N o início da década de 1980, O GLOBO começou a publicar reportagens sobre uma síndrome ainda desconhecida e, na época, fatal: a Aids. A primeira vez que uma notícia sobre a “doença misteriosa” apareceu no jornal foi em dezembro de 1981: “Homossexuais masculinos, em particular os viciados em drogas, estão sujeitos a uma enfermidade misteriosa, que reduz a imunidade natural às infecções e, com frequência, os leva à morte”, dizia a reportagem. No início, a doença era chamada de “câncer gay” e seu vírus, o HIV, só foi descoberto oficialmente em 1983 pelo imunologista francês Luc Montagnier. Ele se tornou numa das maiores epidemias da Humanidade. Hoje, no entanto, segundo a ONU, ela pode estar relativamente próxima de ser controlada.

ARQUIVOVítima. O costureiro das famosas Markito foi um dos primeiros brasileiros oficialmente infectados com a Aids

— A Aids surgiu como uma notícia de folhetim: a carga dramática envolvia sexo, sangue e drogas, o que tornou o preconceito, logo de cara, muito grande. A doença era associada a uma vida desregrada, uma espécie de castigo e punição — conta Veriano Terto Jr., doutor em Saúde Coletiva e assessor de projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids ( Abia).

Hoje com 53 anos, ele se lembra de quando, em 1983, começou a ouvir, pelos corredores da faculdade de Psicologia, sobre casos de infectados com o vírus.

— Só na segunda metade dos anos 1980 o enfrentamento à Aids virou política pública — recorda.

O próprio fundador da Abia, Betinho, contrariou a ideia de que a imunodeficiência adquirida era um mal que acometia só homossexuais. Ele e seus irmãos, Henfil e Chico Mário, contraíram a doença por transfusões de sangue, e morreram dela.

— Antes da “lei do sangue”, que veio com a Constituição de 1988, os bancos de sangue não passavam por fiscalização do governo. Qualquer um poderia doar sem ser testado antes, e isso foi devastador — destaca Terto Jr.

Em 5 de junho de 1983, O GLOBO noticiou a morte de um dos primeiros brasileiros infectados com o vírus. O costureiro Marcus Vinícius Resende Gonçalves, o Markito, trabalhava para cantoras e atrizes brasileiras, e adoeceu seis meses antes de morrer, em um hospital de Nova York.

O jornal dedicou, no final daquele mesmo mês de 1983, uma página inteira à doença, desta vez já batizada. Com letras garrafais, a sigla “Aids” vinha acima do título “A luta dos EUA contra uma doença misteriosa e mortífera”. A reportagem da correspondente do GLOBO em Nova York na época, Sonia Nolasco- Ferreira, destacava que “(...) não é só um problema grave a mais para a saúde pública. É um problema social. (...) Não é só o sistema imunológico que a doença destrói. Isolamento, insegurança — financeira e emocional —, culpa e pânico são os sintomas da Aids”.

A reportagem mostrava ainda casos em que as pessoas infectadas não se encaixavam nos grupos de risco da época ( homossexuais, imigrantes haitianos, hemofílicos e usuários de drogas).

A infecção de famosos como o cantor Freddie Mercury e o filósofo Michel Foucault aumentou a percepção da gravidade. No Brasil, onde os primeiros casos foram identificados em 1982, a doença matou, entre outros, o ator Lauro Corona e os cantores Renato Russo e Cazuza.

A expectativa da descoberta de uma cura para a Aids já pairava no ar desde o início daquela década. Em abril de 1983, um médico carioca chamado Sérgio Nabuco Coelho Gomes anunciou ter descoberto uma forma de transferir imunidade celular àquelas pessoas com a infecção. Até agora, porém, a cura ainda não surgiu.

Segundo um relatório divulgado na terçafeira da semana passada pela Unaids, programa das Nações Unidas sobre HIV/ Aids, existe a possibilidade de, em 2030, a doença estar controlada — com menos de 200 mil novos casos de infecção por ano, número bem menor que os 2 milhões registrados atualmente. Isso significaria que a epidemia de Aids no mundo teria a duração de, no máximo, 50 anos. “É uma meta ambiciosa, mas realista”, declarou o secretáriogeral da ONU, Ban Ki- moon.