Troca de golpes

 

A reação da presidente Dilma à crise política elevou o nível de tensão entre governo e oposição, com acusações mútuas de golpismo. À “Folha de S.Paulo”, Dilma disse que a previsão de que ela não terminará o mandato é “um tanto quanto golpista” e afirmou: “Eu não vou cair”. Presidente do PSDB, Aécio Neves rebateu dizendo que a petista tenta inibir as instituições e a imprensa. Parte do PT comemorou o tom da presidente, mas, para alguns aliados, ela levou a crise para dentro do Planalto. -BRASÍLIA- Governo e oposição trocaram ontem acusações de “golpismo” em meio ao agravamento da crise política. O dia lembrou os momentos mais acirrados da campanha eleitoral do ano passado, na qual a presidente Dilma venceu Aécio Neves (PSDB). De um lado, Dilma escancarou o tema em entrevista publicada ontem na “Folha de S.Paulo”, classificando alguns dos adversários de “golpistas” e atacando duramente a possibilidade de deixar o cargo por condenação do Tribunal de Contas da União (TCU) ou do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): “Eu não vou cair. Não vou, não vou”, repetiu.

No início da tarde, o PSDB reagiu no mesmo tom. Em nota, Aécio, presidente do partido, afirmou que o discurso de Dilma é uma saída para fugir de investigações e contra-atacou: “Tudo que contraria o PT e os interesses do PT é golpe!”

No texto, Aécio disse que “o discurso do golpe” repetido por Dilma e petistas é uma estratégia para inibir a ação de instituições e da imprensa em relação às denúncias de corrupção e manobras fiscais.

Mais tarde, Aécio ironizou a reação de Dilma aos discursos de tucanos na convenção do PSDB, no fim de semana, em que se diziam preparados para assumir o governo em caso de impedimento, pela Justiça Eleitoral, da chapa eleita em 2014 por alguma irregularidade no financiamento da campanha.

— Olha o nível de instabilidade emocional e política da nossa presidente! Não achava que a nossa convençãozinha ia deixá-la tão assustada. Ela piscou. Está tão fragilizada que passou recibo — comentou Aécio, no Senado.

O tucano disse que o PT utiliza muito mais a palavra impeachment do que a oposição.

— Não é com o PSDB que ela tem que se preocupar, mas com os tribunais que a estão investigando por crime de responsabilidade e por utilização de dinheiro oriundo da propina da Petrobras na sua campanha — disse: — Golpe, se há alguém tentando, não é a oposição. É o governo do PT.

Do outro lado das trincheiras, a base da presidente se dividiu em relação aos efeitos da entrevista dela. Enquanto petistas comemoraram a reação da presidente, outros aliados criticaram.

Na entrevista, a presidente chegou a falar sobre boatos que correram as redes sociais semanas de que teria tentado suicídio: “Eu não quis me suicidar na hora em que eles estavam querendo me matar! A troco de que vou querer me suicidar agora?”, disse Dilma, recorrendo ao passado de tortura como presa política na ditadura para demonstrar resistência. Em outro trecho, ela desafia a oposição a demonstrar qualquer envolvimento seu no escândalo de corrupção da Petrobras: “Vão reescrever (minha biografia)? Vão provar que algum dia peguei um tostão? Vão? Quero ver algum deles provar”.

ALIADOS SE DIVIDEM SOBRE EFEITO DA ENTREVISTA

O senador Romero Jucá (PMDB-RR) disse que a entrevista lembrou os momentos que precederam o impeachment de Fernando Collor, em 1992, em que o ex-presidente dizia que resistiria até o fim de seu mandato:

— Pense num juízo! A presidente Dilma deu uma de Collor, chamou a crise para si.

O senador Jorge Viana (PT-AC) afirmou que Dilma não deveria ter dado tanto destaque às tentativas da oposição de abreviar seu mandato:

— Não precisava ter gasto tanto tempo falando do PSDB. Deixa a gente ( parlamentares) tratar dos golpistas. Isso é problema nosso.

Houve também elogios entre os aliados, como os do senador Lindbergh Farias (PT-RJ):

— Ela fez certo, a situação é grave. Ela pareceu, depois de muito tempo, a Dilma coração valente, disposta a brigar — disse Lindbergh, referindo-se ao slogan da campanha à reeleição.

O líder do PSD na Câmara, Rogério Rosso (DF), elogiou apontando sinais de segurança:

— Quando ela diz que não vai cair, está convicta e tranquila sobre qualquer responsabilidade.

Ao comentar as declarações de Dilma de que não vai cair, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que a saída para a crise deve estar “dentro dos limites da Constituição”:

— Não vamos silenciar, jamais, com qualquer saída construída fora desses limites. O PMDB tem sido, ao longo dos tempos, o pilar da governabilidade. E quer, claro, colaborar para saídas corretas para o país. Mas dentro da lei, da Constituição.

O ministro do TCU Augusto Nardes, relator das contas de 2014 de Dilma, também reagiu à entrevista, em que ela refutou as “pedaladas fiscais”:

— Não existe golpe nenhum. O TCU cumpre a legislação. As instituições têm de funcionar e têm de ser fortes. Não há sentimento de golpismo.

 

O QUE ELA DISSE

“Eu não vou cair. Isso é moleza, isso é luta política. As pessoas caem quando estão dispostas a cair. Não estou. Não tem base para eu cair. E venha tentar” Sobre a defesa de seu afastamento por membros de partidos da oposição

“Isso do ponto de vista de uma certa oposição um tanto quanto golpista. Eu não vou terminar (o mandato) por quê? Para tirar um presidente, tem que explicar por que vai tirar”

Para chamar de golpismo previsão de oposicionistas de que não terminará seu mandato

“É uma coisa estranha. Porque, para mim, no mesmo dia em que recebo doação, em quase igual valor o candidato adversário recebe também. O meu é propina e o dele não?” Ao lembrar que Aécio Neves também recebeu doações de empresas citadas na Lava-Jato

“Não acho que houve o que nos acusam. O que adotamos foi adotado muitas vezes antes de nós. Gostaria de saber em que legislação está em que proporção altera a qualidade” Sobre o risco de o TCU rejeitar suas contas por causa das manobras fiscais conhecidas como “pedaladas”

 

POR QUE ELA DISSE

RICARDO ISMAEL

Cientista político da PUC-Rio

“Dilma já estava sendo pressionada por Lula e pelo PT. A reação dela agora não nasceu domingo, com as críticas na convenção do PSDB. Foi um acúmulo da pressão interna com essas críticas, e com dois fatos que a tiraram da zona de conforto: o prazo dado pelo TCU para sua defesa (contra a acusação de que realizou manobras contábeis chamadas de ‘pedaladas fiscais’); e a delação de Ricardo Pessoa (empreiteiro da UTC investigado na Lava-Jato, que falou de doações para sua campanha que seriam propina). Acumulou-se a isso a queda de popularidade. Ao falar, Dilma põe mais pimenta na panela, porque acaba chamando a atenção até de quem não acompanhava o debate. Mas, se fica calada, dá a sensação de que não reage. Desqualificar a delação de Pessoa, por exemplo, é estratégia contra a análise de suas contas de campanha pelo TSE. E, no caso da análise do TCU, que vai para o Congresso depois, Dilma se reúne com aliados, o governo diz que pedalada todo mundo faz. Ela viu que a postura de ficar olimpicamente calada, andando de bicicleta, não estava dando certo. Foi um discurso defensivo, mas Dilma tinha que correr o risco de falar. Para quem votou nela, é importante”.

CARLOS MELO

Cientista político do Insper

“Dilma deu a entrevista no pior momento porque fica parecendo uma resposta à convenção tucana, que aconteceu no domingo. Não acertou nem no momento, nem no conteúdo. Ela repete a crítica à figura do delator, que já não tinha pegado bem antes, abusa em chamar os entrevistadores de ‘queridos’ muitas vezes, um tique nervoso que ela já tem há tempos, e ainda se diferencia do Lula ao dizer que discorda dele sobre ‘estar no volume morto’. Aliás, pela primeira vez, ela não chama Lula de ‘presidente Lula’, como sempre fez. Você lê nas entrelinhas que ela está nervosa, distante de Lula e do PT, impaciente e reativa. Os leitores veem uma presidente perdida e isso é uma mensagem ruim para o mercado. Estrategicamente teria sido melhor ficar calada. Se a entrevista já estivesse marcada, ela deveria ter desmarcado. Ao falar, ela não saiu da agenda negativa e entrou no jogo da oposição, depois de passar semanas tentando produzir uma agenda positiva. A entrevista é um erro primário de comunicação, mostra afobação, algo típico de quem está sofrendo do fígado. Ela diz que não vai cair, mas não diz em que vai se segurar.”

EURICO FIGUEIREDO

Diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF

“Numa democracia, é legítimo a oposição se mostrar como tal, e a presidente se defender. Nas democracias consolidadas, respeita-se a rotatividade pacífica do poder. Mas, nelas, coloca-se tudo em jogo, menos a própria estabilidade, que é o que nossas lideranças estão fazendo. Uma alternativa à democracia é a anarquia, num primeiro e curto momento, e depois sabemos que vem a ditadura. Quando falo de lideranças, incluo aí oposição, aliados, Dilma, Lula, FH, os presidentes de Câmara, Senado, TCU. Dilma tem visão de Estado ao afirmar que põe todos os meios a favor da apuração da corrupção, o que é verdade, e ela ter mantido o ministro Cardozo mostra isso. Mas Dilma tem mesmo uma visão de governo e ajudou a criar instabilidade ao desfavorecer o PMDB no Ministério; tirou seu pilar no Congresso. Ela também ajuda a criar instabilidade com comparações estapafúrdias como a de interrogatórios na ditadura e na democracia. E Dilma precisa ver que o cara na rua nem quer saber o que é ‘pedalada fiscal’; quer saber do preço da gasolina. Ela está atrasada, deveria ter reagido antes, na política e também na economia. Mas ainda dá tempo”.

PAULO BAÍA

Cientista político da UFRJ

“Dilma estava muito acuada. Mas, nos últimos dias, a crise começou a ganhar outro contorno, com Eduardo Cunha falando sobre parlamentarismo e criticando Michel Temer; especulação sobre o PMDB se aproximando de José Serra; PSDB falando em assumir o governo. Há um clima de desânimo que abre espaço para a oposição. A sensação que se tem é de um governo velho, num início de mandato. Então, Dilma precisava reagir, precisava desse rompimento de isolamento para sua imagem pública. Sem dúvida (o marqueteiro) João Santana deve ter participação nessa orientação. Um dos vetores dessas declarações dela foi dizer que tem como se defender de tudo. Outro vetor foi estabelecer pontes com o PMDB ao dizer: ‘O PMDB é ótimo’. Dilma tem de assumir mesmo a crise para ela, para dizer que a bola tem dono. Precisa mostrar que assumiu a liderança, porque no presidencialismo o presidente tem de ser forte. Só não sei se essa reação terá efeitos tão imediatos. Para isso ocorrer, é preciso haver medidas econômicas e de política social. Dilma precisa de medidas que não sejam a negociação de cargos com aliados. Essa reação só vai valer o esforço se tiver uma continuidade na economia”.

RUBENS FIGUEIREDO

Cientista político do Centro de Pesquisa e Análises de Comunicação (Cepac)

“Se avaliarmos a entrevista, do ponto de vista do governo e de seus aliados, foi favorável. Mas precisamos lembrar que ela tem 9% ou 10% de aprovação e falou com uma sociedade que a desaprova, em sua maioria. Esse tom de bravata que a presidente usou cria ainda mais antipatia. Ela está acuada. E ainda tem um governo impopular adotando medidas impopulares numa situação de crise econômica, ou seja, o quadro não é favorável. Sobre denúncias contra o seu governo, as instituições têm de averiguar o que aconteceu. A personalidade dela é de uma mulher resistente, que tem uma força interior muito grande. Ela tem de dar uma resposta para dentro do governo, para as pessoas terem um argumento para usar na luta política. Nesse sentido, até demorou a fazê-lo. Mas não é uma entrevista que vai serenar os ânimos. Pelo contrário, vai gerar uma polêmica muito grande. Vale lembrar que, em artigo recente, o expresidente Fernando Henrique falou de responsabilidade da oposição. A entrevista da presidente joga querosene na fogueira.” (Alessandra Duarte, Mariana Sanches e Leonardo Guandeline)