Supremo decidirá sobre redução da maioridade
Deputados, OAB e AMB condenam a manobra de Eduardo Cunha, que submeteu tema a nova votação após derrota.

03/07/2015

André Shalders  

A manobra do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que conseguiu aprovar a redução da maioridade penal em primeiro turno mesmo após o tema ter sido rejeitado em plenário no dia anterior, não passou incólume. Deputados contrários à medida, entidades de classe e até mesmo um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) condenaram o drible que o peemedebista deu nas normas da Casa para votar a controversa medida, que permite a punição de jovens de 16 e 17 anos em determinados tipos de delito. “Vivenciamos tempos muito estranhos, com perda de parâmetros, abandonos de princípios. Não se avança culturalmente assim, abandonando a Constituição Federal. Isso é um retrocesso”, criticou o ministro Marco Aurélio Mello, do STF. Parlamentares prometem questionar a matéria na Corte.

Em entrevista à Rádio Gaúcha, Mello citou o artigo 60 da Constituição, segundo o qual uma PEC rejeitada só pode ser posta em votação novamente no ano seguinte. “O que nós temos na Constituição Federal? (...) Temos uma regra muito clara, que diz que matéria rejeitada ou declarada prejudicada só pode ser apresentada na sessão legislativa seguinte. E, nesse espaço de tempo de 48 horas, não tivemos duas sessões legislativas”, disse o ministro, sem citar o nome de Eduardo Cunha. O magistrado ainda questionou a efetividade de reduzir a maioridade no combate à violência. “Não é a solução, e acaba dando uma esperança inútil à sociedade. Como se após essa redução, tivéssemos melhores dias. Precisamos combater as causas.”

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também criticou a atitude de Cunha. “Temos de ter a clareza que a alteração tópica da redação de uma PEC não é suficiente para retirar um fato: a matéria foi rejeitada em um dia e aprovada no dia seguinte. É justamente esse fenômeno que a Constituição proíbe”, disse a entidade, em nota divulgada ontem. A OAB informou que ingressará com uma ação no STF para tentar barrar a promulgação da PEC, caso aprovada na Câmara e no Senado.

Já a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) considerou “grave” o procedimento adotado por Eduardo Cunha. “Além de a constitucionalidade material da PEC 171/1993 ser alvo de questionamento no Supremo Tribunal Federal, a medida adotada pela Câmara fere o regimento legislativo e representa inconstitucionalidade formal à proposta”, afirmou a AMB, por meio de nota.

Na noite de ontem, Eduardo Cunha comentou as declarações do ministro Marco Aurélio Mello. “Eu não vou entrar no mérito. Ele (Mello) falou em tese. Certamente, não tem nenhum auto na mão dele, com o fato específico para ele julgar. Ele deve ter feito algum comentário sem conhecer”, disse. “O caso aqui é diferente da alegação colocada. E tem um julgamento dele (em um mandado de segurança de 1997, apresentado por Jandira Feghali), na época, em uma situação exatamente igual”, continuou o peemedebista. Na ocasião, a Corte decidiu, contra o relatório de Mello, que era possível votar o texto original depois de rejeitado o substitutivo.

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A controversa "pedalada regimental" da câmara

Deputados adversários do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), prometem contestar, no Supremo Tribunal Federal (STF), a votação que aprovou, por 323 votos contra 155, a redução da maioridade penal em determinados tipos de crime. Os parlamentares vão utilizar como argumento uma interpretação ampla do art. 60 da Constituição — segundo o qual uma proposta de emenda à Constituição (PEC) não pode ser votada novamente na mesma sessão legislativa (correspondente a um ano) depois de rejeitada. A manobra de Cunha foi apelidada de “pedalada regimental” por congressistas contrários à prisão de jovens de 16 e 17 anos que cometam crimes.

Ontem, Cunha voltou a dizer que a operação está amparada pelo regimento da Casa. “O PT tomou várias decisões aqui quando ocupava a presidência da Casa, e o que eu usei para responder à questão de ordem (feita por parlamentares contrários à redução da maioridade) foram decisões do (então presidente da Câmara) Arlindo Chinaglia (PT-SP). Expliquei detalhadamente isso. As razões regimentais foram absolutamente tranquilas. Das outras duas vezes que eles entraram (na Justiça, contra o projeto de lei da terceirização e na votação da reforma política), não obtiveram êxito. Podem entrar (no Supremo) à vontade”, minimizou o peemedebista. No fim da tarde, Cunha distribuiu uma decisão de 1997 do STF na qual o tribunal definiu que a rejeição de um substitutivo não impede a votação da PEC original.

Chico Alencar (PSol-RJ) ingressou na Câmara em 2003, mesmo ano em que Cunha foi eleito pela primeira vez. Adversário político do presidente da Casa, Alencar diz não se lembrar de outras PECs que tenham sido postas em votação novamente horas depois de rejeitadas. “Eu sou parlamentar há tanto tempo quando ele, e não me recordo de que se tenha posto para votar novamente a mesma matéria, com pequenas alterações, horas depois. Também não me lembro de outro presidente da Câmara, mesmo do PMDB, como Michel (Temer) e Henrique (Eduardo Alves), não aceitar uma derrota em votação do plenário”, disse. (AS)

“Eu sou parlamentar há tanto tempo quando ele, e não me recordo de que se tenha posto para votar novamente a mesma matéria, com pequenas alterações, horas depois”
Chico Alencar (PSol-RJ), deputado.