Guerra pela água no subsolo mineiro

06/07/2015 

Matheus Parreiras
 

Poço perfurado em Araguari está sem água. A situação tem expulsado diversos agricultores da região (Leandro Couri/EM/D.A Press - 16/6/15)

Poço perfurado em Araguari está sem água. A situação tem expulsado diversos agricultores da região

 


Araguari O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) delimitou 57 focos de tensão nos quais a água de córregos, ribeirões e rios é insuficiente para saciar a sede da agricultura, do consumo humano, da indústria, das mineradoras e ainda sustentar o ecossistema sem uma gestão restritiva. São áreas que, somadas, abrangem 19 mil quilômetros quadrados, quase a mesma extensão do estado de Sergipe (22 mil km²), nas quais, apesar do mapeamento, a falta de fiscalização permite a devastação dos recursos hídricos trazendo escassez, desemprego, êxodo e violência.

No subsolo, a situação também é crítica. Perfurações que penetraram 200 metros no subterrâneo encontraram apenas argila seca. Aflitas por uma fonte de água para sobreviver, 44 famílias insistiram o quanto puderam. Em Araguari, no Triângulo Mineiro, dos 10 poços escavados no solo das roças do Bom Jardim, dois verteram o líquido de um lençol profundo. O que pareceu por um tempo alívio, porém, voltou a ser angústia: Há 5 anos, conseguimos tirar 3 mil litros por hora de cada poço. Agora, não temos 500 litros. Isso dá para uma família beber, mas não enche cocho de gado nem irriga horta, lamenta o sindicalista Alcides Lima de Souza, de 53 anos, que culpa as extrações volumosas do agronegócio pelo rebaixamento do nível da água.

Alcides e a família abandonaram o campo, porque a caixa dágua vazia já não permitia cozinhar nem ter higiene básica. E o infortúnio na zona urbana é o mesmo, pois o município de 115 mil habitantes depende completamente da água que bombeia do subterrâneo, e essa fonte tem ficado cada vez mais profunda e contaminada pelo excesso de uso, sobretudo clandestino, mesmo estando Araguari sobre uma das mais volumosas reservas de água do subsolo brasileiro, o Aquífero Bauru.

Presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Araguari, Alcides e seu irmão José, 54 anos, contam que teimaram muito antes de desistirem de produzir nas roças do Bom Jardim. A gente buscava água na carroça para dar ao gado e aguar as plantações. Eram muitas viagens e (o cultivo) nem sempre vingava. O arado e o trator a gente comprou com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), lembra. Mas a redução dos recursos hídricos, que especialistas apontam ter ocorrido com o grande volume de extração do aquífero, fizeram o córrego quase secar.

A guerra pela água em Araguari mostra que as disputas pelos recursos hídricos não ocorrem apenas na superfície, mas também no subsolo, nas áreas dos aquíferos que muitos imaginam ser uma reserva intocada de prosperidade. O uso desse recurso só aumenta e a recarga reduziu com o desmatamento e a urbanização que impedem o amortecimento e infiltração da água da chuva que a terra suga e chega ao aquífero, afirma o hidrogeólogo Adelbani Braz da Silva, que tem pós-doutorado na Colorado School of Mines (Escola de Minas do Colorado), nos EUA.

Segundo a coordenadora de águas subterrâneas do CPRM em Minas Gerais, Maria Antonieta Alcântara Mourão, o crescente número de poços clandestinos precisa ser combatido. Araguari é uma das áreas mais sensíveis de Minas Gerais em termos de conflito hídrico pelas águas subterrâneas. Temos notícia de grande número de poços irregulares que não permitem saber qual é o volume de recursos extraídos, disse.