Título: Nos braços do povo
Autor: Pariz, Tiago; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 01/09/2011, Economia, p. 12
Brasil S/A
Dilma se solta em Recife, prevê juro menor, defende juízo fiscal e tropeça no Orçamento para 2012
Por machado@cidadebiz.com.br
A presidente Dilma Rousseff parece tomar gosto pelo corpo-a-corpo com o povo. De passagem por Recife, vindo de inaugurações em duas cidades no interior de Pernambuco, para visitar o call center da Contax, do grupo Oi, ela foi recebida pelo burburinho dos cerca de 14 mil operadores, dos quais 70% mulheres. Elas queriam tocá-la.
Ficou pouco, o suficiente para se informar com Pedro Jereissati, do grupo de acionistas controladores da Oi, sobre o programa de expansão da internet em banda larga da Telco e, literalmente, cair nos braços das operadoras de telemarketing da Contax.
Chamada pelas moças para tirar fotos, topou e brincou de se jogar de costas sobre um grupo delas. As moças vibraram. Ao discursar, orientou-se por um texto que lhe foi entregue pela ministra da Comunicação Social, Helena Chagas, para falar de improviso de modo claro, revelando preocupação com o seu ponto fraco ¿ a oratória.
Ela sugeriu mais: seu apreço mais que protocolar pelo governador Eduardo Campos (PSB), espécie de reserva unânime para 2014, já que é próximo de Lula e do senador Aécio Neves, virtual pré-candidato do PSDB à sucessão de Dilma. Em seu discurso na Contax, Campos foi o único elogiado por ela, ainda que ao lado estivessem o ministro das Cidades, Mário Negromonte (PP), o prefeito do Recife, João da Costa (PT), e os senadores Humberto Costa e Armando Monteiro. Foi também o único convidado a acompanhá-la no trajeto ao aeroporto.
Com mais tempo para circular e confabular, o que tem feito depois dos choques com os dirigentes de partidos de sua base de apoio no Congresso, Dilma tem mostrado maior firmeza, especialmente na nova orientação que procura imprimir à política econômica.
A ideia é trocar a ênfase da macroeconomia induzida pela política monetária pela execução do orçamento fiscal. Trata-se de reduzir o protagonismo da taxa de juros básica (Selic) encenada pelo Banco Central, ascendendo ao estrelato a política fiscal. O caminho para o BC descer do palco sem voluntarismo sobre os juros é esse: pôr a evolução do gasto público, uma das grandes causas da pressão sobre a demanda, alinhada à meta de inflação. A correlação é direta.
Homenagem à política Se tivesse um pouco mais de traquejo, Dilma poderia também dizer que essa orientação é uma homenagem à política, já que o regime de meta de inflação pressupõe decisões automáticas e autônomas do BC, fazendo a disputa de interesses pender para o mercado financeiro, enquanto a estabilidade econômica ancorada na política fiscal leva o governo a ter de partilhar as decisões com os partidos.
A âncora fiscal obriga o governo a negociações frequentes com os partidos, pois operada por meio dos fluxos de receitas e despesas do Orçamento federal. Esse trabalho começa com a apreciação da Lei Orçamentária Anual (LOA) proposta pelo governo ao Congresso. A LOA de 2012 vai tramitar com uma diretriz reforçada por Dilma, mas que, na verdade, é um mandamento constitucional: a indicação da fonte de receita para qualquer despesa criada ou aumentada pelos políticos.
Orçamento de borracha Empresas privadas colhem prejuízo e até quebram, se não ajustam o gasto ao faturamento. Governos produzem inflação, dívida e deficit fiscal e nas relações com o exterior (combatidos com juros altos, crédito escasso e caro, corte de investimento e mesmo desemprego), quando tratam o Orçamento como se fosse de borracha. O mercado não cria tais inconsistências, mas as agravam ao tirar proveito delas.
É disso que falava a presidente ao afirmar a rádios de Pernambuco que recusa "presente de grego", caso da Emenda Constitucional 29, que aumenta os repasses da União, estados e municípios à saúde.
Superavit de afronta O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), diz que vai levar a Emenda 29 à votação no dia 28. Conforme os termos de Dilma, o PT quer aprovar em seu bojo a Contribuição Social para a Saúde (CSS), nova cara da CPMF. Tem o apoio de partidos de esquerda e a aversão dos demais, como o PMDB, e do bloco da oposição. Para o líder do PMDB, Henrique Alves, há dinheiro para a saúde sem outro tributo.
Ele tem razão. O Tesouro opera com caixa único, mas 89,1% de todo o dinheiro gasto é carimbado, e cresce conforme aumenta a receita. E Dilma vem falar em "origem dos recursos" para bancar a saúde. Ou é retórica ou não acabou a reciclagem sobre os conceitos fiscais. Falta coerência na LOA proposta para 2012. Se o superavit primário de 2011 acaba de ser aumentando em mais R$ 10 bilhões e será feito sem abater investimentos, segundo o ministro Guido Mantega, o de 2012 inclui tal macete contábil. Isso é afrontar Mantega e o BC.
Ponto de vista caolho Não é fácil administrar os conflitos de interesses onde eles mais reverberam: sobre a mesa presidencial. Mas já ajuda se pautar pela coerência. Se, por exemplo, a redução da Selic será uma meta tanto quanto a inflação com variação de 4,5%, o superavit primário terá de vir da poupança do Orçamento, não de falsetes, como abater dele o que o governo gastar com investimentos. Fazer isso é tolice.
Sem a solvência nacional ameaçada, a serventia do tal superavit é enquadrar a demanda a um nível descendente de juro. É uma coisa ou outra. Então, por que a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, sustentou que "do ponto de vista da peça orçamentária a meta de superavit foi reduzida"? Esse "ponto de vista" é caolho.