Valor econômico, v. 16, n. 3771, 06/06/2015. Política, p. A6

 

 

Recriação da CPMF e críticas a Levy devem marcar Congresso do PT

 

 

Por Raymundo Costa | De Brasília

 

Luis Ushirobira/ValorRui Falcão: presidente da sigla deve agir para evitar "o maniqueísmo no debate"

Numa conversa recente com um amigo, o presidente do PT, Rui Falcão, foi questionado sobre a possibilidade do descolamento do PT da presidente Dilma Rousseff, conforme especulado nos jornais. Rui pensou por um ou dois segundos e respondeu com o tom de voz baixo habitual. "Nós somos uma Santíssima Trindade: Lula, Dilma e o PT."

O amigo pareceu intrigado com a resposta e Rui, no mesmo tom de voz, segundo apurou o Valor, perguntou: "Se a Dilma pudesse jogar o PT ao mar e resolvesse a situação, ela não faria"? O amigo arregalou os olhos. Ele prosseguiu: "Se nós pudéssemos dizer 'não temos nada a ver com a Dilma porque ela rompeu o programa', nós não faríamos, se resolvesse"? E completou: "E o Lula, se pudesse botar os dois no mar, ele não faria"?

O PT realiza seu quinto Congresso Nacional a partir desta quinta-feira, em Salvador, num dos piores momentos da história do partido. A avaliação do governo da presidente Dilma Rousseff é a pior nesses pouco mais de 12 anos de governos, a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi contaminada pela perda de popularidade de Dilma e o PT está envolvido em um novo escândalo, o petrolão, maior ainda que o mensalão que tisnou de vez a imagem de um partido ético.

O ambiente é propício para recriminações e acerto de contas, e elas devem ocorrer no 5º Congresso. A própria política econômica do governo está sob pesado bombardeio, mesmo daqueles que votaram pela aprovação das medidas do ajuste fiscal. A corrente "O Trabalho", minoritária ao ponto de nem sequer ter um representante na Executiva Nacional, lidera o "Fora Levy". Mas o trabalho do ministro da Fazenda será questionado por facções com muito mais peso partidário, como os integrantes da Democracia Socialista (DS), cuja tese, inspirada pelo ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, é um contundente petardo na política de Levy.

Nos últimos dias, o presidente Rui Falcão entrou em campo para tentar evitar "o maniqueísmo no debate", segundo dirigentes do PT contaram ao Valor. Basicamente, Falcão tenta convencer os petistas que as medidas do ajuste fiscal de Joaquim Levy já foram aprovadas pelo Congresso e, portanto, são um assunto vencido. Já não há mais porque gastar energia em torno das MPs. "Eu acho melhor a gente apontar o que pode ser feito do que fazer juízo de valor de coisas que até já estão vencidas", diz Rui nessas conversas, segundo integrante da cúpula do PT. "Não pode ser um congresso de palavras de ordem."

A política econômica, no entanto, não deve passar impune pelo congresso, mesmo entre os que a apoiam e estão na articulação para preservar ao máximo o ministro Levy. A pergunta básica é por que a taxa de juros está alta, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi negativo no trimestre e as projeções de inflação continuam elevadas? Deve sobrar crítica também para o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que tem vínculos mais fortes com o PT: o partido não digeriu uma declaração sua de que o ajuste vai durar dois anos.

Outra manobra de Rui Falcão deve evitar ataques à política econômica na resolução oficial do Congresso. A resolução tratará dos temas mais estruturais. Nela estará a proposta de recriação da CPMF, a criação do imposto sobre herança e grandes fortunas e a discussão de uma nova matriz tributária, menos regressiva. Os temas mais nervosos devem ser votados separadamente. Assim, moções como a que propõe o fim de eleição direta para a presidência do PT devem ser votadas separadamente. Isso impedirá eventuais contrabandos como a agenda da Central Única dos Trabalhadores (CUT) entrar no texto da resolução principal, como era de hábito acontecer. Lula confirmou presença. Dilma também, mas deve chegar em cima da hora. O ex-presidente deve desistir da proposta de mudanças na direção do PT. A Santíssima Trindade estará presente. Resta saber se deixará Salvador una e indivisível.

O 5º Congresso deve aprovar uma resolução com várias sugestões que não foram colocadas em pauta pelo governo, mas que serão muito bem vistas no Palácio do Planalto. A principal delas é a recriação da CPMF, o imposto do cheque, derrubado em 2007 pelo Congresso. A contribuição atingiria algo em torno de 13 milhões de pessoas, no corte imaginado pelo PT, e no governo seu maior entusiasta é o ministro da Saúde, Arthur Chioro. A equipe econômica também vê com muitos bons olhos a proposta. A dificuldade é fazê-la passar num Congresso onde o governo mal consegue organizar maiorias para aprovar medidas provisórias - a recriação do imposto do cheque exige quórum constitucional, maioria bem mais qualificada, nas duas Casas.

O PT espera que o governo consiga costurar a tempo de anunciar no congresso uma proposta para a mudança do fator previdenciário numa combinação melhor que a atual das datas de entrada e saída do sistema. Na resolução também deve constar outra proposta clássica petista, a revisão da matriz de arrecadação. A ideia é desonerar a produção, consumo e salários e gravar a riqueza, grandes patrimônios e grandes propriedades.

O PT quer deixar de ser apenas um "braço parlamentar do governo", segundo afirma um dirigente. Uma das discussões centrais do encontro deve ser a formação de uma frente democrática e popular, que reúna os movimentos sociais, centrais sindicais, partidos, setores partidários - como pedaços do PSB que não se conformaram com o afastamento do PT -, sem-terras, sem-tetos. Nada institucional, como uma frente ampla, mas que tenha um programa mínimo para conversar. Líderes petistas se convenceram de que perderam apoio de vários setores da produção que ganharam no período de bonança e agora se voltam contra seus projetos mais caros. Exemplo: o sistema de partilha e a política de conteúdo nacional na exploração do petróleo.