Delator: Cunha ganhou propina

 

Preso pela Lava- Jato, Alberto Youssef também depôs ontem à Justiça Federal no Paraná e afirmou que

Juntos. Cunha ( de costas) é recebido pelo presidente do Senado, Renan Calheiros: os dois são investigados

um ‘ pau- mandado’ do presidente da Câmara na CPI da Petrobras tem intimidado sua família

Lobista de empreiteiras e delator da Lava- Jato, Júlio Camargo disse ter pagado propina de US$ 5 milhões ao atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB), em 2011. O depoimento à Justiça Federal no Paraná foi gravado em vídeo. Camargo contou já ter feito a denúncia à Procuradoria Geral da República, que investiga Cunha, e alegou que até então não citara o deputado por medo de retaliação. Segundo ele, Cunha o pressionou a pagar US$ 10 milhões desviados na contratação de navios- sonda pela Petrobras. Metade do dinheiro teria sido pedida diretamente pelo parlamentar, num encontro no Rio, e paga por intermédio de Fernando Soares, acusado de ser operador do PMDB no esquema. Cunha reagiu dizendo que o procurador- geral, Rodrigo Janot, “obrigou Camargo a mentir”. O doleiro Youssef, que também depôs ontem, acusou um “pau- mandado” do presidente da Câmara na CPI da Petrobras de intimidar sua família. - SÃO PAULO E CURITIBA- O consultor Júlio Camargo, delator da Operação Lava- Jato, colocou ontem o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, no centro do escândalo da Petrobras. Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal do Paraná, ele disse que foi pressionado por Cunha a pagar US$ 10 milhões em propinas referentes à contratação de naviossonda pela Petrobras. Segundo o delator, US$ 5 milhões foram pedidos por Cunha pessoalmente e pagos através de Fernando Soares, o Fernando Baiano, operador do PMDB na estatal. O delator contou que o dinheiro foi efetivamente entregue ao presidente da Câmara. O conteúdo do depoimento foi revelado ontem pelo site do GLOBO.

Eduardo Cunha negou a acusação e afirmou que o delator é um “mentiroso”. Desafiou Camargo a provar as acusações e disse, ainda, que o procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, obrigou o delator a mentir.

Na audiência de ontem, Camargo afirmou que já havia dado declarações sobre o envolvimento de Cunha no esquema à Procuradoria- Geral da República, em Brasília, em duas oportunidades nos últimos meses. Assim como outros políticos citados na Operação Lava- Jato, Cunha tem foro privilegiado, o que faz com que o processo corra no Supremo Tribunal Federal ( STF).

Camargo foi consultor de empreiteiras envolvidos no esquema. Ontem, contou à Justiça como foi o processo de contratação dos navios- sonda Vitória 10.000 e Petrobras 10.000, produzidos pela Samsung na Coreia, entre 2006 e 2007, e de propriedade da Samsung e da Mitsui. Os contratos valiam US$ 1,2 bilhão. Para intermediar o negócio, Camargo receberia US$ 53 milhões, dos quais US$ 40 milhões seriam repassados a agentes políticos.

Em função de atrasos no pagamento da propina, o delator relatou que, em 2011, quando representava a Samsung foi surpreendido por dois requerimentos na Comissão de Fiscalização da Câmara para investigar a atuação da empresa nos contratos. Camargo conta que, por intermédio do ex- diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, teve um encontro com o então ministro de Minas e Energia Edison Lobão no aeroporto Santos Dumont:

— Lobão viu o documento e falou: “Isso é coisa do Eduardo ( Cunha)”. Ele pegou seu celular e ligou para o deputado Eduardo Cunha na minha frente. Ele disse: “Eduardo, estou aqui com o Júlio Camargo. Você está louco?” — disse.

“DEPUTADO PAU- MANDADO”

Camargo afirmou que seu débito com Fernando Baiano era de US$ 10 milhões. Em depoimento anterior, Camargo havia mencionado “aproximadamente US$ 8 milhões”. No novo relato, o consultor disse que parte desse dinheiro iria para Cunha.

— ( Fernando) disse: “Estou sendo pressionado violentamente, inclusive pelo deputado Eduardo Cunha”. Eu falei: “Estou à disposição para falar com o deputado, explicar a ele o que está acontecendo”. Mas o Fernando me disse. “Júlio, ele não quer falar com você. Ele quer receber”.

Camargo afirmou que, algum tempo depois, conseguiu finalmente marcar um encontro com Cunha em um edifício comercial no Leblon:

— ( Cunha disse) que havia um débito meu com o Fernando no qual ele ( Cunha) era merecedor de U$ 5 milhões e que isso estava atrapalhando, porque estava em véspera de campanha, (...) e eu vinha alongando esse pagamento há bastante tempo, e ele não tinha condições de aguardar.

Para quitar a dívida de US$ 10 milhões, Camargo recorreu também aos serviços do doleiro Alberto Youssef. Ele afirma ter feito operações financeiras com as empresas ligadas a Youssef, além de transferências a empresas de Fernando Baiano.

— Ele ( Cunha) me disse: “Você pode até pagar o Fernando mais dilatado, o meu eu preciso mais rapidamente. Mas eu faço questão de você incluir no acordo o que ainda falta você pagar ao Fernando’’ — afirma Camargo.

O GLOBO localizou nos autos da Lava- Jato comprovantes dos pagamentos do delator às empresas de Soares e Youssef, mencionadas por Camargo. Um dos advogados presentes no depoimento perguntou a Camargo quem foram os beneficiários dessa propina:

— Eu não sabia que ele ( Fernando Baiano) tinha um sócio oculto, o deputado Eduardo Cunha.

Ontem mesmo, Moro ouviu Youssef sobre a negociação dos navios- sonda. Ao final, o advogado Antônio Figueiredo Basto perguntou ao doleiro se ele está sendo intimidado:

— Sim, venho sofrendo intimidação pelas minhas filhas, minha ex- esposa, pela CPI. E eu acho um absurdo. Eu, como réu colaborador, quero deixar claro que estou sendo intimidado pela CPI da Petrobras, por um deputado pau- mandado do deputado Eduardo Cunha.

Camargo alegou que não fez as acusações anteriormente por temer retaliações de Cunha.

— O maior receio é com a família. Quem age dessa maneira perfeitamente pode agir contra terceiros.

 

Janot obrigou delator a mentir, diz presidente da Câmara

 

 Citado pelo consultor Júlio Camargo como responsável pela cobrança de US$ 10 milhões em propinas para viabilizar um contrato de navios- sonda da Petrobras, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDBRJ), reagiu ontem atacando o Poder Executivo e, objetivamente, o procurador- geral da República, Rodrigo Janot, a quem acusou de “obrigar” Camargo a mentir em seu depoimento. A denúncia foi feita na véspera de um pronunciamento oficial de Cunha em cadeia nacional de rádio e TV.

— O delator foi obrigado a mentir, e acho muito estranho ser na véspera do meu pronunciamento e na semana em que a parte do Poder Executivo envolvida no cumprimento dos mandados judiciais tenha agido com aquela fanfarronice toda. Há um objetivo claro de constranger o Legislativo e que pode ter o Executivo por trás em uma articulação do procuradorgeral da República — afirmou Cunha, após reunião com o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL).

Visivelmente abalado, Cunha leu a nota que havia divulgado minutos antes para se defender das revelações de Júlio Camargo. Creditou o depoimento a uma suposta tentativa de constrangimento por parte do Executivo, devido às discussões na Câmara sobre pedidos de impeachment de Dilma Rousseff. Cabe a Cunha dar andamento ou rejeitar pedidos nesse sentido.

— No momento em que tem um aprofundamento da discussão sobre eventual decisão de pedido de impeachment, de repente querem constranger o Poder Legislativo? Acho isso um absurdo e não vou aceitar ser constrangido — disse Cunha.

Ele ainda defendeu que a delação de Camargo deve ser considerada “nula”, pois ele teria apresentado versões contraditórias em depoimentos e também porque a denúncia deveria ter sido enviada ao STF, já que ele tem foro privilegiado.

O peemedebista disse ainda que vai manter seu pronunciamento em rádio e TV, esta noite, em que fará um balanço de seus primeiros seis meses de gestão. Disse que não vai alterar o conteúdo do que já foi gravado diante dos fatos novos.

O advogado do senador Edison Lobão, Antonio Carlos de Almeida Castro, disse que o senador não fará comentários. Camargo disse ter recorrido a Lobão para tentar impedir o achaque de Cunha.

— Essas mudanças de versão favorecem minha tese. Não é porque há uma versão favorável, afirmando que o senador foi republicano, que vou mudar minha crítica. Está havendo um excesso nas delações. Qualquer delação que tenha modificação vai ser nula no futuro. A delação tem que ser uma única e não pode ser mudada de acordo com o interesse da acusação — afirmou.

Em nota, a Procuradoria- Geral da República negou ter qualquer relação com o depoimento Camargo: “O depoimento (...) não tem qualquer relação com as investigações ( inquéritos) em trâmite no âmbito do Supremo. A audiência referente à ação penal da primeira instância (...) foi marcada pelo juiz federal Sérgio Moro há semanas ( em 19 de junho), a pedido da defesa de Fernando Soares, e a PGR não tem qualquer ingerência sobre a pauta de audiências do Poder Judiciário, tampouco sobre o teor dos depoimentos prestados perante o juiz”. ( Júnia Gama e Maria Lima)