medo de chegar ao presidente da Câmara.

Perguntada pelo repórter se Cunha estaria entre os que a ameaçaram, a advogada respondeu que não pode afirmar porque não viu nenhuma declaração do presidente da Câmara sobre ela. Catta Preta não revelou nomes das pessoas que estariam fazendo as ameaças, mas declarou que estava sendo intimidada e perseguida “sem dúvida nenhuma”.

Segundo ela, a pressão veio dos integrantes da CPI da Petrobras que votaram a favor de sua convocação para depor sobre honorários que recebeu dos clientes da Lava- Jato. Ao ser indagada se recebeu ameaças de morte, respondeu:

— Não recebi ameaças de morte, diretas. Mas elas vêm de forma velada, cifradas.

Segundo ela, todos os depoimentos prestados pelos delatores sempre foram respaldados por provas concretas.

Ontem, o presidente do Supremo Tribunal Federal ( STF), ministro Ricardo Lewandowski, concedeu liminar para dar à advogada o direito de não responder a perguntas de integrantes da CPI relacionadas ao exercício de sua atividade profissional. No último dia 9, a CPI aprovou o requerimento para a advogada esclarecer a origem dos honorários. Ainda não foi marcada a data do depoimento. Na decisão, Lewandowski condena a tentativa da CPI de “transformar defensores em investigados”.

“Para se preservar a higidez do devido processo legal, e, em especial, o equilíbrio constitucional entre o Estado acusador e a defesa, é inadmissível que autoridades com poderes investigativos desbordem de suas atribuições para transformar defensores em investigados, subvertendo a ordem jurídica. São, pois, ilegais quaisquer incursões investigativas sobre a origem de honorários advocatícios, quando, no exercício regular da profissão, houver efetiva prestação do serviço”, escreveu o ministro.

Lewandowski determinou que “seja preservada a confidencialidade que rege a relação entre cliente e advogado, inclusive no que toca à origem dos honorários advocatícios percebidos, notadamente para resguardar o sigilo profissional dos advogados e o direito de defesa”.

Catta Preta já encerrou as atividades em seu escritório nos Jardins. O “Jornal Nacional” mostrou salas vazias.

— Depois de tudo o que está acontecendo, e por zelar pela segurança da minha família, dos meus filhos, decidi encerrar minha carreira na advocacia. Fechei o escritório — disse Catta Preta.

ADVOGADA DIZ QUE NÃO DEIXARÁ O PAÍS

A advogada afirmou que não pretende ir embora do Brasil, e que apenas fez uma viagem de férias recentemente a Miami, junto com os filhos.

— Nunca cogitei sair do país ou fugir como disseram.

A criminalista não entrou em detalhes sobre seus honorários, alvo do pedido da CPI, mas, perguntada se teria recebido cerca de R$ 20 milhões por seu trabalho com os delatores, respondeu:

— Esse número é absurdo. Não chega perto da metade disso.

Ela disse ainda que todos os valores foram pagos de forma legal e no Brasil.

Catta Preta comunicou, na semana passada, ao juiz Sérgio Moro, que estava deixando os seus clientes. Moro também indeferiu ontem o pedido da CPI para convocar Catta Preta para depor sobre seus honorários. O juiz ressaltou que tem “o máximo de respeito” pelas CPIs, mas reiterou que não há elementos concretos que justifiquem a investigação da advogada.

O advogado de Cunha, Antonio Fernando de Souza, não foi localizado pelo GLOBO ontem. Ao “Jornal Nacional”, disse que as declarações de Catta Preta não fazem sentido, “uma vez que Júlio Camargo já havia negado o envolvimento de Cunha publicamente”.

O advogado afirmou ainda que as declarações da advogada dão a impressão de “coisa montada”. Souza voltou a negar o envolvimento do presidente da Câmara na corrupção e disse que Júlio Camargo não tem nenhum documento que ligue o político às irregularidades.

 

CPI põe a Kroll para investigar delatores

 

A CPI da Petrobras decidiu usar a empresa de investigações Kroll para vasculhar contas bancárias e patrimônio no exterior de 12 delatores da Operação Lava- Jato. Depois, o número de alvos foi reduzido para quatro, por decisão do presidente da CPI, deputado Hugo Motta ( PMDB- PB), e do subrelator André Moura ( PSC- SE). Os quatro investigados atualmente pela Kroll são todos delatores da Lava- Jato, entre eles o doleiro Alberto Youssef, o consultor Júlio Camargo e o ex- diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, conforme o relato de deputados próximos a Motta e Moura.

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As delações de Youssef e de Camargo foram decisivas para a investigação de denúncias de corrupção envolvendo o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), no âmbito da Operação Lava- Jato. Youssef foi o primeiro a afirmar que Cunha pressionou pelo pagamento de propina a partir de contratos de aluguel de navios- sonda na Petrobras, usando, para isso, requerimentos de investigações na Câmara.

A delação de Youssef foi usada para justificar a abertura de inquérito no Supremo Tribunal Federal ( STF), que investiga o presidente da Câmara por suspeita de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No último dia 16, Camargo confirmou o depoimento de Youssef e disse que Cunha pediu pessoalmente US$ 5 milhões em propina, relativos aos contratos dos navios- sonda. A Procuradoria- Geral da República ( PGR) deve apresentar a denúncia contra Cunha até o fim de agosto.

O deputado Hugo Motta é próximo de Cunha e está no cargo de presidente da CPI por decisão do aliado. André Moura também é um dos mais próximos e fiéis aliados do presidente da Câmara.

LISTA INICIAL TINHA 15 NOMES

O trabalho da Kroll, que consumiu R$ 1 milhão da Câmara e deve ser aditivado para a próxima etapa de investigações, está concentrado em descobrir informações que poderiam levar à anulação dos depoimentos dos delatores de Cunha.

Num acordo de delação, os colaboradores se comprometem a identificar à Justiça todo o patrimônio e todas as contas bancárias alimentadas com dinheiro proveniente dos crimes confessados. As listas de investigados pela CPI — a primeira de 15 nomes, a segunda de 12 delatores e a última, reduzida a quatro — são mantidas em sigilo por Motta e Moura. A alegação oficial é de que a revelação dos nomes, até mesmo aos integrantes da CPI, atrapalharia as investigações da Kroll.

— Não posso dizer quem são essas pessoas — disse Moura.

O subrelator nega qualquer interferência de Cunha nas decisões da cúpula da CPI sobre a Kroll:

— Quem faz um trabalho contra o presidente, internamente e externamente, é quem diz que ele comanda as investigações. Hoje, Cunha é o adversário número um da presidente Dilma e do PT.

Em nota, Cunha afirmou que não participa de “qualquer decisão sobre investigações da CPI, que tem a sua autonomia”. Ele disse que a direção da Câmara tratou apenas da “contratação administrativa” da Kroll, a pedido da CPI. A nota foi divulgada por Cunha para contestar reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo”, que mostrou o uso da Kroll para investigar Júlio Camargo.

 

Advogado fala em ‘ lógica da gangue’

 

Ao entregar a defesa final do consultor Júlio Camargo à Justiça ontem, o advogado Antônio Figueiredo Basto afirmou que as pessoas que criticam seu cliente agem com a “lógica da gangue”. Figueiredo Basto disse, ainda, que seu cliente tem “justificado temor” do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDBRJ), e que o esquema da Petrobras maculou “diretamente o equilíbrio do processo eleitoral durante pelo menos três eleições”.

Em 16 de julho, Camargo afirmou que Cunha pediu pessoalmente a ele US$ 5 milhões em propina. Em resposta, Cunha disse que o delator é um “mentiroso”, e acusou o procurador- geral da República, Rodrigo Janot, de obrigar Camargo a mentir.

O advogado escreveu: “Não existem dúvidas sobre desvios e abusos na Petrobras que vinculam mandarins da República a crimes contra a administração pública e que macularam diretamente o equilíbrio do processo eleitoral durante pelo menos três eleições.”

Figueiredo Basto assumiu a defesa de Camargo após o depoimento de 16 de julho, quando a advogada Beatriz Catta Preta renunciou ao caso. Basto apresentou as alegações finais do consultor no processo que investiga suspeita de corrupção na compra de dois navios- sonda pela Petrobras.

O criminalista criticou a utilização da CPI da Petrobras para interferir nas investigações. Basto defende outro delator, o doleiro Alberto Youssef. Também ao prestar depoimento no dia 16, o doleiro disse que estava sendo intimidado por um “pau- mandado de Eduardo Cunha”.

Ele se referia ao deputado federal Celso Pansera ( PMDB- RJ), que pediu, na CPI, a quebra dos sigilos bancários da ex- mulher e das duas filhas de Youssef.