Ainda tem jogo

 

Embora o anúncio tenha vindo antes do previsto, o rebaixamento da nota de crédito da dívida soberana brasileira pela agência de classificação de riscos Standard & Poor’s, anunciada nesta terça- feira, era bola cantada. Há tempos, como já se comentou neste espaço, os indicadores da economia brasileira se assemelhavam mais aos de países no último degrau do chamado “grau de investimento” e, em alguns casos, até se acomodavam melhor na indesejada prateleira das economias classificadas como “grau especulativo”.

A colocação pela S& P da nota brasileira em perspectiva negativa, por isso mesmo, não foge à coreografia padrão das agências. É de se esperar que Moody’s e Fitch, as outras duas das “três irmãs” globais do negócio de classificar economias e empresas pela capacidade de pagar dívidas, atrasadas em dois degraus em relação à S& P, sigam o mesmo caminho. Mas, atenção, se a beira do precipício é inevitável, a queda no abismo da perda do “grau de investimento” ainda depende do que venha a acontecer no futuro.

Não há dúvida de que os números da economia brasileira são ruins o suficiente para justificar o rebaixamento, e as perspectivas econômicas do momento não colaboram para evitar a futura perda do “grau de investimento”. Mas o que pegou mesmo, desta vez, foi o fator político. Parece estranho, mas está em linha com o fato de que, em qualquer democracia do mundo, sejam quais forem as circunstâncias, ajustes fiscais só serão bem- sucedidos se o governo contar com uma base de sustentação no Congresso.

Falta justamente essa coordenação crucial na equação brasileira de rearrumação das contas públicas, e foi a ausência de sintonia entre o Executivo e o Legislativo, na condução do programa de ajuste, que levou a S& P a reclassificar para pior a nota brasileira.

A pouco comum atribuição do rebaixamento a fatores tão declaradamente políticos, em lugar dos convencionais argumentos técnicos, fez com que, no Congresso, se disseminasse a ideia de um conluio entre o governo e a S& P para emparedar os políticos e constrangê- los a aceitar as propostas de ajuste da equipe econômica. Na medida em que a realidade corrobora a conclusão da agência de risco, o argumento soa fantasioso.

Está bem claro que ao Congresso, até agora, interessou muito mais impor derrotas e desgastes ao governo do que se empenhar na direção de um ajuste fiscal. Resistências em votar a revisão das desonerações das folhas de pagamento, combinadas com a diluição dos cortes de gastos com as mudanças propostas em capítulos da legislação trabalhista e previdenciária, aumentos de gastos, como o intempestivo fim do fator previdenciário, e rejeição de propostas de aumento de arrecadação são parte de uma extensa lista de boicotes ao programa de ajuste.

O rebaixamento da classificação de risco brasileira não aponta direta e imediatamente para a descida ao “grau especulativo”. Coloca, contudo, pressão sobre o Congresso e a capacidade de articulação política do governo. Pressão que, de outro tipo, mas com o mesmo sentido, soube ser interpretada pelo Banco Central, ao elevar os juros básicos a 14,25% anuais, nesta quartafeira, indicando o fim do ciclo de alta.

Caso esses movimentos ocorram na direção desejada, fica composto um cenário mais positivo para a manutenção da nota brasileira no último degrau antes da perda do “grau de investimento”. Simulações que combinam progresso no ajuste, projeções para os juros básicos, situação das contas externas e evolução do PIB apontam essa hipótese como possível, ainda que a sombra do “grau especulativo” se mantenha presente nos preços dos ativos, até que surjam novidades no ambiente político.

O resumo da história é que, tendo como arena a linha do precipício, ainda tem jogo a ser jogado antes da perda do “grau de investimento”.