Valor econômico, v. 16, n. 3775, 12/06/2015. Legislação, p. E1

 

Movimento de advogados públicos pode afetar a arrecadação federal

 

 

Por Marcos de Moura e Souza e Zínia Baeta | De Belo Horizonte e São Paulo

 

DivulgaçãoHeráclio Camargo: "Os advogados públicos já não estão mais fazendo o acompanhamento dos grandes devedores"

Os advogados públicos federais encontraram uma forma de protesto que pode afetar a arrecadação e os projetos da União. Os profissionais deixaram de acompanhar os grandes devedores, processos judiciais - que podem ser bilionários - e de dar o aporte jurídico necessário ao governo em questões estratégicas, como concessões.

A categoria engloba atualmente advogados da União e procuradores federais, da Fazenda Nacional e do Banco Central. Por meio desse movimento, que não consideram uma greve, buscam simetria de carreira com os membros do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública, o que significa melhores salários e condições adequadas de trabalho.

"Os advogados públicos já não estão mais fazendo o acompanhamento dos grandes devedores e de processos estratégicos para a União. Não despacham mais com juízes, não fazem sustentação oral e não viajam mais", afirma Heráclio Camargo, presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz).

De acordo com Camargo, estão todos trabalhando, mas simplesmente não usam mais o próprio carro ou pagam do bolso o transporte para ir a tribunais. Também não fazem pesquisas necessárias para os processos, cuja função seria de algum funcionário de apoio (trabalho administrativo) e que são importantes para o acompanhamento dos grandes devedores da União, por exemplo.

Viagens a trabalho também foram suspensas, pois segundo Camargo, a diária de R$ 224 é insuficiente para cobrir as despesas de qualquer deslocamento, principalmente se o procurador precisar dormir na cidade. "Estamos denunciando esse sucateamento da carreira", diz o presidente.

Em Minas Gerais, por exemplo, advogados públicos simplesmente deixaram de ir a audiências de conciliação do processo de desapropriações para as obras de duplicação da rodovia federal 381, entre Belo Horizonte e Governador Valadares.

No Paraná, São Paulo e também outros Estados, procuradores da Fazenda Nacional não estão fazendo acordos em processos que cobram dívidas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Também não estão tentando minimizar, por meio de acordos, prejuízos em processos em que não há praticamente chances de vitória da União.

O movimento também desmantelou a estrutura da Advocacia-Geral da União (AGU). Em 21 de maio, mais de 1,3 mil advogados públicos formalizaram a entrega de cargos de confiança, como de procuradores-chefes, procuradores de seccionais, consultores jurídicos, coordenadores de divisão e outros. A AGU tem cerca de 7.500 procuradores. Havia uma expectativa de que as exonerações fossem publicadas no Diário Oficial até o dia 5. Como não ocorreram, foram orientados por entidades representativas das categorias a não mais responderem por atos de chefia.

O presidente do Sinprofaz também teme pelo recém-lançado pacote de concessões. "Com certeza haverá um impacto do movimento nesse plano de concessões", diz Camargo. "São os advogados públicos que têm de dar a formatação constitucional para essas concessões. Nenhum contrato desse porte pode ir para frente sem isso."

De acordo com o presidente da maior associação de procuradores federais, a União dos Advogados Públicos Federais do Brasil (Unafe), Roberto Mota, não há uma greve em andamento. "Não é greve o que estamos fazendo, mas o efeito talvez seja até pior do que o de uma greve", afirma, acrescentando que o pacote de concessões "pode ficar comprometido. "Todo esse pacote, de seu nascedouro até a sua execução, necessita da participação dos advogados públicos federais."

Outro reflexo do movimento, segundo advogados públicos, está nos gabinetes dos ministros dos tribunais superiores. Os profissionais já não procuraram mais os magistrados para reforçar suas defesas.

Passam pelos profissionais das quatro carreiras da AGU a formatação de licitações e defesas nos tribunais de políticas públicas variadas: da Usina de Belo Monte ao programa Mais Médicos; de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ao programa federal de financiamento estudantil, o Fies; das medidas de ajuste fiscal ao Minha Casa, Minha Vida e ao plano de concessões na área de infraestrutura.

Para lidar com todas essas questões, porém, há uma estrutura deficitária, como narram os advogados públicos em carta recente à cúpula da AGU. Os problemas relatados vão da falta de carros e segurança a salas e edifícios afetados por "inundações, princípios de incêndio e infestação por ratos ou morcegos". Além disso, afirmam que falta água potável e há móveis e condicionadores de ar quebrados.

A aprovação de duas Propostas de Emenda à Constituição (a 82 e a 443) que se arrastam no Congresso Nacional é vista pelos procuradores como a chave para a melhora nas carreiras da AGU. Mesmo que essas propostas não sejam aprovadas agora, os advogados públicos dizem que, para acalmar o movimento, é preciso compromissos do governo. "É preciso uma sinalização concreta de melhora das condições", diz Roberto Mota.

O Valor tentou, por várias dias, contato com o advogado-geral da União Luís Inácio Adams, por meio da assessoria de imprensa da AGU, que apenas informou não ter recebido "resposta dos setores responsáveis pelo tema".