Valor econômico, v. 16, n. 3771, 06/06/2015. Opinião, p. A10

 

Reforma da Câmara piora financiamento empresarial

 

Em decisão tomada na última semana de maio, a Câmara dos Deputados aprovou, em primeiro turno, proposta de emenda constitucional que permite a doação de recursos financeiros de pessoas jurídicas para os partidos políticos. Já para os candidatos às eleições, seriam permitidas doações apenas de pessoas físicas. A fórmula reflete um arranjo costurado pelos caciques da Câmara, depois que foi rejeitada a proposta de se inscrever na Constituição uma autorização expressa para o financiamento empresarial das campanhas políticas, como é atualmente.

A proposta a caminho da aprovação parece ainda pior do que o atual sistema vigente de doações de campanha, escondendo, quando deveria ser mais transparente, e concentrando poderes na burocracia partidária, quando o que o momento mais exige dos homens públicos é a transparência.

São muitas as questões em aberto diante do texto aprovado. Uma lei a ser depois confeccionada e votada definirá os limites máximos de arrecadação e gastos de recursos para cada cargo eletivo. Mas como bem registra um estudo de Luiz Alberto dos Santos, consultor do Senado Federal, não prevê a limitação do valor que poderá ser doado por empresa ou pessoa física, em cada ano ou ciclo eleitoral.

Há outras perguntas sem respostas. Partido é pessoa jurídica. Então como é que o partido poderá doar dinheiro para os seus candidatos, se estes somente podem receber financiamento de campanha de pessoas físicas? Os partidos, por seu turno, somente poderão utilizar os recursos das doações para a sua própria manutenção?

Sempre é possível dizer que questões como essas podem ser resolvidas mais tarde, na legislação ordinária. É verdade. Mas também é verdadeiro que o assunto será decidido por menos eleitores, pois o quórum para a aprovação de projetos de lei é muito mais baixo, e numa outra conjuntura política. Ainda hoje há aspectos da Carta de 1988 que não foram regulamentados.

O voto em lista foi descartado categoricamente logo nos primeiros embates da reforma política em tramitação, sob o argumento de que a burocracia partidária ganharia poder de vida e morte sobre os candidatos. Restaria ao eleitor referendar a lista da nomenclatura partidária. Sem entrar no mérito da questão das listas, o que se fez na questão das doações foi dar às direções o poder de escolher a quem distribuir o dinheiro arrecadado pela sigla.

Alguns partidos como o PT já desenvolveram mecanismo interno capaz de resolver demandas como essa democraticamente, de acordo com a proporcionalidade de suas tendências. Mas a situação será dramática nos partidos com dono ou aqueles que têm comissão dirigente provisória. Quem é que manda no PDT, PP e no PTB, para citar apenas três exemplos? A Câmara acelerou a votação do financiamento de campanhas porque o Supremo Tribunal Federal está na iminência de tomar uma decisão sobre o assunto. A maioria dos ministros do STF já se pronunciou pelo fim do financiamento empresarial das campanhas. Na pressa, os deputados só agora começam a se dar conta do alcance e das implicações da emenda aprovada.

Uma sugestão em curso é a fidelização empresarial. Assim, a empresa que doasse ao PT não poderia financiar o PSDB e vice-versa. Ideia de gente de peso no Congresso, o que só mostra a confusão em que os congressistas se meteram ao tentar aprovar a toque de caixa uma solução para o financiamento das campanhas e assim contornar a decisão pela qual tende o STF. Imagine-se uma campanha em que o partido X larga com 53% das intenções de voto. Empresas que hoje doam para três, quatro ou cinco partidos inevitavelmente concentrariam seus recursos no candidato favorito.

Pelo andar da carruagem, pouco ou quase nada sairá da proposta de reforma política em votação. Será mais um projeto fracassado de reformas, embora seja consensual no Congresso que o atual sistema não mais se sustenta de pé. O problema certamente está nas propostas levadas à votação, em geral impregnadas do interesse deste ou daquele grupo. Falta certamente um líder capaz de costurar um entendimento entre as diversas forças, de vez que nenhuma delas é majoritária no atual quadro partidário. Basta verificar que o PT, o partido que detém a maior bancada da Câmara, tem apenas 13% dos deputados.